terça-feira, maio 26, 2020

Resiliência Bolsonarista

O governo Bolsonaro está longe do fim. Mesmo diante da enorme pressão exercida nas mais diversas frentes, a capacidade de resiliência mostrada até aqui evidencia que, ao contrário daqueles que sofreram impeachment no passado, este Presidente possui alicerces assentados em uma confortável base que fornece musculatura popular para evitar o pior.

A força do bolsonarismo advém de diversas frentes, que mesmo longe de ser uma potência orgânica, consegue se unir sob sua liderança garantindo sustentação popular. Conservadores, evangélicos, antipetistas, militares, além de lavajatistas e liberais em menor grau. Este amálgama de forças é aquilo que mantém o governo vivo, longe de um real risco de perda de poder.

Além disso, o bolsonarismo rompeu mais uma vez a barreira da conexão direta com o povo, ausente desde que o lulismo inaugurou este modelo de exercício do poder no período pós-redemocratização. Ausente com Dilma e especialmente com Temer, foi resgatado por este governo, que especialmente por meio das redes sociais foi capaz de dialogar diretamente com o eleitor.

Isto ficou claro na divulgação do vídeo da reunião ministerial. Duramente criticado pelo mainstream diante de sua retórica crua e direta, o Presidente consegue ser reconhecido pelo povo, que se enxerga em Bolsonaro, assim como acontecia com Lula. Apesar de defenderem agendas diametralmente opostas, conseguem atingir a grande massa da população com sua narrativa espontânea e autêntica.

Assentado de forma sólida nesta base bolsonarista fiel e ativa, o governo passou a focar também na frente política, construindo uma base funcional no parlamento. Somando perto de 250 parlamentares, evita qualquer processo de afastamento formal do Presidente, ao mesmo tempo que ainda tentará buscar algum tipo de reforma que impulsione a economia.

Por ser um político intuitivo, Bolsonaro faz apostas arriscadas. Assim foi durante todo o tempo que passou no Congresso Nacional. No Planalto, diante da crise provocada pelo coronavírus, manteve o mesmo condão. Aposta nas dores causadas pelo refluxo da economia, posicionando-se antecipadamente ao problema que chegará no pós-pandemia. Bolsonaro tem método. Não custa lembrar que aqueles que duvidaram de sua leitura do processo eleitoral acabaram engolidos por seus votos.

Para além das preferências políticas, é preciso entender o cenário para antecipar-se aos seus efeitos. Bolsonaro chegou ao poder assentado em uma base popular consistente que mantém-se firme o suficiente para evitar o fim precoce de seu governo. Ao mesmo tempo entendeu que precisa se aproximar da política para fechar outro flanco que poderia abalar seu mandato. Assim, desfaz o risco de uma tempestade perfeita.

A política, como ciência, precisa ler e entender o fatos contrariando os desejos e preferências. Fato é que diante do cenário, Bolsonaro possui forças políticas para ir adiante, mesmo com a resistência e os ataques que vem recebendo. Sua força política está assentada em uma base engajada e disposta a partir para o enfretamento. Mudaram os sinais, mas a dinâmica política brasileira segue inabalável.

sábado, maio 23, 2020

Era das Incertezas

A pandemia mexeu com as estruturas conhecidas por nossa geração. O impacto que teremos diante de nós afetará a economia, mas também as relações sociais, a importância da tecnologia na vida das pessoas, além de claros desdobramentos políticos. Certamente viveremos em um mundo diferente e a era das incertezas tornou-se uma dura realidade com a qual precisamos lidar.

Chegou o momento de tentar entender estas mudanças e se antecipar ao que está por vir. O grau destas transformações passa certamente pela extensão e profundidade da pandemia. Este ainda é o ponto central e mais importante de todas as mudanças que estamos vivenciando neste momento. Na medida que as restrições e impactos tornarem-se mais duros, mais profundas serão as mudanças que deverão ser encaradas diante do que convencionou-se chamar de “novo normal”.

Este freio de arrumação chega exatamente no momento em que o mundo vivia uma situação de excepcional prosperidade, similar ao início do século passado, marcado pela Belle Époque, inovações tecnológicas, com desdobramentos nas comunicações, energia e transportes, além de movimentos culturais, como o surgimento do cinema. Tudo isso em um período de paz, sem guerras, assentados em estruturas de poder definidas.

Assim como no passado, o presente parecia inabalável até a chegada de um vírus vindo de Wuhan ou um tiro nas ruas de Sarajevo que acabou por tirar a vida de um Arquiduque. Fato é que ambos acontecimentos tem o condão da responsabilidade em mudar as estruturas do mundo em que vivemos. Os desdobramentos de ambos tem o poder de redesenhar a ordem geopolítica mundial.

Isto ocorre porque para além das conquistas da humanidade, estamos diante do enfrentamento de misérias que também desafiam as estruturas de poder. Hoje, muitos estão além dos benefícios da globalização, onde as liberdades e a democracia não chegam. No passado, a pobreza, fluxos migratórios e pressões trabalhistas acenderam as insatisfações.

Este movimento, tanto hoje, como no início do século passado, faz com que ressurjam nacionalismos e populismos que, ao rejeitar a integração, penetram na política afetando suas estruturas. Ao se alimentar de conflitos, realizam sua manutenção no poder, mas ao custo de quebra do equilíbrio geopolítico conhecido.

No comércio, que vivenciava um período de abrandamento de fronteiras e barreiras, parece ser inevitável um processo de desaceleração. Na economia, é preciso ainda entender o enorme impacto da diminuição da importância do petróleo como elemento essencial do desenvolvimento e os desdobramentos que isto pode causar no sistema financeiro internacional.

Vivemos um período de incertezas. A única certeza, entretanto, é que as mudanças serão mais profundas e agudas na medida que as limitações se alongarem. Este freio de arrumação proporciona reorganizar prioridades, repensar direções e trabalhar pela chegada de um novo e ponderado equilíbrio de poder. Um novo mundo se avizinha.

segunda-feira, maio 18, 2020

Democracia Remota

Nestes tempos estranhos em que nossas estruturas institucionais passam por um período de teste em função de um vírus, buscar formas de fortalecer nossa democracia tornou-se um desafio. A crise gerada pelo coronavírus de forma alguma pode enfraquecer nosso sistema democrático, limitando as ações do parlamento federal e das casas legislativas de todo Brasil. Cientes disso, de que nossas instituições devem permanecer abertas e operantes, desde o princípio trabalhamos em formas de manter o sistema aberto e em pleno vigor.

O trabalho de integração e modernização dos legislativos se tornou uma missão institucional do Interlegis desde sua abertura, ainda em 1998. Aquele projeto, que iniciou em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) visando equipar as casas legislativas do Brasil, transformou-se ao longo do tempo em um importante instrumento de inovação e treinamento para os parlamentos locais do Brasil, alcançando mais de 4.300 municípios.

Assim, diante do desafio imposto pela crise sanitária, o Senado Federal, por meio do Interlegis, mobilizou-se para apresentar em curto espaço de tempo soluções tecnológicas que fariam com que nossos parlamentos locais continuassem funcionando. Para isso foi desenvolvida uma ferramenta chamada “Sistema de Acompanhamento do Processo Legislativo Remoto” (SAPL-R), capaz de fazer com que nossa democracia seguisse em funcionamento nas mais diversas casas legislativas do Brasil.

Usando tecnologia integralmente brasileira, desenvolvida pelos servidores do Senado Federal, as ferramentas tecnológicas do Interlegis chegam aos municípios brasileiros sem qualquer custo e tem produzido imenso impacto na produção legislativa das câmaras municipais e assembleias brasileiras. Com o SAPL-R apenas acrescentou-se mais um serviço que passa a fazer parte de rol de inovações constantemente atualizados.

Neste intuito temos trabalhado em treinamentos à distância com as casas legislativas brasileiras, realizando a transferência de tecnologia necessária e habilitando milhares de servidores locais a operar este novo sistema. Esta solução ultrapassou fronteiras, uma vez que os parlamentos do Timor Leste e Guiné Bissau usam o modelo brasileiro produzido pelo Interlegis em seus parlamentos nacionais.

O intuito é proporcionar funcionalidade sem interromper a produção legislativa parlamentar. Para isso usamos um sistema de votação eletrônica aliado a uma solução de videoconferência, que inclusive vai ao encontro da nossa filosofia de software livre. A votação de matérias pode ser feita remotamente, por meio da sessão plenária e mostrada em painel eletrônico digital com total segurança de transmissão de dados. Desta forma as casas legislativas locais podem funcionar sem que os parlamentares estejam presencialmente no plenário.

Acreditamos que o uso de tecnologias confiáveis e seguras tem papel fundamental em um mundo cada vez mais conectado. Esta pandemia forneceu a oportunidade para o Brasil dar mais um passo em direção de soluções inovadoras usando tecnologias, neste caso, integralmente brasileiras. Com foco em nossos municípios, conseguimos fornecer ferramentas sem custos que mantém os legislativos locais operantes e consolidamos a tecnologia também como ponto central em nosso planejamento estratégico.

Isto ocorre exatamente quando, ao completar um ano de gestão, conseguimos dar mais um passo em nosso plano de modernização institucional, finalmente tornando o Interlegis um think tank virtual do legislativo por meio do uso da tecnologia. Assim, nossos órgãos integrados, como o Instituto Legislativo Brasileiro e o Saberes, tornam-se também ferramentas virtuais de ensino, expandindo seu alcance para todos os municípios brasileiros. Assim, consolidamos conquistas e mudanças que transformam para sempre a face destes órgãos legislativos, agora modernos e direcionados para um novo horizonte, adequado aos novos rumos de um mundo mais integrado pelos meios virtuais em um período pós-pandemia.

Nossa democracia é a essência daquilo que somos como nação. Não podemos abdicar de seus instrumentos nem nos tempos mais turbulentos. Que estas soluções sejam apenas mais um passo em direção de um sistema democrático forte, soberano e atuante.

sexta-feira, maio 15, 2020

Pandemia sem Partido

Ao lembrar da vitória dos aliados, que encerrou um dos períodos mais sombrios de nossa História, estes dias podem servir de reflexão em tempos de pandemia. Em momentos tensos, nos quais a nação possui um inimigo comum, a tendência natural é de união, concertação e convergência, como vimos tanto na guerra que ceifou milhões de vidas diante do nazi-fascismo, quanto neste momento que vivemos, onde o mundo combate uma pandemia.

Nestes períodos, a política cede lugar aos esforços de coalizão, como ocorreu em torno de Churchill enquanto o Reino Unido era bombardeado pelos alemães, assim como a nação americana se uniu em esforços conjuntos no período pós-atentados no início deste século ou como Nelson Mandela unificou as forças políticas sul-africanas sem revanchismo no período pós-apartheid. Todos os povos seguem o mesmo mantra em momentos de crise. É preciso unificar e liderar em esforço conjunto.

A pandemia tem mobilizado diversas nações neste sentido. Com poucas exceções, os mais diversos países do planeta tem agido no caminho de unir esforços e buscar políticas de cooperação, seja no cenário externo, ou de unificação política no plano interno. Líderes de todo mundo tem colocado suas diferenças de lado com o objetivo de combater um inimigo comum.

Em nosso país, ao contrário, a confrontação e a disputa política ainda não cederam lugar ao entendimento e a concertação. Mesmo longe de um processo eleitoral que ainda demorará a chegar em nível nacional, temos enxergado políticos de diversas frentes mais preocupados com o cenário eleitoral do que com o combate sem tréguas diante da pandemia.

O Brasil é um país de dimensões continentais. Ao mesmo tempo que possuímos ecossistemas diferentes em nossas regiões, com o inverno amazônico ocorrendo antes do frio que ainda chegará até a região sul e a seca, que logo depois deve atingir seu pico na região centro-oeste, precisamos entender que a Bahia é do tamanho da França, Mato Grosso do Sul similar a extensão territorial da Alemanha, Minas Gerais é praticamente uma Espanha, São Paulo similar ao Reino Unido e nossa Amazônia é comparável ao tamanho da Mongólia. Isto sem contar a robustez destas economias e a densidade populacional.

Sabemos que a política de contenção do vírus não pode ser a mesma em todo território brasileiro e que o seu impacto será diverso em porções diferentes de nosso território, atingindo o pico em tempo diferente em cada uma de nossas regiões. Não é possível desenhar uma política de combate ao coronavírus no plano nacional sem estarmos sintonizados em ações conjuntas com os estados. Tampouco estes conseguirão sozinhos enfrentar a pandemia sem apoio do governo federal.

O Brasil precisa colocar suas diferenças de lado e agir com prudência em defesa de sua população. O vírus não escolhe ideologia e enquanto nos preocuparmos com as diferenças políticas, nos distanciaremos de uma saída deste problema para nossa nação. Que os auspícios da lembrança do final da guerra, possam nos orientar no sentido correto. Nenhuma nação vence um inimigo comum sem união, coalizão e convergência. A pandemia não escolhe partido.

domingo, maio 10, 2020

Máscara Chinesa

Como em nenhuma oportunidade no passado, o coronavírus está dando à China a chance de expressar que espécie de liderança o país oriental está disposto a exercer. Saindo da tradicional cautela em mostrar suas cartas, na crise do coronavírus o mundo está sendo brindado com diversos exemplos da visão chinesa sobre seu papel no mundo. A imagem deixada por Pequim neste momento está longe da ideia de nação próspera e forte amplamente divulgada pelo governo por décadas.

Há diversas questões ainda não respondidas sobre a administração da crise, e o resultado que emergir da pandemia pode redirecionar a balança de poder mundial, com reflexos nos fluxos internacionais de comércio. Isso passa pela imagem chinesa, seu posicionamento internacional e diplomático, controle da narrativa e entendimento dos mecanismos ocidentais de poder.

Cada vez menos países acreditam na alegada competência com que a China tratou da crise em seus estágios iniciais – e o exemplo mais claro disso é a falta de credibilidade dos números de casos/mortes no país, que acabaram gerando danos colaterais para a OMS (Organização Mundial de Saúde).

No intuito de mostrar-se preocupada com os efeitos da pandemia no mundo e evitar o forte dano de imagem pela qual tem passado, a China tem usado ações como doações de equipamentos de forma estratégica, algo que se desdobra em uma situação com claros reflexos geopolíticos.

O resultado, entretanto, tem sido desastroso. Há casos em que os equipamentos se mostraram de tão má qualidade que países os devolveram; em outros, os equipamentos foram vendidos, e não doados; em outros ainda, a China devolveu estoques que havia adquirido de países europeus.

No campo diplomático os resultados também não têm sido satisfatórios. A iniciativa de estimular seus diplomatas (e o porta-voz do Partido Comunista da China) para usar de forma intensa o Twitter em uma campanha agressiva de difamação de outros países – Estados Unidos à frente – parece ter se mostrado contraproducente. Exemplos incluem a tese inconsequente de que militares americanos teriam plantado o vírus na China e os termos inaceitáveis da resposta do embaixador chinês a autoridades brasileiras.

Esse mesmo condão da diplomacia pública chinesa adotado no Brasil, uma postura ativa na propagação de comentários inapropriados, já causou tensões com França, Suécia, Estados Unidos, entre outras nações. Esse estranho modelo de exercício diplomático vem causando danos sérios para a imagem do país asiático.

Tudo isso e o crescente dissabor que a China já causava no meio empresarial dos Estados Unidos e Europa é suficiente para fazer que uma sino-confrontação torne-se um elemento importante no mundo pós-coronavírus. Os europeus passam por um momento de afastamento prudente da China, que teria “perdido a Europa”, segundo Reinhard Buetikofer, chefe da delegação do Parlamento Europeu para relações com Pequim. Existe a preocupação com o real gerenciamento da crise nos estágios iniciais e a ação “extremamente agressiva” da diplomacia chinesa baseada na propaganda da superioridade do Partido Comunista sobre a democracia. Algo que, para os europeus, é inaceitável.

Porém, a probabilidade de que a China venha a perder a influência que estava adquirindo depende de 2 fatores: a forma como sairá dessa crise, tanto na esfera econômica, quanto política; e a forma como o resto do mundo, especialmente Washington e Bruxelas, se encontrarão depois da pandemia.

Se o Ocidente conseguir usar a crise como um fator de unificação política e alavanca para um modelo econômico que responda aos desafios da desigualdade e sustentabilidade, esses países terão condições de tornar o modelo da democracia capitalista atraente mais uma vez. Além disso, terão também condições de colocar em curso uma estratégia de contenção da China, tanto em suas economias, quanto nas de outros países, sobretudo aqueles em desenvolvimento.

Se, por outro lado, o Ocidente falhar no combate ao vírus e a China mostrar resultados positivos (algo que não é fácil de se apurar no curto prazo, dada a falta de transparência e a pouca credibilidade de suas estatísticas), será difícil evitar uma expansão chinesa no mundo, tanto como parceiro econômico (o que já é uma realidade) quanto como modelo político a ser seguido.

Fato é que a realidade do mundo que enxergaremos adiante passa pelos resultados da pandemia e como China e Ocidente se comportarão, tanto em seu combate, como mais adiante. No guerra da narrativa, Pequim perde aliados. Ao exercitar sua musculatura diplomática, tem sido massacrada.

Entretanto, a China soube ao longo do tempo construir dependência econômica que tem sido cobrada na esfera política em tempos recentes. Ao tirar sua máscara, pós-pandemia, é provável que o mundo reconheça a verdadeira face do império oriental, guarnecida por uma política de imagem estrategicamente organizada ao longo de décadas.

terça-feira, maio 05, 2020

Velha Política

O presidencialismo de coalizão mais uma vez se impõe. Mais do que uma opção do governante, o mecanismo faz parte do modelo constitucional elaborado na redemocratização, que optou por um diploma legal parlamentarista dentro de um sistema presidencialista. Ao ficar pelo caminho em um plebiscito poucos anos depois, a derrota do parlamentarismo acabou frustrando a ideia dos constituintes, mas segue fazendo vítimas na arquitetura de poder por mais de três décadas.

Sarney soube manobrar o sistema com maestria, entendendo seu ajuste fino e fazendo com que trabalhasse a favor de seu governo. Collor, assim como Bolsonaro, um presidente que rompeu um ciclo político, teve dificuldades em lidar com o sistema, caindo para sua falta de habilidade em manobrar os mecanismos de poder inscritos na nova ordem constitucional. Ao exercer o presidencialismo, caiu diante de uma dinâmica de poder parlamentarista.

O sociólogo Fernando Henrique, parlamentarista e constituinte, desenhou uma engenhosa arquitetura para governar. Blindou áreas estratégicas da influência política, enquanto negociou outros nacos de poder com o Parlamento. Desta forma conseguiu realizar mudanças, ao mesmo tempo que satisfazia o apetite político dos partidos.

Com a chegada de Lula, a divisão de poder ampliou-se e a blindagem permaneceu somente na economia, deixando aberto o caminho para negociação em praticamente toda a gama de ministérios, agências, departamentos, autarquias e superintendências. Diante desta arquitetura política sobreviveu a praticamente todas intempéries em seu governo, deixando o poder com estrondosa aprovação.

Ao contrário, Dilma optou pelo confronto já tentado por Collor. O resultado era previsível. Ao perder apoio do Parlamento, seu governo sucumbiu diante de um impeachment, que no presidencialismo de coalizão brasileiro passou a funcionar como voto de desconfiança ou moção de censura em regimes parlamentaristas. Ao perder a confiança do Parlamento, dificilmente um governo sobrevive no Brasil. 

Ao anunciar que pretendia rejeitar o parlamentarismo de coalizão, Bolsonaro enviava um forte sinal de renovação institucional. Acenou para as frentes parlamentares para tentar criar maioria e explicou que governaria com ministros técnicos. O caminho poderia estar correto, mas não funcionaria sem uma profunda reforma constitucional. Do contrário, seguiríamos em um presidencialismo parlamentar, onde somente líderes políticos extremamente habilidosos conseguem navegar.

Até aqui, Bolsonaro teve o menor número percentual de Medidas Provisórias aprovadas em tempos recentes, ao mesmo tempo que é o campeão em vetos presidenciais derrubados. A soma dos fatores indicam que a sombra do impeachment pode rondar o Planalto. Contra fatos, não há argumentos e o caminho da estabilidade do governo passa por um único caminho: fortalecer a base parlamentar e caminhar em direção do presidencialismo de coalizão.

Neste novo desenho político, o país novamente se torna refém deste instrumento disfuncional, que sobrevive diante da falta de reforma de seus mecanismos constitucionais reais. Uma arquitetura de poder que mais uma vez se impõe.

sexta-feira, maio 01, 2020

Segundo Ato

O governo Bolsonaro, tal como conhecemos, encerrou seu primeiro ato. O que inicia neste momento é uma nova versão, com alianças diferentes e outro equilíbrio de poder, além de novos objetivos. As cartas colocadas sobre a mesa assim que Bolsonaro chegou ao Planalto passam a fazer parte de um jogo antigo. As agendas iniciais submergem nesta nova dinâmica que deve pautar o governo até seu final.

Os novos atores deste segundo movimento do governo Bolsonaro preparam seus instrumentos para entrar em cena, diante de um enredo que pouco se parece com os primeiros acordes ouvidos na sua chegada ao poder. Saem do cenário as agendas de Moro e também o filtro econômico liberal e chega ao palco um outro arcabouço de soluções. A economia tende a passar por uma redefinição aguda, revivendo ações governamentais para impulsionar o crescimento, um plano que vai no sentido contrário daquilo imaginado pelo Ministro da Economia quando chegou em Brasília.

A política torna-se o elemento mais sensível e onde tende a notar-se a maior e mais forte guinada de todas. Ao se aproximar de uma gama de partidos para buscar sustentação do governo, Bolsonaro também freia qualquer movimento que possa nascer no parlamento com o intuito de levar sua presidência a um fim precoce. Assim como em governos do passado, tentará manter uma base mínima que evita o pior, mas que pode enfrentar dificuldade para levar adiante sua agenda.

Este casamento, onde de um lado a base parlamentar assume posições no governo e o credo liberal se perde em meio a pandemia, abre espaço para acomodação de aliados ao mesmo tempo que coloca freios em um processo de privatizações. Esta é a redefinição principal e mais aguda que irá se observar no curto espaço. Outras agendas, como agricultura, energia e transportes devem seguir na trilha conhecida, porém também ganhando adesão política dos partidos em seus órgãos derivados.

No entorno do Presidente, além desta nova base congressual, que ganhará espaço, seguem os núcleos tradicionais, como a base vinculada aos valores, os técnicos e militares, que fornecem uma forma de garantia institucional ao governo. Os nomes de confiança e de longa data ao lado do Presidente tendem a ganhar proeminência, talvez até sendo impulsionados para lugares mais importantes no médio prazo.

Esta acomodação visa trazer estabilidade para que o governo não seja abalado por terremotos políticos. Fornece musculatura para resistir, porém sem força para avançar em temas importantes de sua agenda. Tudo isso acontece enquanto as forças externas se reorganizam pensando em sua sucessão, que já entrou na pauta política e começa a se movimentar com o olhar em 2022.

A pandemia colocou o governo Bolsonaro em xeque, alterando os planos traçados para a economia, um ativo com o qual o Presidente contava para ampliar sua base de apoio. Com a retração econômica trazida pelo coronavírus e agora diante de uma crise política gerada pela perda de um aliado que emprestava sua credibilidade ao governo, os tempos são outros.

Para evitar a formação de uma tempestade perfeita, que significa unir crise política e econômica no mesmo cenário, neste caso ainda potencializada pela questão sanitária, Bolsonaro precisa se mobilizar. O caminho conhecido passa em abrir espaço no governo para partidos que forneçam estabilidade no parlamento e talvez conseguir eleger um aliado para a Presidência da Câmara dos Deputados.

A única chance de Bolsonaro evitar tornar-se um pato manco diante da crise, ou seja, um Presidente detentor da caneta, porém sem poder de fato, passa necessariamente pela costura de um acordo com aquilo que convencionou-se chamar de velha política. Se mantiver uma base engajada e capaz de construir ao seu lado uma narrativa efetiva, pode inclusive, como fênix, renascer das cinzas.

Fato é que, a partir da saída de Moro, como marco temporal, a primeira fase do governo Bolsonaro chega ao seu final. Entramos no segundo ato, que pode asfaltar o caminho para seu renascimento ou precipitar seu epílogo.