quarta-feira, dezembro 16, 2020

Liberalismo Perdido

Bolsonaro chegou ao poder cercado de expectativa, planos e promessas de liberdade na economia. Trazia um ativo importante em sua equipe, Paulo Guedes, que prometia um choque de economia de mercado que sacudiria os alicerces de um estado paquidérmico que havia deixado a população refém dos burocratas. Mais Brasil e menos Brasília era seu lema. Nosso país, sequestrado pela burocracia, deveria ser recuperado para os brasileiros. 

Em entrevistas dizia que se dependesse dele, venderia todas as estatais. Os liberais somaram-se ao governo Bolsonaro engrossando seus quadros, inclusive este colunista, que assumiu a direção da Agência Brasileira de Promoção de Exportações, Apex-Brasil. Para a Secretaria de Privatizações escolheu-se mais um liberal, Salim Mattar. O time chegou esperançoso, com ganas de mudar o Brasil. 

Os problemas não foram poucos. A resistência da burocracia e as tramas internas do governo começaram a minar nossas ações. Na Apex, em pouco tempo desembarcaram oficiais da Marinha, enquanto no Congresso Nacional faltava apoio para a agenda liberalizante de Guedes. A proposta liberal, que reduz o poder do establishment, foi combatida de forma intensa pela burocracia, com receio que desmontássemos os instrumentos de benesses governamentais de suas corporações civis e militares. 

Hoje, desembarcados do governo, Paulo Uebel, Salim Mattar, este que vos escreve, entre tantos outros, seguimos firmes e confiantes de que a agenda liberalizante é o melhor caminho para o desenvolvimento do Brasil. Infelizmente, os desafios foram imensos e fomos vencidos pelos jogos de poder, burocracia militante, militares patrimonialistas e pela mudança de perfil presidencial durante o mandato. 

Roberto Campos disse certa vez, referindo-se ao governo Collor: “É lamentável. É um desperdício profundamente lamentável. É mais uma oportunidade que o país perde. Para mim é mais uma esperança que se frustra. Nunca o liberalismo, que é a minha razão política, esteve tão perto de acontecer neste país, e nunca foi tão irresponsavelmente escorraçado”. Faço minhas as palavras do Embaixador Roberto Campos mais de três décadas depois. 

O governo Bolsonaro traiu o credo liberal e também a agenda fundamental de todos aqueles que acreditam nos instrumentos da liberdade de mercado como pilar fundamental do desenvolvimento. Até o momento o Planalto transitou em sentido oposto, fortalecendo o patrimonialismo, clientelismo e paternalismo, instrumentos contrários aos valores liberais, uma equação que resulta em populismo, aumento de gastos e irresponsabilidade fiscal. Para resumir em uma palavra: desilusão. 

O poder transforma, mas no caso de Bolsonaro, a equação tem sentido inverso. No poder, o Presidente retornou ao seu estado natural, um deputado do centrão nacional-desenvolvimentista e corporativista, que votou contra reformas liberalizantes propostas em governos anteriores. 

Bolsonaro chegará ao final do mandato sem realizar qualquer reforma profunda nas estruturas de nosso arcaico modelo de desenvolvimento. Como dizia Roberto Campos, “O Brasil não perde a oportunidade de perder oportunidades”.

sexta-feira, dezembro 11, 2020

Longe de Moscou

Na lista de antigos satélites da União Soviética que passaram a desagradar Moscou, a Moldávia assumiu um lugar de destaque. Depois de possuir governos tutelados pelo Kremlin, finalmente o país parece começar a se desprender das amarras do passado e olhar adiante, focado na Europa e nos valores democráticos, deixando de lado o sombrio passado socialista. 

Maia Sandu é a mais nova preocupação de Moscou. A jovem política de 48 anos foi eleita em segundo turno contra Igor Dodon, candidato dos russos, preferido de Vladimir Putin e atual Presidente. A Moldávia, que faz fronteira com a Romênia, com quem divide laços étnicos e culturais, sente-se hoje mais perto da União Europeia do que de Moscou. Sandu é a mais forte expressão deste movimento. 

A Moldávia segue o mesmo caminho de outras antigas repúblicas soviéticas, que hoje independentes, buscam maior autonomia em relação à Rússia. Apesar de formalmente não fazerem mais parte da União Soviética, a sombra de Moscou ainda paira em muitos destes países. Assim como em Belarus, a batalha está hoje em outro plano e foca em isolar a influência política dos russos em suas vidas. 

Em Belarus somente mais uma fraude eleitoral conseguiu manter Lukashenko no poder e Minsk, mesmo sob a vigilância dos policiais do regime autocrático apoiado por Moscou, é palco todas as semanas de protestos pró-democracia. A Europa passou a apoiar o fim do governo e a adoção de eleições livres monitoradas por observadores internacionais, algo rejeitado pela Rússia. 

Os conflitos nas franjas da extinta União Soviética chegaram ao Azerbaijão e Armênia, em disputa pela região de Nagorno-Karabakh que cessaram somente depois de mediação internacional. O caso da Moldávia lembra este conflito. A região da Transdnístria na fronteira com a Ucrânia, considera-se independente e seus 500 mil habitantes, moldavos, russos e ucranianos étnicos, buscam reconhecimento internacional. 

Fato é que a região é mantida sob controle com forças russas, que desde 1992 estão no local. O território respira a nostalgia dos tempos comunistas. Sandu, a Presidente eleita, deseja que a Rússia retire os 1.500 soldados do local e estes sejam substituídos por forças internacionais. O Kremlin não gostou. A população da Moldávia tomou as ruas da capital Chisinau em apoio a Sandu. Putin não terá vida fácil com a nova líder do país. Ela deseja levar o antigo satélite soviético, hoje uma nação independente, mais para perto da União Europeia. 

Moscou tem mais um problema sério a ser resolvido. Depois de Belarus, Armênia, Azeibaijão e Quirguistão, agora mais uma antiga república soviética rebela-se contra o poder do Kremlin. Na medida que a democracia e as benesses do capitalismo europeu penetram nas antigas repúblicas, torna-se cada vez mais difícil manter os mecanismos de fraude e controle impostos pela Rússia. 

Já chegou o momento de verdadeiras democracias se instalarem na região e seus povos decidirem o seu próprio futuro. Sandu agora torna-se uma peça importante deste tabuleiro político que ousa desafiar as ordens emanadas do Kremlin. A Moldávia escolheu romper com um passado sombrio e olhar para o futuro, longe de Moscou. Ninguém pode condená-los por isso.

sexta-feira, dezembro 04, 2020

Triunfo da Moderação

ACM Neto diz que a Presidência tem um poder muito forte, logo, o Presidente não pode ser descartado como um grande jogador na próxima campanha presidencial. A frase faz sentido, mas depende também de quem ocupa esta cadeira. Bolsonaro é um tipo intuitivo, porém pouco estratégico. Apesar de sua caneta ter um peso que pode alterar a campanha presidencial a seu favor, nada impede que consiga usar este poder contra si mesmo. 

Depois de uma campanha municipal onde o bolsonarismo mostrou que não possui enraizamento na sociedade e a esquerda foi surrada pelo eleitor, o centro moderado surge como uma solução razoável. A população mandou um claro recado pelas urnas. Está cansada da polarização e da guerra de narrativas. As pessoas pediram prudência, experiência, ponderação. Nada do que o ciclo eleitoral anterior havia proporcionado. 

A pergunta que surge é de onde virá este movimento ao centro. A opção de Moro pela iniciativa privada praticamente sela seu futuro longe da política. Isto muda a dinâmica do jogo e a política tradicional sente-se mais confortável para jogar de acordo com as suas regras, calculando a campanha presidencial a sua imagem e semelhança. Diante de dois polos antagônicos, esquerdas e direita bolsonarista, surge um caminho livre no centro para estas forças políticas transitarem. 

Apesar da caneta, Bolsonaro deve chegar enfraquecido em 2022. Diante de uma situação fiscal desesperadora, o governo não possui muitas opções. Sem projetos, base política ou direcionamento definido, o governo segue perdido sem agenda real. Se no passado possuía projeto sem base de apoio, hoje possui uma base aliada contrária aos projetos. A tendência é o governo seguir o mesmo rumo até seu final, sem grandes realizações ou profundas reformas estruturantes. 

Bolsonaro deve chegar em 2022 com apoio de sua base fiel, cercado de militares e dependente político do centrão. Uma equação que não garante os votos capazes de colocá-lo no segundo turno. Terá perdido ao longo dos quatro anos o eleitorado antipetista, conservador, liberal e lavajatista, a exata onda que conseguiu surfar em 2018 e lhe entregou a vitória em uma bandeja de prata sem qualquer esforço. Depois de chegar ao Planalto e sonhar que liderava um movimento, rifou a agenda e os grupos que o apoiaram. Sem eles, entretanto, não será reconduzido. 

Aquele que souber transitar pelo centro, de forma ponderada, terá grandes chances de chegar ao segundo turno. Uma aliança entre tucanos e democratas parece inevitável, com partidos do centrão fisiológico divididos entre a direita bolsonarista e o centro moderado. Nas esquerdas, uma acomodação em torno de Boulos começa a se desenhar. Em linhas gerais, este é o cenário que teremos adiante em 2022. 

O eleitorado cansou. A guerra de narrativas, polarização, terraplanismo, lulopetismo, bolsonarismo, antipolítica serão rejeitadas pelo eleitor, assim como vimos neste ano. Aqueles que não souberem se reinventar serão tragados pela onda da moderação, experiência e prudência. Uma antítese dos tempos egonegacionistas que vivemos.

terça-feira, dezembro 01, 2020

Ressaca da Nova Política

Muito se fala sobre a possibilidade uma frente ampla contra Bolsonaro. Estamos falando da união entre forças de centro-direita e centro-esquerda capazes de enfrentar o vencedor do pleito do 2018. Entretanto, talvez isso não seja necessário e também nada indica que seja estrategicamente inteligente. Estas forças, dispersas no primeiro turno, são capazes inclusive de tirar Bolsonaro do embate final sem união formal.

Na campanha paulistana muito se falou de uma suposta frente ampla formada para apoiar Boulos. Nada disso. O encontro entre Lula, Ciro, Marina e Dino ocorreu por conveniência e pareceu mais um encontro de confrades da esquerda para evitar um novo governo tucano. Uma frente ampla, como diz o nome, precisa ser vasta, angariando apoio de diversos setores ideológicos, como ocorreu com Tancredo Neves em 1985. 

Aquilo que se imagina para 2022 é algo similar, entretanto, de difícil articulação. Unir a esquerda ao centro é praticamente impossível, enquanto encontrar equilíbrio neste espectro, um desafio ainda maior. São muitos caciques querendo ocupar este espaço. Enquanto isso, na centro-direita e na direita propriamente dita, já existem nomes bem posicionados. 

Mas como disse Fernando Gabeira, “ao término das eleições municipais, comecei a duvidar se era mesmo necessária uma frente para derrotar Bolsonaro”. Ele está certo. Apesar de muitos dizerem que é cedo para previsões, acredito que é tempo para enxergar as tendências e movimentos que apontam para a dinâmica de 2022. Foi exatamente o que Gabeira disse ao corroborar esta tese. 

Bolsonaro saiu combalido das eleições municipais. O bolsonarismo, como movimento, fracassou, tantos nos pleitos majoritários, como nos proporcionais. O eleitorado mostrou que está cansado do discurso antipolítico, dos outsiders, da polarização e da guerra de narrativas. A falta de resultados reais e uma gestão caótica da pandemia acabaram por levar o eleitor a fazer as pazes com a política depois do rompimento começado em 2016 e concretizado em 2018. O tempo é de reconcialição. 

Somado isso ao problema estrutural de nossa economia, que está diante de um deficit assustador, sem capacidade de investimento ou sequer de implementar um programa de transferência de renda, os auspícios não são os melhores. Veremos um 2021 sem auxílio emergencial, equilíbrio fiscal ou privatizações. Estaremos diante de desemprego e uma retomada lenta que pode ainda transformar-se em período de retração. A popularidade de Bolsonaro sofrerá com estes abalos. 

Isto significa que 2022 será uma eleição completamente diferente de 2018, quando o novo e a rejeição à política eram a tônica do debate. Estamos diante de um pleito que vai privilegiar a experiência, transparência e a seriedade. O sinal das eleições americanas foi claro. O eleito foi um centrista, talvez aquele político com a mais vasta e profunda experiência nos corredores de Washington. O establishment despachou o outsider. Um equilíbrio que pode vir a ser testado no próximo ciclo eleitoral brasileiro.

Diante disso, nem será preciso uma Frente Ampla. Tudo indica que caminhamos para um pleito com dois polos diametralmente opostos, além de duas candidaturas centristas. O caminho para o segundo turno estará neste equilíbrio. Forças dispersas que agem de forma ampla, em partidos diferentes, mas com o mesmo objetivo. Uma dinâmica que pode tirar Bolsonaro do jogo ainda no primeiro turno. A ressaca com a nova política pode vir na forma de avalanche eleitoral contra o bolsonarismo. A conferir.

segunda-feira, novembro 30, 2020

Soberba Chinesa

Desde 2009 a China é o principal parceiro comercial do Brasil. Um movimento que começou a se desenhar também em outros países. A estratégia chinesa sempre foi muito clara, ou seja, tornar-se essencial para a economia de diversas nações e a partir daí migrar esta relação para o campo político. Em Brasília, este movimento ocorreu durante os governos petistas, alinhados ideologicamente com Pequim.

Antes da China entrar em cena, o principal parceiro comercial do Brasil eram os Estados Unidos, uma relação que perdurou por décadas desta forma. Fato é que o entendimento entre os países se dava maneira natural, uma vez que os americanos comungam dos mesmos valores que o Brasil, dividindo o apreço pela democracia, liberdade e os pilares do Estado de Direito. 

Naturalmente a política externa, política de comércio exterior e política comercial andam coordenadas. A mudança de paradigma comercial brasileira nos anos petistas esteve aliada a um forte componente de política externa, que acabou por afastar o Brasil dos Estados Unidos, alinhando-se com a China na mesma medida. Ao final do governo Lula este movimento estava completo e política externa e comercial finalmente se encontraram. 

Fato é que ao se associar com a China como principal parceira no comércio internacional tornou nosso país vulnerável. Pequim não divide os mesmos valores, tampouco tem o mesmo apreço por instrumentos democráticos que temos no Brasil. Democracia, Direitos Humanos, Estado de Direito e um arcabouço de liberdades que começam nos direitos individuais e desaguam no respeito a diversidade e tolerância religiosa não são respeitados pela China. 

Este conflito tem sido um dos principais elementos desestabilizadores da relação entre os dois países e faz com que a temperatura suba recorrentemente. A liberdade de opinião brasileira não tem sido tolerada pelas autoridades governamentais chinesas que exercem pressão para que seus objetivos estratégicos político-comerciais internacionais sejam atendidos pelo Brasil. Um desacordo que remete a essência e aos valores defendidos pelas duas nações. 

O Brasil, entretanto, não está sozinho diante da pressão chinesa. Países europeus têm reagido com veemência diante da maneira direta e incisiva da diplomacia oriental. Um movimento puxado por Suécia e França que cada vez mais ganha adeptos. A Austrália tornou-se mais uma nação que sofreu retaliações do governo de Pequim por se negar a adotar o padrão de 5G da Huawei e ZTE, empresas que por lei dividem informações coletas nas redes com as autoridades chinesas. 

O caso da Austrália é paradigmático. A estratégia é sempre a mesma, criar dependência econômica ao longo dos anos e assim obter formas especiais de pressão para forçar os parceiros comerciais a agir de acordo com os objetivos políticos chineses. Aqueles que tiverem a ousadia de se voltar contra seus interesses, sofrem o peso das retaliações. 

A sino-dependência brasileira precisa ser repensada, assim como uma postura passiva diante das agressões desferidas pelas autoridades diplomáticas quando sentem seus planos rejeitados por governos estrangeiros. Ao dizer que o Brasil sofrerá consequências se calúnias (sic) perdurarem, o governo chinês está ameaçando nossa soberania por intermédio de seu corpo diplomático. Uma postura constrangedora. 

Assim como na Austrália, a China está disposta a retaliar nações que desejam rejeitar seus planos. Ao domesticar nossa economia, Pequim não se constrange em agir de forma acintosa, pois sabe que setores importantes respiram pelos aparelhos chineses e estariam dispostos a pressionar o governo para manter seus negócios. 

Devemos nos perguntar, entretanto, o custo real desta sociedade. Durante os anos em que os Estados Unidos eram o principal destino comercial do Brasil, jamais um Embaixador americano ousou constranger nosso país diante de declarações nada amistosas de parlamentares da esquerda. Os americanos, entretanto, entendem o que significa liberdade de expressão em um regime democrático, algo que os chineses, reféns de um governo autoritário e socialista, não conhecem. 

Antes de nos tornar ainda mais reféns de Pequim, convém ao Brasil diversificar sua pauta e destino exportador. Nossa soberania não pode sofrer constrangimentos de diplomatas contrariados que discordam da opinião de nossos parlamentares. Devemos estar ao lado de nações que entendem e dividem nossos valores, que aceitam a liberdade, democracia e as leis de forma independente e soberana.

terça-feira, novembro 24, 2020

Desgaste Populista

A vitória de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos acendeu um sinal de alerta ao redor do mundo. Teria a onda populista que tinha Trump como maior ícone entrado em decadência? Assim como sua ascensão em 2016 sinalizou um caminho para muitos líderes seguirem seu caminho, tudo indica que sua queda em 2020 aponta para o declínio de sua forma governar no mundo. 

Trump chegou ao poder na onda de renovação da política, um movimento que passou do ponto a escolher outsiders para cargos decisórios em diversos países. Outsiders são pessoas de fora da política ou longe dos círculos de poder tradicionais que chegam a postos de comando. Esta onda que vivemos teve origem na rejeição aos políticos, levando ao poder quem defendia uma mudança profunda no sistema. 

Esta chamada nova política veio embalada por nomes inexperientes e até de certa forma ineptos para o exercício do poder, uma vez que experiência militar, por mais breve que tenha sido, ou mesmo empresarial, não qualificam alguém para um cargo de liderança política. A dificuldade em lidar com os instrumentos de poder democráticos, aos poucos foi acentuando os traços populistas destes eleitos.

Contudo, nem tudo que reluz é ouro, tampouco o fascínio pela nova política se sustenta por muito tempo. Sem resultados reais ou mesmo diante da falta de habilidade em lidar com instrumentos essenciais da democracia, como a moderação, diálogo e consenso, a máscara caiu, expondo a falta de capacidade e habilidade política em momentos cruciais como a gestão da pandemia. 

Trump caiu diante desta realidade. Quando seu país mais precisava de sua liderança, preferiu esconder-se usando o negacionismo enquanto o vírus ceifava as vidas daqueles que dependiam de sua gestão para sobreviver. As consequências de uma gerência desastrosa da pandemia foi a triste realidade que fez a sociedade acordar do sonho populista que começava a se consolidar na sociedade americana. 

Este sinal de alerta agora se espalha pelo mundo diante de uma tendência política que pode se alastrar por diversos países, tornando líderes populistas e bufões, como Donald Trump, presa fácil diante de eleitores mais lúcidos. Estes começam a entender que outsiders podem não ser a solução de seus problemas e que a política tradicional ainda é capaz de oferecer segurança e bom senso, essenciais na gestão de crises. 

O populismo ainda é um dos maiores inimigos da democracia. O fascínio exercido por sua política inebria durante um certo tempo, mas é incapaz de produzir resultados necessários no longo prazo. Trump foi a primeira vítima do levante eleitoral contra esta guinada, que agora tende a se consolidar em outros países.

Política é feita com habilidade, diálogo e entendimento. Arrogância, agressividade e impetuosidade não rimam com boa gestão e governança. O Brasil, que enfrentará os mais sérios reflexos econômicos da pandemia em 2021, pode ser a próxima peça deste castelo de cartas que começou a desmoronar.

segunda-feira, novembro 23, 2020

5G: Uma Rede Limpa

Um grande passo foi dado pelo Brasil em relação ao sistema de segurança que envolve a tecnologia 5G. Um degrau decisivo para afastar nosso país dos riscos chineses e nos aproximar de um modelo de segurança econômica global. Nosso país passa a fazer parte, a partir de agora, da Clean Network, um movimento de nações livres e independentes que não desejam ser conduzidos pelas ordens emanadas de Pequim. 

O Itamaraty, chefiado pelo Ministro Ernesto Araújo, assinou a entrada do Brasil na coalizão de 50 países que representa aproximadamente dois terços do PIB mundial, juntamente com mais de 170 empresas de telecomunicações e muitas das mais poderosas empresas de alta tecnologia do mundo. Uma rede que conta com 31 dos 37 países da OCDE; 27 dos 30 países da Otan; 26 dos 27 países da União Européia e 11 dos 12 países dos Três Mares. 

Ao se juntar ao grupo de nações que desejam uma rede limpa, o Brasil se coloca ao lado de outros países que defendem um sistema livre de influências governamentais em seu desenho de 5G. Um movimento contra nações que desejam dominar o tráfego de informações por intermédios de empresas privadas que funcionam apenas como intermediários dos desejos de seus governos. 

A China não é um país livre e a Huawei é a espinha dorsal do estado de vigilância do partido comunista que dirige a nação asiática. A lei de segurança nacional exige que as empresas chinesas entreguem os dados coletados por seus sistemas a pedido do partido comunista. Isto coloca todo o tráfego que circula por redes como da Huawei em situação vulnerável, uma vez que podem ser acessados pelo governo de Pequim por força de lei. Estamos falando desde dados pessoais até informações estratégicas de segurança nacional. 

Assim, um número crescente de países começou a se proteger do sistema de vigilância chinês implementado pela Huawei ao redor do mundo. A aliança em torno da rede limpa, chamada de Clean Network, é mais um passo neste sentido. Ao se juntar nesta iniciativa, o Brasil garante um ambiente seguro, transparente e compatível com os valores democráticos e liberdades fundamentais. Algo que gerará inclusive mais segurança para as empresas que investirem no país. 

As trilhas da Clean Network abrem caminho em várias direções para uma rede mais estável, aberta e confiável. O instrumento de Clean Path deixa o tráfego de rede 5G mais transparente, enquanto o Clean Carrier limpa a rede dos riscos e a Clean Store, a remoção de aplicativos não confiáveis. 

Sabemos que não há prosperidade sustentável sem liberdade. Em apenas alguns meses, dois terços do PIB mundial estão representados na Rede Limpa. Ao se colocar ao lado de países democráticos, livres e abertos, o Brasil está diante da oportunidade de construir uma rede segura e confiável, que preserve os dados dos brasileiros e de seu governo, com companhias sediadas em países que possuem judiciários independentes e livres da pressão de governos autoritários. Pequim ficou mais longe de Brasília, enquanto a Huawei, mais longe de nossos dados. Esta é uma excelente notícia para nosso país.

domingo, novembro 22, 2020

Estratégia de Boulos

Enganam-se aqueles que acreditam que Guilherme Boulos tenta ser Prefeito de São Paulo. Sua estratégia está muito além disso. Mira uma capital, mas outra, localizada no Centro-Oeste. Boulos mira em Brasília e mais do que isso, na cadeira de Jair Bolsonaro. Para compreender este movimento precisamos voltar no tempo e entender que ambos são produtos de uma mesma dinâmica. 

No movimento pendular da política, quanto mais se estica a corda, com mais intensidade ela se desloca em sentido contrário. O fenômeno Bolsonaro é resultado desta prática. No auge do petismo, Lula e depois Dilma, considerando-se imbatíveis, mantinham o discurso afiado contra os opositores. O foco era um certo revanchismo contra os militares, mas especialmente a demonização da direita, dos valores conservadores e de partidos como o Democratas, “que deveria ser extirpado da política brasileira”, dizia Lula. 

O resultado é conhecido. A sede hegemônica petista pariu a direita brasileira. Meio desfigurada, desarrumada e até tosca em certo sentido. Liberais, conservadores, lavajatistas e antipetistas de toda ordem se juntaram em uma frente liderada por um deputado do baixo clero que soube assumir o figurino de outsider e chegou ao Planalto embalado nesta onda. 

No poder, Bolsonaro repete o erro do enredo petista. De maneira desforme e desorganizada, estica a corda do pêndulo que o levou ao poder, agora em sentido contrário. Governa alicerçado na polarização, tornando-se refém do embate constante e discurso hegemônico da direita que representa. Ao acirrar os ânimos e incitar o confronto, demonizando adversários, recai no mesmo erro do petismo, que se achava invencível. 

Assim como Lula preparou o terreno para o surgimento de Bolsonaro, este faz o mesmo, estendendo um tapete vermelho para o opositor que está diametralmente oposto ao seu campo político. Este nome pode ser Guilherme Boulos. A polarização gera um efeito inverso que acaba por abrir as portas do inferno para o governo. 

Poucos acreditavam em 2015 ou 2016 que Bolsonaro seria eleito presidente. Repeti à exaustão que sua vitória se desenhava. Hoje faço a mesma provocação: Quem acredita ser impensável Boulos chegar ao Planalto, precisa entender que seu principal cabo eleitoral é Bolsonaro e sua forma torpe de lidar com a política. 

Diante do desgaste do PT, PC do B e especialmente Psol passaram a ocupar a liderança do voto de esquerda. Boulos sempre foi próximo de Lula e nada agradaria mais a ele do que a companhia do ex-Presidente em sua chapa. Boulos teria em Lula um vice experiente, que dialoga com o mercado e a classe política. A idade e rodagem de Lula o fariam o nome ideal para encarar o desafio. 

Para isso se concretizar, Boulos precisava de projeção nacional, exatamente o que esta eleição lhe entregou. Não pode correr o risco de ganhar, porque no fundo já ganhou. A chegada ao segundo turno é uma vitória que projeta seu nome e abre o caminho diante da campanha que realmente importa: a corrida pela cadeira de Bolsonaro daqui dois anos. 

O poder cega e turva a mente. As armadilhas e erros da soberba podem fazer com que o movimento pendular da política se mova com força e intensidade. Depois de abater o petismo, a próxima vítima pode ser o bolsonarismo.

quarta-feira, novembro 18, 2020

Declínio Trumpista

Defendi desde o começo que esta eleição era antes de tudo um plebiscito sobre a presidência de Trump. A intensidade da batalha que marcou este pleito se deu basicamente pela polarização excessiva impulsionada pelo candidato republicano. O resultado seria sua vitória ou derrota, muito mais do que um triunfo ou insucesso dos adversários. Esta é a maneira de Trump fazer política. 

Trump foi eleito pela onda antipolítica que varreu boa parte do mundo nos últimos tempos. O Brasil também foi atingido por este fenômeno. O problema, entretanto, reside no fato que aqueles eleitos por esta onda carecem das características básicas necessárias para atuar no jogo político. Ao desprezar suas regras, apelam ao populismo ou são engolidos pelo sistema. 

Soma-se isto o fato de que Trump era um elemento estranho entre os republicanos. Nunca houve identidade real entre o Presidente e seu partido. Eleito na onda de rejeição ao establishment, jamais foi aceito por inúmeras alas partidárias que sempre desprezaram de seu ar bufão, agressivo, impetuoso e arrogante. Afinal, esta nunca foi a forma dos republicanos fazerem política. 

Ao confrontar aliados dos Estados Unidos no exterior, colidir com adversários democratas na política interna e semear a desconfiança de seus pares no partido, o Presidente incitava a discórdia, ao mesmo tempo que se alimentava dela. Caminhando sobre esta linha tênue, como jogador de pôquer, apostou todas as fichas na adoção de um comportamento populista que usava a narrativa e o confronto como armas. 

Ao alcançar um bom resultado econômico e inegáveis vitórias na política externa, acreditava que se encaminharia fácil para um segundo mandato. É um fato. A reeleição estava diante de si como um fato consumado, até surgir a pandemia e apostar no negacionismo. Com a morte de milhares de americanos e outros milhões infectados pelo coronavírus, viu sua popularidade derreter, assim como a economia e os empregos. Isto sem falar na tensão racial. 

Sua campanha pela reeleição uniu contra si democratas e também republicanos descontentes. Não foram poucos os correligionários que rejeitaram o populismo trumpista que contaminou o partido e apoiaram Biden, como o ex-Governador de Ohio, John Kasich. No fundo, o partido sente-se aliviado. Terá a chance de reinventar-se longe de Trump e de volta nas mãos de seus líderes tradicionais que permanecem fiéis aos valores conservadores. 

Trump perdeu para si mesmo e a aventura populista norte-americana chegou ao fim. A política se impôs como o caminho razoável e sensato na administração do poder. A revolução trumpista entrará para os livros de História e o aprendizado será absorvido pela sociedade americana. Biden foi o antiTrump. Ao colher sua derrota eleitoral e pessoal, Trump fez mais pelo partido democrata do que seus líderes. Seu personalismo, que se confunde com a sua presidência, entregou o poder de presente ao vice de Barack Obama. O último ato de ópera bufa populista que não deixará saudades.

segunda-feira, novembro 16, 2020

Começo do Fim

Se o pleito de 2016 foi marcado pela ascensão de outsiders, um movimento que chegou em seu pico com a eleição de Bolsonaro em 2018, tudo indica que esta tendência começa a se inverter em 2020. Este pleito foi marcado sobretudo pela confiança do eleitor em políticos conhecidos, de comprovada eficácia e longe da tal nova política. 

Ademais, a pandemia teve sim um fator preponderante. Administradores que souberam lidar com a crise, especialmente preservando a vida, foram recompensados, enquanto aqueles que optaram pelo negacionismo, acabaram derrotados. Um resultado previsto, que segue o caminho adotado pelos americanos quando despacharam Donald Trump da Casa Branca. Um prenúncio do que pode vir a acontecer no Brasil. 

A experiência foi a tônica. Os políticos outsiders levados ao poder pela onda antipolítica apenas quatro anos atrás, tiveram que provar seu valor. Desta vez, ser outsider não foi atalho para a vitória, como ocorreu no passado, mas apenas uma característica que não garante sucesso nas urnas. Esta, ao contrário, foi a eleição de líderes experimentados. 

Isto se explica em capitais como São Paulo, que embalou Bruno Covas para a vitória e no Rio de Janeiro, que também encaminhou Eduardo Paes. Os dois são administradores conhecidos por uma população que atesta sua capacidade de governar cidades deste porte. O eleitor não desejou experimentar. Pelo contrário, preferiu o conhecido, aqueles nomes testados e dignos de sua confiança. 

Em Belo Horizonte fez-se a mesma opção. Apesar de Alexandre Kalil ter chegado no embalo da antipolítica, como outsider, no poder soube portar-se de forma a conduzir o sistema político com habilidade, tendo alcançado elogios na condução da pandemia de forma segura e firme. O resultado das urnas premiou este caminho. Em Porto Alegre, o caminho foi o oposto. Percebemos que o eleitor estava atento a qualidade dos gestores eleitos, mesmo aqueles embalados pelo movimento de renovação da política. 

Bolsonaro sai menor desta eleição, mesmo antes das urnas fecharem. Ao falhar na estruturação de seu partido ou de liderar o processo, colocando sua popularidade para trabalhar por nome alinhados com seu projeto, perdeu uma chance rara de conduzir o pleito. O Presidente deixou de assumir uma postura de liderança, o que se espera de alguém em sua posição nestes momentos. Dos 59 candidatos que apoiou, elegeu apenas 9. Carlos Bolsonaro perdeu votos e sua ex-esposa ficou em um distante 229º. lugar. 

O fato deste pleito mostrar o desgaste dos outisiders, rejeição da antipolítica, premiando bons administradores e nomes conhecidos do espectro eleitoral, mostra que o brasileiro começou a fazer as pazes com a política. Esta é uma péssima notícia para Bolsonaro, que precisa da rejeição ao sistema como combustível de sua estratégia eleitoral. Ao perceber este movimento do eleitor, as eleições presidenciais tornam-se ainda uma incógnita maior. 

A boa política está de volta. Isto é o que nos prova o pleito de 2020. É o começo do fim dos aventureiros e o retorno de quem conhece eleições e sabe operar o sistema. Este é o principal legado desta pandemia, que separou os adultos das crianças em jogo tão importante como a política. Foi dada a largada para 2022.

sábado, novembro 14, 2020

Eleição da Pandemia

Esta eleição será marcada pela pandemia de covid-19. De Washington até a Nova Zelândia e de São Paulo até Serra da Saudade em Minas Gerais. Em todos os locais, o tema da eleição é a pandemia e aqueles que buscam a reeleição serão julgados pela população, antes de tudo, sobre como combateram a pandemia. 

Em Wellington, Nova Zelândia, Jacinda Ardern foi reeleita para mais um mandato na direção do país. Ela é considerada uma das líderes mais duras no combate ao novo coronavírus, colocando a população de seu país em primeiro lugar. Foram apenas 1.530 casos e 25 mortes. Usando técnicas inteligentes de rastreamento na disseminação do vírus e distanciamento social real, a Nova Zelândia já venceu duas ondas desta pandemia. 

Se em 2016 enxergamos uma revoada de outsiders que acabaram vencendo as eleições, quebrando a tradição de nomes ou grupos políticos tradicionais, vemos um novo direcionamento em 2020. Os outsiders não convencem mais por virem de fora da política. Com a emergência do vírus, se tornou muito mais importante quem soube lidar com a pandemia, aqueles que negaram sua existência e quem se enrolou com ela. 

Trump, que vinha na onda dos outsiders em 2016, tem encontrado enorme dificuldade para conseguir a reeleição e pode ser atropelado por um candidato que não empolga sequer o seu próprio partido. O mesmo deve ocorrer com muitos prefeitos no Brasil que perderam o caráter de novidade e que precisam mostrar como resolveram lidar com o coronavírus. 

Bolsonaro busca se distanciar do quadro eleitoral para que não confundam sua imagem com a dos eventuais derrotados. Tampouco deseja queimar seu capital político para alguém que não seja si mesmo. Entretanto, decidiu entrar no jogo em São Paulo, apoiando Celso Russomano, e no Rio de Janeiro, ao lado de Marcello Crivela. Deve colher duas tristes derrotas que deixarão evidente que Bolsonaro não possui o mesmo messianismo de 2018. Como todos os líderes negacionistas da pandemia, Bolsonaro pode pagar um preço eleitoral muito alto – agora e em 2022. 

No Brasil, as pesquisas deixam claro que aqueles gestores que souberam conduzir a crise do coronavírus de forma a preservar vidas estão sendo recompensados pelos eleitores. O contrário também é verdade. Gestores atrapalhados e corruptos estão enfrentando campanhas difíceis e com poucas chances de vitória. As principais capitais demonstram este cenário. Aqueles que vencerem, ganharão exclusivamente por seu mérito. 

Fato é que aqueles mandatários negacionistas, que rejeitaram a existência e força do vírus, aos poucos perdem espaço. A tendência eleitoral mundial, seja em Belarus, Estados Unidos ou Nova Zelândia está chegando ao Brasil. Depois de gerar estragos nas eleições municipais, esta onda certamente ainda terá embalo para chegar em 2022. Muitos já estão com as barbas de molho e certamente devem naufragar por seus erros.

sexta-feira, outubro 30, 2020

Reeleição em Risco

Em seu movimento em direção ao centrão, Bolsonaro acabou rifando parcelas de sua base eleitoral que foram essenciais para sua chegada ao Planalto. Ao descartar Moro, afastou os lavajatistas e posteriormente acabou atingindo também liberais, conservadores, evangélicos e até antipetistas. Hoje, apesar de manter sua popularidade, a base que sustenta seus números é outra. 

Refém do auxílio emergencial, Bolsonaro viu seus números inflarem diante de um instrumento de transferência de renda, tão criticado por ele quando o petismo davas as cartas no Palácio do Planalto. Atualmente, o apoio ao Presidente emerge do mesmo bastião sagrado do lulismo, os eleitores mais pobres que precisam do auxílio do governo para sobreviver. 

Isto explica o movimento desesperado do governo para encontrar um caminho viável nas contas públicas para turbinar o Bolsa Família e rebatizá-lo com assinatura de Bolsonaro como Renda Cidadã, transformando o mecanismo em instrumento de manutenção no poder. O problema é que a conta não fecha e parece ser impossível realizar tal feito sem estourar o teto de gastos, colocando em xeque a confiança externa do Brasil, podendo deteriorar ainda mais nossa economia. 

Fato é que ao mover-se para o centrão, Bolsonaro também fez a opção de mover-se de sua base natural, com o objetivo de criar um novo eleitorado, que seja capaz reconduzí-lo para mais um mandato no Planalto. Ao realizar este movimento, se aproxima do eleitorado cativo do petismo, especialmente no Nordeste, mas se afasta daqueles que foram essenciais para sua vitória em 2018. 

Isto começa a nos mostrar os caminhos abertos para seus opositores em 2022. Há um enorme flanco aberto na direita, especialmente diante do eleitorado que se sentiu traído pelos movimentos e alianças do Presidente e que busca um novo líder que canalize suas insatisfações. Do centro pacificador ou nos bolsões da direita evangélica, lavajatista, antipetista e conservadora pode surgir o grande adversário de Bolsonaro. 

Isto explica porque o sonho do atual inquilino do Planalto é disputar um segundo turno com a esquerda. Neste cenário consegue se credenciar com a única alternativa e ainda avançar no eleitorado petista mediante um novo programa de transferência de renda. A opção que se abre para seus opositores é encontrar ainda no primeiro turno um nome que consiga atrair os antigos bolsonaristas órfãos e chegar no segundo turno, seja contra Bolsonaro, seja contra um nome da esquerda. 

Ao contrário do que muitos pensam, a reeleição de Bolsonaro não são favas contadas. Existe a possibilidade, diante dos possíveis cenários, do Presidente inclusive não chegar ao segundo turno. Os políticos entenderam desde a última eleição que são incapazes de controlar o efeito manada do povo, mas que o melhor cenário é forçar o eleito a compor diante do cenário político. Bolsonaro lutará sozinho. 

Ao rejeitar os grupos que criaram o efeito manada a seu favor e acreditar no modelo petista de vitória, Bolsonaro pode estar sepultando suas possibilidades de reeleição.

quinta-feira, outubro 29, 2020

Decepção Bolsonarista

Bolsonaro chegou ao poder embalado nos votos do antipetismo e do lavajatismo. A luta anticorrupção do país, que fez a direita chegar ao poder, tinha o condão de reformar, renovar e mudar. O nome de Sérgio Moro era unanimidade. Sua indicação para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal apenas uma questão de tempo, aquele necessário para implementar uma agenda saneadora via Ministério da Justiça. 

Praticamente dois anos depois, vivemos em outro país. O Brasil inaugurado em 2019 naufragou em meio a desilusão diante de uma agenda e atores que jamais fizeram parte do enredo que levou Bolsonaro ao poder. Ao romper com lavajatismo e antipetismo, aos poucos aproximou-se do populismo e do militarismo. Afastou-se do liberalismo e das privatizações e nesta semana, em mais um episódio que marca esta guinada, afastou-se dos evangélicos e do restante dos conservadores que ainda apoiavam seu governo. 

A escolha do obscuro Kassio Nunes para uma cadeira no STF mexeu com o brio de seus apoiadores. Ao escolher um nome ligado à velha política e ao petismo, o Presidente selou um movimento que consolida uma nova fase de seu governo, inaugurada quando a lei e o impeachment passaram a rondar sua Presidência. Bolsonaro fez a opção pelo sistema, pelo acordo e pelos bastidores. Optou assim por engavetar reformas, desistir da renovação e sepultar as mudanças. 

O governo cada vez mais se parece com o perfil de Bolsonaro enquanto deputado e se afastada do modelo adotado por ele durante a campanha presidencial. Está cada vez mais próximo dos parlamentares daqueles partidos pelos quais passou, hoje sua base no Congresso Nacional, e afastado da chamada nova política. Cercado pelos militares passou a governar a sua imagem e semelhança, sentindo-se cada vez mais confortável na cadeira presidencial. 

Ao se afastar do liberalismo de Guedes, Bolsonaro adentra pelo desenvolvimento econômico, o que invariavelmente levará o Ministro da Economia a ser a próxima baixa do governo. O desenvolvimentismo é o motor do assistencialismo populista que turbina a aprovação do Presidente. É também o erro fatal cometido por Dilma que abalou o equilíbrio econômico do país e nos jogou em mais uma década perdida. 

Bolsonaro tinha o vento a seu favor. Uma base popular aguerrida, um partido em construção, empenho dos conservadores, apoio dos liberais, simpatia dos evangélicos, parceria com o lavajatismo e uma missão de renovar a política. Nada disso tornou-se realidade. Hoje, é parceiro da velha política, aliou-se ao patrimonialismo do centrão, deixou mais um partido, desmontou a Lava Jato, rifou as privatizações e os liberais, desistiu das reformas e por fim, deixou conservadores e evangélicos pasmos indicando nomes ligados ao petismo, inclusive para o Supremo. 

Ao perder a base que impulsionou seu nome ao Planalto, precisará do contraponto petista de um lado e um programa social milagroso do outro. Mesmo que custe o equilíbrio fiscal e a estabilidade da moeda. Afinal, a reeleição está logo ali em 2022.

terça-feira, outubro 13, 2020

Caminho do meio de Washington

O falecimento da juíza Ruth Ginsburg pode marcar o fim de uma era na Suprema Corte dos Estados Unidos. Tradicionalmente balanceada entre progressistas e conservadores, tudo indica que a corte pode perder este salutar equilíbrio, que tem servido como farol nos tempos mais difíceis. A configuração de poder única deste final de mandato do Presidente Donald Trump, que também possui maioria no Senado, pode funcionar como gatilho destes novos tempos. 

A democracia exige prudência, entretanto, a oportunidade que está em jogo é muito preciosa nestes tempos polarizados. Ao aprovar um nome conservador, a corte alcança sólida maioria, com possibilidade de reverter precedentes relevantes, como aquele que autoriza o aborto. Fato é que os riscos da polarização correm dos dois lados e um dia o jogo pode se inverter. 

No governo Barack Obama, após o falecimento de Antonin Scalia, o mais conservador do colegiado, o Presidente democrata preferiu indicar o Merrick Garland para sua vaga. Garland é considerado um centrista e Obama acreditou que esta credencial poderia ajudá-lo no processo de confirmação, afinal Anthony Kennedy e Clarence Thomas, indicados por Reagan, foram confirmados por um Senado de maioria democrata. 

 Nada disso. O vírus da polarização já havia contaminado o Senado e as antigas agendas bipartidárias, tão populares no passado, foram esquecidas. Os republicanos, no controle do Senado, impuseram uma derrota a Obama. O comitê judiciário do Senado não realizou audiências de confirmação com Merrick Garland e sua indicação caducou com o fim do ano legislativo. 

Hoje, o jogo se virou contra os democratas. Os republicanos entendem que se Obama indicou o substituto de Scalia, Trump tem o direito de indicar o substituto de Ginsburg. Sem surpresas. Mas fato é que novamente os republicanos estão com o controle do Senado e desta vez com votos suficientes aprovar o nome indicado. A aprovação tende a ser expressa, terminando todo o processo antes do final da corrida eleitoral. 

Ao indicar Amy Coney Barrett, Trump escolheu aquela que foi a mais dedicada assistente de Antonin Scalia em seus anos na Suprema Corte. Um nome muito alinhado com os conservadores e com os outros dois juízes que ele indicou ainda neste governo: Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh. Aos poucos, Trump, em seu primeiro mandato, terá conseguido realizar a maior guinada conservadora da corte em décadas. 

Os riscos, entretanto, são grandes. Assim como os democratas acreditaram que seria possível jogar pesado com as regras do Senado quando tinham maioria, o movimento pendular da política foi cruel quando estavam mais fracos. Os republicanos tinham a grande chance de mudar este estado de coisas, firmando um precedente quando possuem maioria: esperar o resultado eleitoral. Isto foi realizado em 2016 em outra configuração, mas este seria o momento de mostrar que suas virtudes democráticas podem falar mais alto do que a simples oportunidade política. 

Mas ao fim e ao cabo, estamos de falando da terrível batalha de poder pelo controle do judiciário mais influente do mundo e em tempos de polarização ninguém quer perder a chance de crescer sobre seu oponente. O caminho do meio de Washington nunca esteve tão longe no horizonte e esta não é uma boa notícia para a política. O fim de uma era de entendimento e equilíbrio pode ter chegado ao judiciário.

segunda-feira, outubro 05, 2020

Por que, apesar da vantagem, Eleições Americanas ainda estão indefinidas

O Wall Street Journal/NBC News divulgou hoje a pesquisa que mostra o democrata Joe Biden com 53% na dianteira contra 39% de Donald Trump. Apesar de ampla vantagem, entretanto, o resultado final não está definido. Isso porque nos Estados Unidos, o presidente é eleito a partir dos colégios eleitorais e até novembro a disputa se dá pelos estados. 

Diferente do que ocorre no Brasil, onde as eleições são definidas por voto direto dos cidadãos, nas eleições americanas o voto popular (não obrigatório) é confiado aos delegados, que por sua vez, apoiam o seu candidato. Ao todo, os colégios eleitorais americanos somam 538 votos. Para chegar à Casa Branca, o candidato precisa ter a maioria absoluta deles (pelo menos 270). 

É por essa dinâmica que a menos de um mês para a votação, a ampla vantagem de Biden para Trump ainda não pode ser encarada como um resultado final. O mapa eleitoral ainda segue com indefinições em estados estratégicos e a não obrigatoriedade de votação pode ser decisiva para a disputa. 

Outro processo importante será concluído em estados ainda divididos, como Texas, Ohio, Carolina do Norte, Geórgia e Flórida, que recebem só até hoje os registros de votos destas eleições. A batalha será acirrada nas disputas por cada estado, com foco na Florida, Maine, Arizona, Ohio, Iowa. Até o próximo dia 3, tudo pode mudar. 

quarta-feira, setembro 23, 2020

Economia em Xeque

Na medida que cresce a popularidade de Bolsonaro, crescem também os gastos públicos da rede de proteção social iniciada pela pandemia. O chamado “auxílio-emergencial” foi essencial para que os números presidenciais galgassem pontos importantes nas pesquisas de opinião. A reversão desta popularidade, entretanto, será uma realidade na medida que os efeitos da pandemia se impuserem na economia. 

O plano era rebatizar o Bolsa-Família de Renda Brasil e turbiná-lo com recursos, carimbando o principal programa assistencial brasileiro com uma marca que remete ao governo atual. O mesmo plano que já foi iniciado com o “Minha Casa, Minha Vida”, que passou a se chamar “Casa Verde-Amarela” e o PAC, programa de aceleração do crescimento, repaginado como “Pró-Brasil”. 

 No caso do Renda Brasil, o problema é mais profundo. Falta ao governo, até o momento, encontrar mecanismos para financiá-lo. O auxílio emergencial durante a pandemia, que distribui 600 reais mensais, se tornou um programa de R$ 51 bilhões de reais/mês para algo como 60 milhões de pessoas. Para efeito de comparação, o Bolsa-Família custa R$ 3 bilhões/mês para pagamentos a 14 milhões de famílias. 

Se o auxílio-emergencial se transformasse no Renda Brasil, custaria R$ 612 bilhões por ano. Se cortado pela metade, ou seja, se fosse de R$ 300 mensais, ainda assim custaria R$ 306 bilhões/ano, praticamente 10 vezes o Bolsa-Família/ano e o mesmo valor do total de gastos de custeio e investimentos do orçamento federal. Um projeto inviável. 

O governo tentou meios de custear este auxílio com outras fontes, o que causou a ira do Presidente Bolsonaro com a equipe econômica, sepultando inclusive o nome do programa. O Renda Brasil, desta forma, morreu sem jamais ter nascido, mas o problema de uma popularidade turbinada por um auxílio que tem data para acabar preocupa o Planalto. 

O impacto da diminuição do valor do auxílio pode erodir a popularidade do Presidente em pouco tempo, especialmente porque não existe um plano claro de transformação do mecanismo em programa de transferência de renda, tampouco recursos para operar este movimento. A situação é grave. 

Hoje o número de beneficiários do auxílio-emergencial é maior que o de trabalhadores com carteira assinada em 25 Estados brasileiros. Para cada trabalhador com carteira assinada, há quase dois recebendo o benefício. As pessoas recebendo o auxílio já correspondem a 68% dos 96,1 milhões da força de trabalho. No Maranhão, por exemplo, há 5 pessoas recebendo o benefício para cada empregado com carteira. Isto explica que o tombo na economia pode não ser tão grande este ano, mas escancara o fato de que (sem auxílio) o pior está por vir. 

É preciso entender que a recuperação brasileira será muito mais lenta e dolorosa que se imagina. Nossa economia, que nunca foi robusta, sofreu um enorme abalo com a pandemia e diante do corte do auxílio emergencial, irá encarar a realidade somente no ano que vem. Sem recursos ou reformas, com economia desarrumada e refém de um déficit recorde, o Brasil tem muito que se preocupar, assim como Bolsonaro. Diante desse cenário, não há narrativa que sustente sua popularidade e garanta sua reeleição.

segunda-feira, agosto 31, 2020

Mais do Mesmo

O Brasil passou da euforia à decepção. O país que renascia nas manifestações de 2013, depois impulsionado pela Lava Jato e pelo fim de um reinado petista que passava de uma década, tinha a esperança de mudança no horizonte. Acabar com a corrupção e privilégios era a tônica de uma nova política que surgia no Brasil.

O que se enxerga tempos depois é uma ressaca profunda depois do porre de entusiasmo que tomou conta do país. Lava Jato encurralada, pautas moralizadoras engavetadas, ataques contra os mecanismos de combate à corrupção em marcha. O Brasil pouco se parece com a nação que tomava as ruas pedindo o impeachment de Dilma Rousseff poucos anos atrás.

Nos tempos de comoção com os resultados da Lava Jato, que empilhava condenações de agentes públicos corruptos, um dos principais óbices para o avanço das investigações residia nos mecanismos do foro privilegiado. O arcaico instrumento era responsável por dar guarida a enorme número de corruptos que se escondiam atrás desta prerrogativa para evitar o avanço das investigações.

A pressão da sociedade fez com o que o Senado votasse e aprovasse o fim do foro ainda em 2017, ao lado do projeto que previa a criminalização do abuso de poder. Era o preço político a ser pago para ver o fim do foro por prerrogativa de função. Ao chegar na Câmara dos Deputados, próxima instância revisora das propostas, o projeto de abuso de poder avançou a passos largos e o fim do foro até hoje espera ser pautado. Já são 629 dias de espera.

Enquanto isso, as medidas contra a corrupção propostas pela Força-Tarefa da Lava Jato foram desfiguradas, o pacote anticorrupção proposto pelo então Ministro Moro foi mutilado, surgiu o juiz de garantias e foi sepultada a prisão em segunda instância. O Procurador-Chefe da Lava Jato agora sofre processos no Conselho Superior do Ministério Público e as chances de Moro ser considerado suspeito nos processos em que Lula foi condenado são reais. Os retrocessos são assustadores.

A única resposta que o Brasil pode dar diante da involução institucional sofrida recentemente está nas urnas e até lá o caminho é longo e tortuoso. Tudo indica que 2018 foi o ápice de um processo que entrou em desgaste a partir da assunção do novo governo. A Lava Jato, sem força e sabotada por seus opositores e apoiadores de ocasião, parece incapaz de produzir uma nova onda. A pandemia, que torna grande parte da população refém do auxílio do governo, mais uma vez domestica os cidadãos. Tudo indica que os sinais não são animadores.

Moro ainda é o grande ícone deste processo de mudança e para movimentar as peças deste tabuleiro terá que mover-se com inteligência, do contrário o processo eleitoral de 2022 nascerá novamente polarizado diante de um duelo populista onde a principal vítima será o futuro do país. A sociedade precisa apresentar uma reação real que impeça o caminho da servidão, de um povo adestrado, refém de programas sociais e benesses governamentais. O Brasil precisa evitar mais do mesmo.

segunda-feira, agosto 24, 2020

Em Defesa da Lava Jato

Estamos diante de um novo Brasil, infelizmente orientado por velhas práticas. Neste novo país, em tempos de pandemia, surgiram realidades que incomodam muitos brasileiros. A principal delas foi a tentativa de desferir um ataque frontal e final na Lava Jato, algo que deve ser veementemente rechaçado pelos brasileiros.

O combate à corrupção foi uma das bandeiras que acabou levando Bolsonaro ao poder. Na medida que encarnou sozinho o antipetismo e o papel de outsider durante a campanha, acabou por receber também os votos do lavajatismo. Ao retirar Sérgio Moro de sua cadeira de juiz em Curitiba e oferecer um Ministério da Justiça que teria forças renovadas, parecia que realmente a agenda anticorrupção havia entrado na pauta nacional e os apoiares da Lava Jato contemplados com um governo de verdade.

600 dias depois da posse, a decepção dos lavajatistas está exposta e escancarada. Não só percebeu-se que a saída do juiz Moro foi a primeira peça que se moveu para o desmonte da operação, como episódios que ceifariam o poder de ação da Lava Jato seriam gestados com naturalidade dentro do governo que foi levado ao poder com os votos dos entusiastas da operação anticorrupção nascida em Curitiba.

Enquanto a Lava Jato se preocupava com os tentáculos e manobras petistas nos anos Dilma ou o ímpeto de frear a operação no governo Temer, o desmanche veio mesmo no governo que os procuradores indiretamente ajudaram a levar ao poder.

Ao concentrar de forma inimaginável os resquícios de poder dos políticos varridos do mapa pela corrupção, seus operadores, novos atores e até membros de sua própria corporação seduzidos pelo poder, as forças contrárias conseguiram se articular para derrubar aquele que foi o mais importante movimento anticorrupção do Brasil, mas que aos poucos infelizmente se torna apenas mais um capítulo dos livros de história.

Resta ao Brasil ainda lutar pela Lava Jato. Uma luta que não vale somente pela operação em si, mas tudo aquilo que representa. Não é possível que o Brasil siga refém de práticas antigas e obsoletas, enquanto possuímos uma nação pronta para deslanchar. O peso da lei precisa voltar a recair sobre os ombros daqueles que afrontam a justiça.

Os desafios já foram muito maiores. É preciso defender o resgate da ética e boas práticas que mais uma vez se perdem nos corredores do poder, como já aconteceu no passado. A Lava Jato é uma instituição nacional e sobre seu tripé é preciso aprender e construir políticas públicas e impeçam que a corrupção se torne algo corriqueiro e parte do cotidiano da nação.

Operações como a Lava Jato precisam resistir, assim como a democracia e a liberdade precisam prevalecer em tempos estranhos. Depois de nos livrar do terror petista e sua teia de corrupção que envolveu as instituições, é preciso investir também contra aqueles que se valem da ideologia para encobrir o malfeito.

Governos são passageiros. Instituições são perenes. Aos cidadãos, “cabe fazer a coisa certa, pelos motivos certos e do jeito certo”.

quarta-feira, agosto 19, 2020

Guinada Bolsonarista

A guinada do governo cada dia toma contornos mais claros. Bolsonaro se afasta das bandeiras de campanha e move-se de forma mais clara na direção de caminhos do quais talvez nunca tenha realmente se desviado e que podem garantir sua reeleição. Depois de afastar-se do lavajatismo, liderado por Moro, talvez seja o momento em que veremos afastar-se do liberalismo de Guedes.

Neste como em outros governos existe o embate entre aqueles que defendem o rigor fiscal e os que desejam rumos desenvolvimentistas. Em tempos de pandemia e diante da perspectiva de reeleição, infelizmente o rigor fiscal aos poucos perde fôlego para a tentação e encantos temporários gerados pelo gasto governamental.

A recuperação da popularidade de Bolsonaro está claramente ligada a este movimento. O Presidente entendeu que ao abrir os cofres pode colher fôlego político que garanta sua reeleição. Nada diferente do que ocorreu no passado. Ao turbinar o Bolsa Família rebatizando o programa de Renda Brasil e ressuscitar o PAC, renomeado de Pró-Brasil, o governo fornece um claro indicativo dos rumos que irá seguir.

Fato é que este movimento passa ao largo da agenda de Paulo Guedes, que sempre apontou para o liberalismo, ou seja, redução da intervenção do governo, para assim reestruturar os pilares que sustentam a economia e o país. A pauta de Guedes sempre foi clara e passa pelo equilíbrio fiscal, reformas estruturantes, privatizações e desvinculação dos fundos. Um plano audacioso, entretanto, factível somente em uma administração com liderança política e articulação parlamentar no Congresso Nacional.

Ao sugerir o nome de Moro para compor a equipe, Guedes enxergava com clareza as perspectivas de mudanças que as urnas tinham entregue nas mãos de um governo que tinha um claro mandato reformista. Moro, refém dos mesmos mecanismos que limitam as reformas de Guedes, acabou deixando o governo. Resta saber se o Ministro da Economia seguirá pelo mesmo caminho.

A possível saída de Guedes não seria uma surpresa diante dos movimentos adotados nos últimos meses. Ao criar uma base no parlamento para evitar o impeachment aproximando-se do centrão, o governo tomou rumos que geram desdobramentos em diversas searas e a economia tende a ser um dos próximos pilares a sucumbir diante deste novo desenho.

Bolsonaro aproxima-se cada vez mais de suas bandeiras históricas e que fizeram sua trajetória como parlamentar. Uma pauta de costumes aliada aos valores da direita, defesa de projetos em favor dos militares e suas famílias, nacional-desenvolvimentismo na economia e uma visão cética acerca de reformas estruturantes e privatizações. Tudo isso transitando no lado político com os partidos que orbitam o chamado centrão.

A guinada operada por Bolsonaro, portanto, é uma surpresa apenas para aqueles que desconhecem sua trajetória política. Ao afastar-se de núcleos que se aproximaram durante o período eleitoral, o Presidente resgata sua agenda, convicções e crenças. O novo governo Bolsonaro, aos poucos, assume o traje do antigo Deputado Jair Bolsonaro, transformando-se à sua imagem e semelhança.

sexta-feira, agosto 14, 2020

Marco Sinistro

O trágico número de 100 mil vidas perdidas para o coronavírus é um marco sinistro para nosso país. Ficou evidente que o Brasil não soube lidar com a pandemia. O que veremos no futuro são capítulos de uma história que não poderia ser contada por qualquer nação para suas gerações futuras. A escalada dos números expõe nossas limitações como país de forma desumana e brutal.

Muito já poderia ter sido feito. Desde um plano nacional de combate ao vírus até a união de adversários políticos que se enxergam como inimigos e são incapazes de se unir para salvar seu povo. O que vimos foi inconstância nas políticas públicas de combate à pandemia, amadorismo, desvios, corrupção e descaso. Uma soma de elementos que nos conduziu para um número tão assombroso.

Alcançamos 100 mil mortos em apenas 5 meses. É a maior tragédia da história de nosso país e os números não são grandes apenas porque o Brasil é grande, mas porque fica cada vez mais claro a falta de capacidade de lidar com questões que realmente importam. Enquanto as bravatas e a guerra de narrativas tomam conta do país, seguimos contando mortos, enterrando entes queridos e perdendo irmãos.

Ao seguir neste ritmo, sem crescimento das fatalidades, em menos de três meses chegaremos ao apavorante número de 200 mil mortos. Para termos ideia, o tsunami em 2004 ceifou 230 mil vidas e as bombas nucleares no Japão fizeram 214 mil vítimas fatais. São números absurdos de catástrofes que abriram cicatrizes enormes e deixam marcas profundas que jamais serão esquecidas.

A cada sete mortos desde o início da pandemia, um é brasileiro. São 723 mil no mundo e 100 mil apenas no Brasil, mas a tendência é que nosso país galgue algumas posições neste ranking nos próximos meses, assumindo um incômodo protagonismo diante desta pandemia. Os números, entretanto, podem ser piores.

Ao testar pouco, estima-se que estamos diante de uma enorme subnotificação – uma realidade que apavora e que pode ser responsável pelo descontrole da doença. Uma das medidas mais efetivas no combate à pandemia foi a testagem em massa e o controle sanitário dos focos encontrados, isolando aqueles que testaram positivo e buscando testar aqueles com os quais o infectado teve contato. Esta teia de informações ajuda a realizar medidas efetivas de prevenção que evitam que o vírus se espalhe.

Especialistas alertam que estamos vivenciando uma calamidade humana sem tamanho, uma vez que esta já é a sexta maior pandemia desde a Peste Negra. Não estamos diante de um vírus comum, mas de um tipo novo do qual ainda não se conhecem as reais sequelas no corpo humano e apesar da letalidade relativamente baixa, entender como consegue ser tão fatal com pessoas que possuem diferentes características.

Fato é que esta pandemia está longe de terminar e que a prevenção ainda é o melhor remédio até que se encontre uma vacina eficaz. Antes do novo normal, ainda é preciso manter as medidas de proteção como distanciamento social, quarentena, evitando que o vírus se espalhe ainda mais fazendo vítimas. Ao atingir os 100 mil mortos, o Brasil precisa adotar uma postura madura e colocar as diferenças de lado. Nenhum governante será poupado diante do empilhamento de cadáveres. O vírus é cruel e depois de ceifar vidas, começará a ceifar mandatos.

segunda-feira, agosto 03, 2020

Aposta Bolsonarista

Aos poucos Bolsonaro vai mudando sua base eleitoral com foco na reeleição. Ao ser eleito no desgaste do petismo e nos resultados do lavajatismo, tinha como base principal a classe média urbana que impulsionou uma onda de renovação que ocorre somente a cada três décadas – a última ocorreu com a eleição de Collor. Bolsonaro personificou a mudança embalado em uma onda de renovação que atingiu também as casas legislativas e governos estaduais.

Sem uma base consistente no parlamento, o governo não conseguiu aprovar medidas de impacto, tampouco reformas substanciais, com exceção da Previdência, que ocorreu mais por união nacional do que esforço político do Planalto. A agenda do governo se voltou mais a questões morais do que estruturais, necessárias para reerguer uma economia que precisava de cuidados urgentes.

O desgaste de Bolsonaro com os núcleos que o elegeram começou a mudar a face do governo e de sua base eleitoral. Ao romper com o lavajatismo, Bolsonaro rifou um importante pilar responsável por sua eleição. Ao se aproximar das forças tradicionais, desiludiu os que acreditavam na renovação e ao flertar com o choque institucional perdeu apoios em setores da classe média.

A chegada da pandemia veio fornecer uma guinada mais profunda nos pilares de apoio de Bolsonaro. Ao introduzir um auxílio emergencial para a população mais pobre, viu seu apoio manter-se nos mesmos níveis, entretanto, mudando de lugar. Um deslocamento similar ao vivenciado por Lula ao perder apoio da classe média, cedendo lugar aos beneficiados pelo Bolsa Família.

A redução da pobreza circunstancial, gerada pelo auxílio emergencial, manteve os índices de popularidade de Bolsonaro, porém, assentados agora na população mais carente. Neste ponto o governo encontra um desafio. Na medida que o auxílio se exaurir, o que acontecerá com o apoio dos mais pobres? Ao rebatizar o Bolsa Família de Renda Brasil, o governo tenta dar uma resposta, mas a falta de calibragem em seus mecanismos pode fazer a popularidade de Bolsonaro desmoronar.

Nesta equação entra também o apoio dos liberais, que enxergam a economia sucumbir diante da pandemia, enquanto a solução neste momento tem passado por caminhos heterodoxos, que jamais seriam aceitos por discípulos de Hayek, Mises ou Friedman. Com um déficit que pode passar dos 800 bilhões em 2020, as alternativas se tornam cada vez mais escassas.

Fato é que houve um deslocamento sensível na base original do bolsonarismo nascido na eleição passada. Ao perder apoio dos lavajatistas, parte dos antipetistas, liberais, centristas e dos conservadores de base, Bolsonaro se tornou refém de uma base de direita ideológica, militares e especialmente de uma parcela mais carente da população atendida pelo auxílio emergencial, que não pode sonhar com o corte ou redução deste benefício. Ao romper com as forças que o elegeram, Bolsonaro aposta alto nos antigos mecanismos da política tradicional. Sua reeleição depende do sucesso desta equação.

segunda-feira, julho 27, 2020

Verdade Nua e Crua

A pandemia atingiu praticamente todas as economias do mundo. A brasileira, que experimentava uma lenta e gradual recuperação, enfrenta um abalo que ainda será sentido por muitos anos, talvez por uma geração. Nosso país, que tem por hábito vender ilusão para sua população, mais uma vez segue o mesmo roteiro. A recuperação, entretanto, se houver, será difícil e demorada. 

O Brasil nasceu com o Plano Real. Antes vivia um sistema econômico caótico. A hiperinflação era apenas a ponta de um problema estrutural que começou a ser resolvido em 1994. O modelo adotado naquele momento foi responsável por fazer com que a economia brasileira desse seus primeiros passos em um sistema global, vendendo confiança e segurança. 

Com a chegada de Lula ao poder, a dúvida era sobre a manutenção da estrutura desenhada pelo governo Fernando Henrique, baseado em metas de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal. Sabedor que para seguir adiante com seu projeto de poder era necessário manter o caminho econômico, o petismo manteve as bases da estabilização tucana e ainda no governo Lula conseguiu que o Brasil atingisse o almejado grau de investimento. 

Se no segundo governo petista havia espaço para um leve populismo fiscal, foi nos anos Dilma que a economia começou a sucumbir. O plano da nova matriz econômica tinha claro viés populista e consistia em política fiscal expansionista, juros baixos, crédito barato fornecido por bancos estatais, câmbio desvalorizado e aumento das tarifas de importação para "estimular" a indústria nacional. Ao inverter a lógica do tripé econômico do Plano Real, em pouco tempo o país começou a sentir o desequilíbrio. 

Este mergulho de Dilma fez com que o país entrasse em recessão econômica com retrações brutais do PIB em 2015 e 2016 e leve recuperação em 2017 e 2018 com a gestão Temer, replicando o resultado modesto em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro. Com a necessidade de crescimento médio de 3% ao ano, o Brasil precisaria crescer 13% somente em 2020 para simplesmente retornar ao padrão de 2014 – que já estava longe do ideal. Resultado: estamos ficando um país mais pobre. 

Com a pandemia, as notícias não são boas. Em abril estimava-se retração de 5,3% em 2020 – número que deve ser superado com folga, ou seja, nosso caminho de volta a 2014 (ano anterior ao debacle econômico petista) ainda será longo e penoso. 

Não existe qualquer sinalização de que a recuperação econômica brasileira seja rápida. Não possuímos arcabouço institucional confiável, plano de reformas definido, base parlamentar governista sólida ou equilíbrio fiscal, que se perdeu com Dilma e nunca mais se encontrou. Com a pandemia deve alcançar patamares medievais, algo que deve demorar mais de uma década de trabalho no rumo certo para ser revertido. 

Os caminhos de nossa economia são realmente preocupantes e sinalizam uma série de erros e populismos que jamais podem ser revisitados. Assim como vivemos a década perdida logo após os desatinos do General Geisel, vivemos outra após os desacertos de Dilma, porém, potencializados por uma pandemia. É melhor não nos iludirmos.

segunda-feira, julho 20, 2020

Governabilidade Real

Jair Bolsonaro assumiu prometendo uma nova política, ministros técnicos, projetos sólidos, diminuição da interferência do governo na economia, privatizações e reformas das mais variadas, passando pela previdência, tributária, trabalhista e até política. Havia uma agenda de combate à corrupção impulsionada pela Lava Jato. Criou enorme expectativa.

O cardápio de mudanças oferecidas por Bolsonaro, por mais atrativo que fosse, precisava necessariamente passar pelo parlamento. No Congresso, os soldados lutam nas comissões, os oficiais negociam como líderes e as batalhas são vencidas no plenário. Ao importar a farda para a política, operou-se o inverso. Uma realidade que tem começado a gerar problemas de governabilidade na medida que a caserna é deslocada de sua função real, ferindo sua imagem equidistante de ator institucional.

Refém do atual modelo de liderança, o processo de reformas segue emperrado, tanto no governo, quanto no parlamento, sem um cronograma ou projetos palpáveis que possam ser enxergados no horizonte. Até agora sem lideranças parlamentares robustas ou um norte sólido, assentado em propostas concretas e profundas, o Planalto ainda busca identidade e governabilidade.

No futuro dirão que o governo foi abatido pela pandemia. É preciso preservar instituições que acabam se confundindo com a administração e não podem ser abatidas. Governos passam, instituições ficam. Diante deste fato que separa duas realidades, o melhor caminho é entender que, por mais séria que seja a missão, civis e militares ocupam lugares diferentes e importantes que não se confundem na administração pública.

Diante disso a presença dos militares no governo começa a gerar questionamentos. Uma realidade que é debatida internamente dentro das Forças Armadas, afinal estamos tratando de uma instituição que passou as últimas três décadas refazendo uma imagem que hoje se redefine rapidamente pelas mãos do capitão Bolsonaro.

Fato é que se torna necessário dissociar as funções políticas governamentais civis das tarefas típicas de Estado exercidas pelos militares. Esta é melhor forma de preservar a política e a imagem de uma instituição que não pode se confundir com qualquer governo.

Ao reabrir espaço para a política, o governo entra na dinâmica real e no jogo de poder necessário para implementar sua agenda de forma aberta e democrática, deixando de lado a retórica e partindo para a ação. Bolsonaro precisa abrir espaço para os novos parceiros que garantem a governabilidade e demandam participar das decisões para apoiar seus projetos no parlamento.

Sem governabilidade real, Bolsonaro será incapaz de entregar o que prometeu, independente do coronavírus. Para resgatar o governo, Bolsonaro precisa partir para aquilo que se convencionou chamar de realpolitik. Ao contrário do que pensa, somente a infantaria política é capaz de salvar o governo. Uma tropa que não veste farda e opera sob a lógica do acordo e do diálogo.

segunda-feira, julho 13, 2020

Política Pós-Pandemia

A covid-19 vem causando uma verdadeira devastação nos sistemas de saúde, mas também nas economias do mundo inteiro. Os reflexos na política são inevitáveis, uma vez que a agenda de muitos governantes se tornou refém do vírus, colocando em risco seus projetos políticos e de poder.

As dores da economia são sentidas na política de forma aguda, algo que já foi ensinado várias vezes por diversos analistas. A economia, no final das contas, baliza o voto e injeções de ânimo em suas oscilações pode ajudar um governante a se reeleger. Em tempos de pandemia, entretanto, quando o problema é mais vertical, as saídas são mais raras e o risco de troca dos eleitos cada vez mais real.

Isto explica porque muitos políticos optam pela reabertura da economia mesmo ao custo de vidas e controle da pandemia. Políticos que pensam na próxima eleição, ao invés da próxima geração, estão longe da postura de estadistas que precisamos em tempos sombrios como este que vivemos.

Fato é que o mundo vive uma guinada populista à direta nos últimos tempos. Longe do liberalismo conservador tradicional da centro direita europeia ou mesmo da visão tradicional dos republicanos nos Estados Unidos, este populismo pode começar a sucumbir diante da crise econômica gerada pela pandemia.

O primeiro grande desafio ocorre nos Estados Unidos, que viverá um ciclo eleitoral polarizado, mas que tem chances de realinhar o sistema político norte-americano. Se as chances dos democratas eram pequenas um ano atrás, o cenário apresenta-se hoje realinhado diante da ineficiência no combate ao vírus e no desgaste econômico advindo da pandemia.

Os republicanos tradicionais enxergaram nos tropeços do atual governo uma chance de reconquistar o controle do partido, que em caso de derrota precisará ser reconstruído sob uma nova liderança. Diante disso, nascem movimentos espontâneos nas hostes republicanas que se levantam contra o governo e buscam um retorno do partido aos seus ideias tradicionais e mais consistentes. Argumentam que o partido de Lincoln, jamais poderia ter se tornado o partido de Trump.

Está ficando claro que a polarização política ao redor do mundo não entregou resultados palpáveis especialmente diante da pandemia e que governos centristas democráticos tem conseguido entregar melhor gestão da crise, além de resultados mais consistentes, preservando vidas, que serão essenciais na retomada da economia. Na Alemanha esta tem sido a tônica, assim como no Reino Unido, que mudou de postura após uma fase negacionista.

É preciso escolher exercer liderança, ao invés de distração política, para colher resultados diante desta grave crise. Governos populistas são incapazes de entregar este resultado. Diante disso, talvez um dos principais resultados políticos deste período seja o realinhamento de forças por meio do voto, resgatando governos de caráter mais técnico e centristas. Como ao final da uma guerra, quando emergem grande alianças, ao final desta pandemia, governos de concertação nacional podem substituir populismos e polarizações que tornaram a política um triste palco de divergências e ódios vazios.

segunda-feira, julho 06, 2020

As Mazelas do Racismo

Ayn Rand dizia que “como toda forma de determinismo, o racismo invalida o atributo específico que distingue o homem de todas as outras espécies vivas: sua faculdade racional. O racismo nega dois aspectos da vida do homem: razão e escolha, ou inteligência e moralidade”.

O racismo está na pauta mundial, especialmente depois da morte de George Floyd nos Estados Unidos. O movimento se espalhou pelo mundo inteiro com desdobramentos em vários vértices, o que serve para mostrar que o assunto é importante e merece ser discutido, escancarado e superado.

Discriminação, diante de qualquer ângulo, é algo que nos limita enquanto civilização. Todos somos miscigenados, a soma de diversas culturas, povos e etnias que fazem parte de nossas famílias. No Brasil, assim como nos Estados Unidos, mais do que em qualquer outro lugar, fazemos parte deste incrível resultado que é ser parte de uma terra de imigrantes. Contudo, assim como nos Estados Unidos, o Brasil ainda não superou as mazelas do racismo.

A campanha pesada que se abateu sobre o professor Carlos Alberto Decotelli é mais um exemplo de como não estamos preparados para enfrentar a questão racial. Afinal, para nossa sociedade infelizmente ainda é difícil aceitar um negro dirigindo uma pasta da importância que possui a Educação. Para além dos erros do professor, existe um componente de destruição e invalidação. É preciso destruir, não só desmascarar.

Os erros cometidos por outros não justificam as atitudes equivocadas de Decotelli. Precisamos nos perguntar, entretanto, porque estas pessoas públicas que cometeram o mesmo erro não passaram pelo escrutínio visceral e a mesma campanha devastadora contra sua reputação do que a enfrentada por um professor negro em posição de destaque.

A atitude covarde usada neste episódio expõe também um outro viés cruel desta dinâmica polarizada pela qual passa o Brasil. O autoritarismo narrativo que expôs este caso com maior virulência por um negro ocupar um lugar de proeminência em um governo de viés ideológico de direita.

O racismo velado no episódio Decotelli quebrou a falsa narrativa politicamente correta que vinha sendo explorada pelo mainstrean brasileiro de forma artificial após o caso George Floyd. Ao escancarar as duas realidades, entendemos que o tratamento é distinto quando as tintas da ideologia mascaram a cor das narrativas.

Falta, entretanto, o entendimento real de que a tragédia do racismo é elemento supraideológico e a politização do tema em nada engrandece o debate. Partidarizar não produz melhora em uma questão tão sensível e crítica. Muito pelo contrário.

O Brasil precisa debater muito esta questão. Os casos Floyd e Decotelli carregam elementos racistas que precisam ser discutidos e superados por ambas sociedades. Vivemos uma oportunidade impar de amadurecer como país. Devemos valorizar nossos cidadãos apreciando seus atributos racionais, intelectuais, de inteligência e moralidade. Não podemos deixar que o racismo nos diminua como povo e nação.

quarta-feira, julho 01, 2020

Desafios da Política

Como dizia Otto Von Bismarck, político e Chanceler alemão, a política é a arte do possível. A democracia exige debate, articulação e convergência. Sabemos que a política é instrumento essencial da democracia, portanto, fica claro que em sua essência residem os elementos que garantem o equilíbrio do sistema e a existência de nossas liberdades.

Não existe saída fora da política. Se um governante aceita as regras constitucionais e democráticas, precisará fazer uso da política como instrumento de defesa de suas ideias. Neste debate, deve procurar apoios e maioria para governar e aprovar suas medidas no parlamento, também eleito democraticamente e legítimo representante da vontade popular.

Logo não existe nada mais antidemocrático do que a antipolítica, aqueles que negam suas instâncias, processo decisório ou mesmo sua existência. É por meio destes instrumentos que são regidos os acordes de um sistema plural, livre, democrático e representativo. Aqueles que rejeitam a política, rejeitam também a democracia e o Estado de Direito.

O parlamento é altar sagrado da política e a tradução mais sólida da democracia. Sua forma de composição representa a população de forma plena e objetiva. Sua pluralidade e debates são a caixa de ressonância das discussões travadas em nossa sociedade. Atacar sua existência ou mesmo seus representantes é atentar contra a voz de nossos cidadãos e também duvidar de nossas qualidades como nação, uma vez ao serem eleitos representam diretamente o povo que os escolheu.

O grande desafio da política é vencer seus opositores, que se confundem com aqueles que desprezam a democracia e a representação popular como elemento essencial de garantia de nosso sistema de liberdades. Torna-se essencial, desta forma, identificar aqueles que desvalem os instrumentos da política, pois são também estes que causam maior risco a existência do sistema democrático.

O eufemismo da nova política, usada em nossos ciclos eleitorais a cada três décadas, é apenas um instrumento retórico, uma vez que não existe diferença entre velha e nova política, uma vez que ambas fazem parte de um mesmo sistema que atende pelo mesmo nome. Os mecanismos que regem a política são os mesmos e serão impostos pela democracia enquanto esta existir.

Aqueles que rejeitam a política, mas optam pelo sistema democrático, invariavelmente se renderão aos seus modelos e mecanismos, pois a única forma de rejeitá-la de maneira uniforme seria romper com as bases da democracia. O desprezo pela arte da política geralmente é um sinal de autoritarismo, ao passo que o diálogo, acordos e debates sadios são características claras dos democratas.

Autocracias, tiranias e populismos são os maiores inimigos da democracia. Ao valorizar a política, blindamos nossas liberdades e criamos oportunidades. Reconhecer sua necessidade nos afasta de sistemas obscuros e nos aproximamos de um futuro virtuoso.