segunda-feira, julho 27, 2020

Verdade Nua e Crua

A pandemia atingiu praticamente todas as economias do mundo. A brasileira, que experimentava uma lenta e gradual recuperação, enfrenta um abalo que ainda será sentido por muitos anos, talvez por uma geração. Nosso país, que tem por hábito vender ilusão para sua população, mais uma vez segue o mesmo roteiro. A recuperação, entretanto, se houver, será difícil e demorada. 

O Brasil nasceu com o Plano Real. Antes vivia um sistema econômico caótico. A hiperinflação era apenas a ponta de um problema estrutural que começou a ser resolvido em 1994. O modelo adotado naquele momento foi responsável por fazer com que a economia brasileira desse seus primeiros passos em um sistema global, vendendo confiança e segurança. 

Com a chegada de Lula ao poder, a dúvida era sobre a manutenção da estrutura desenhada pelo governo Fernando Henrique, baseado em metas de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal. Sabedor que para seguir adiante com seu projeto de poder era necessário manter o caminho econômico, o petismo manteve as bases da estabilização tucana e ainda no governo Lula conseguiu que o Brasil atingisse o almejado grau de investimento. 

Se no segundo governo petista havia espaço para um leve populismo fiscal, foi nos anos Dilma que a economia começou a sucumbir. O plano da nova matriz econômica tinha claro viés populista e consistia em política fiscal expansionista, juros baixos, crédito barato fornecido por bancos estatais, câmbio desvalorizado e aumento das tarifas de importação para "estimular" a indústria nacional. Ao inverter a lógica do tripé econômico do Plano Real, em pouco tempo o país começou a sentir o desequilíbrio. 

Este mergulho de Dilma fez com que o país entrasse em recessão econômica com retrações brutais do PIB em 2015 e 2016 e leve recuperação em 2017 e 2018 com a gestão Temer, replicando o resultado modesto em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro. Com a necessidade de crescimento médio de 3% ao ano, o Brasil precisaria crescer 13% somente em 2020 para simplesmente retornar ao padrão de 2014 – que já estava longe do ideal. Resultado: estamos ficando um país mais pobre. 

Com a pandemia, as notícias não são boas. Em abril estimava-se retração de 5,3% em 2020 – número que deve ser superado com folga, ou seja, nosso caminho de volta a 2014 (ano anterior ao debacle econômico petista) ainda será longo e penoso. 

Não existe qualquer sinalização de que a recuperação econômica brasileira seja rápida. Não possuímos arcabouço institucional confiável, plano de reformas definido, base parlamentar governista sólida ou equilíbrio fiscal, que se perdeu com Dilma e nunca mais se encontrou. Com a pandemia deve alcançar patamares medievais, algo que deve demorar mais de uma década de trabalho no rumo certo para ser revertido. 

Os caminhos de nossa economia são realmente preocupantes e sinalizam uma série de erros e populismos que jamais podem ser revisitados. Assim como vivemos a década perdida logo após os desatinos do General Geisel, vivemos outra após os desacertos de Dilma, porém, potencializados por uma pandemia. É melhor não nos iludirmos.

segunda-feira, julho 20, 2020

Governabilidade Real

Jair Bolsonaro assumiu prometendo uma nova política, ministros técnicos, projetos sólidos, diminuição da interferência do governo na economia, privatizações e reformas das mais variadas, passando pela previdência, tributária, trabalhista e até política. Havia uma agenda de combate à corrupção impulsionada pela Lava Jato. Criou enorme expectativa.

O cardápio de mudanças oferecidas por Bolsonaro, por mais atrativo que fosse, precisava necessariamente passar pelo parlamento. No Congresso, os soldados lutam nas comissões, os oficiais negociam como líderes e as batalhas são vencidas no plenário. Ao importar a farda para a política, operou-se o inverso. Uma realidade que tem começado a gerar problemas de governabilidade na medida que a caserna é deslocada de sua função real, ferindo sua imagem equidistante de ator institucional.

Refém do atual modelo de liderança, o processo de reformas segue emperrado, tanto no governo, quanto no parlamento, sem um cronograma ou projetos palpáveis que possam ser enxergados no horizonte. Até agora sem lideranças parlamentares robustas ou um norte sólido, assentado em propostas concretas e profundas, o Planalto ainda busca identidade e governabilidade.

No futuro dirão que o governo foi abatido pela pandemia. É preciso preservar instituições que acabam se confundindo com a administração e não podem ser abatidas. Governos passam, instituições ficam. Diante deste fato que separa duas realidades, o melhor caminho é entender que, por mais séria que seja a missão, civis e militares ocupam lugares diferentes e importantes que não se confundem na administração pública.

Diante disso a presença dos militares no governo começa a gerar questionamentos. Uma realidade que é debatida internamente dentro das Forças Armadas, afinal estamos tratando de uma instituição que passou as últimas três décadas refazendo uma imagem que hoje se redefine rapidamente pelas mãos do capitão Bolsonaro.

Fato é que se torna necessário dissociar as funções políticas governamentais civis das tarefas típicas de Estado exercidas pelos militares. Esta é melhor forma de preservar a política e a imagem de uma instituição que não pode se confundir com qualquer governo.

Ao reabrir espaço para a política, o governo entra na dinâmica real e no jogo de poder necessário para implementar sua agenda de forma aberta e democrática, deixando de lado a retórica e partindo para a ação. Bolsonaro precisa abrir espaço para os novos parceiros que garantem a governabilidade e demandam participar das decisões para apoiar seus projetos no parlamento.

Sem governabilidade real, Bolsonaro será incapaz de entregar o que prometeu, independente do coronavírus. Para resgatar o governo, Bolsonaro precisa partir para aquilo que se convencionou chamar de realpolitik. Ao contrário do que pensa, somente a infantaria política é capaz de salvar o governo. Uma tropa que não veste farda e opera sob a lógica do acordo e do diálogo.

segunda-feira, julho 13, 2020

Política Pós-Pandemia

A covid-19 vem causando uma verdadeira devastação nos sistemas de saúde, mas também nas economias do mundo inteiro. Os reflexos na política são inevitáveis, uma vez que a agenda de muitos governantes se tornou refém do vírus, colocando em risco seus projetos políticos e de poder.

As dores da economia são sentidas na política de forma aguda, algo que já foi ensinado várias vezes por diversos analistas. A economia, no final das contas, baliza o voto e injeções de ânimo em suas oscilações pode ajudar um governante a se reeleger. Em tempos de pandemia, entretanto, quando o problema é mais vertical, as saídas são mais raras e o risco de troca dos eleitos cada vez mais real.

Isto explica porque muitos políticos optam pela reabertura da economia mesmo ao custo de vidas e controle da pandemia. Políticos que pensam na próxima eleição, ao invés da próxima geração, estão longe da postura de estadistas que precisamos em tempos sombrios como este que vivemos.

Fato é que o mundo vive uma guinada populista à direta nos últimos tempos. Longe do liberalismo conservador tradicional da centro direita europeia ou mesmo da visão tradicional dos republicanos nos Estados Unidos, este populismo pode começar a sucumbir diante da crise econômica gerada pela pandemia.

O primeiro grande desafio ocorre nos Estados Unidos, que viverá um ciclo eleitoral polarizado, mas que tem chances de realinhar o sistema político norte-americano. Se as chances dos democratas eram pequenas um ano atrás, o cenário apresenta-se hoje realinhado diante da ineficiência no combate ao vírus e no desgaste econômico advindo da pandemia.

Os republicanos tradicionais enxergaram nos tropeços do atual governo uma chance de reconquistar o controle do partido, que em caso de derrota precisará ser reconstruído sob uma nova liderança. Diante disso, nascem movimentos espontâneos nas hostes republicanas que se levantam contra o governo e buscam um retorno do partido aos seus ideias tradicionais e mais consistentes. Argumentam que o partido de Lincoln, jamais poderia ter se tornado o partido de Trump.

Está ficando claro que a polarização política ao redor do mundo não entregou resultados palpáveis especialmente diante da pandemia e que governos centristas democráticos tem conseguido entregar melhor gestão da crise, além de resultados mais consistentes, preservando vidas, que serão essenciais na retomada da economia. Na Alemanha esta tem sido a tônica, assim como no Reino Unido, que mudou de postura após uma fase negacionista.

É preciso escolher exercer liderança, ao invés de distração política, para colher resultados diante desta grave crise. Governos populistas são incapazes de entregar este resultado. Diante disso, talvez um dos principais resultados políticos deste período seja o realinhamento de forças por meio do voto, resgatando governos de caráter mais técnico e centristas. Como ao final da uma guerra, quando emergem grande alianças, ao final desta pandemia, governos de concertação nacional podem substituir populismos e polarizações que tornaram a política um triste palco de divergências e ódios vazios.

segunda-feira, julho 06, 2020

As Mazelas do Racismo

Ayn Rand dizia que “como toda forma de determinismo, o racismo invalida o atributo específico que distingue o homem de todas as outras espécies vivas: sua faculdade racional. O racismo nega dois aspectos da vida do homem: razão e escolha, ou inteligência e moralidade”.

O racismo está na pauta mundial, especialmente depois da morte de George Floyd nos Estados Unidos. O movimento se espalhou pelo mundo inteiro com desdobramentos em vários vértices, o que serve para mostrar que o assunto é importante e merece ser discutido, escancarado e superado.

Discriminação, diante de qualquer ângulo, é algo que nos limita enquanto civilização. Todos somos miscigenados, a soma de diversas culturas, povos e etnias que fazem parte de nossas famílias. No Brasil, assim como nos Estados Unidos, mais do que em qualquer outro lugar, fazemos parte deste incrível resultado que é ser parte de uma terra de imigrantes. Contudo, assim como nos Estados Unidos, o Brasil ainda não superou as mazelas do racismo.

A campanha pesada que se abateu sobre o professor Carlos Alberto Decotelli é mais um exemplo de como não estamos preparados para enfrentar a questão racial. Afinal, para nossa sociedade infelizmente ainda é difícil aceitar um negro dirigindo uma pasta da importância que possui a Educação. Para além dos erros do professor, existe um componente de destruição e invalidação. É preciso destruir, não só desmascarar.

Os erros cometidos por outros não justificam as atitudes equivocadas de Decotelli. Precisamos nos perguntar, entretanto, porque estas pessoas públicas que cometeram o mesmo erro não passaram pelo escrutínio visceral e a mesma campanha devastadora contra sua reputação do que a enfrentada por um professor negro em posição de destaque.

A atitude covarde usada neste episódio expõe também um outro viés cruel desta dinâmica polarizada pela qual passa o Brasil. O autoritarismo narrativo que expôs este caso com maior virulência por um negro ocupar um lugar de proeminência em um governo de viés ideológico de direita.

O racismo velado no episódio Decotelli quebrou a falsa narrativa politicamente correta que vinha sendo explorada pelo mainstrean brasileiro de forma artificial após o caso George Floyd. Ao escancarar as duas realidades, entendemos que o tratamento é distinto quando as tintas da ideologia mascaram a cor das narrativas.

Falta, entretanto, o entendimento real de que a tragédia do racismo é elemento supraideológico e a politização do tema em nada engrandece o debate. Partidarizar não produz melhora em uma questão tão sensível e crítica. Muito pelo contrário.

O Brasil precisa debater muito esta questão. Os casos Floyd e Decotelli carregam elementos racistas que precisam ser discutidos e superados por ambas sociedades. Vivemos uma oportunidade impar de amadurecer como país. Devemos valorizar nossos cidadãos apreciando seus atributos racionais, intelectuais, de inteligência e moralidade. Não podemos deixar que o racismo nos diminua como povo e nação.

quarta-feira, julho 01, 2020

Desafios da Política

Como dizia Otto Von Bismarck, político e Chanceler alemão, a política é a arte do possível. A democracia exige debate, articulação e convergência. Sabemos que a política é instrumento essencial da democracia, portanto, fica claro que em sua essência residem os elementos que garantem o equilíbrio do sistema e a existência de nossas liberdades.

Não existe saída fora da política. Se um governante aceita as regras constitucionais e democráticas, precisará fazer uso da política como instrumento de defesa de suas ideias. Neste debate, deve procurar apoios e maioria para governar e aprovar suas medidas no parlamento, também eleito democraticamente e legítimo representante da vontade popular.

Logo não existe nada mais antidemocrático do que a antipolítica, aqueles que negam suas instâncias, processo decisório ou mesmo sua existência. É por meio destes instrumentos que são regidos os acordes de um sistema plural, livre, democrático e representativo. Aqueles que rejeitam a política, rejeitam também a democracia e o Estado de Direito.

O parlamento é altar sagrado da política e a tradução mais sólida da democracia. Sua forma de composição representa a população de forma plena e objetiva. Sua pluralidade e debates são a caixa de ressonância das discussões travadas em nossa sociedade. Atacar sua existência ou mesmo seus representantes é atentar contra a voz de nossos cidadãos e também duvidar de nossas qualidades como nação, uma vez ao serem eleitos representam diretamente o povo que os escolheu.

O grande desafio da política é vencer seus opositores, que se confundem com aqueles que desprezam a democracia e a representação popular como elemento essencial de garantia de nosso sistema de liberdades. Torna-se essencial, desta forma, identificar aqueles que desvalem os instrumentos da política, pois são também estes que causam maior risco a existência do sistema democrático.

O eufemismo da nova política, usada em nossos ciclos eleitorais a cada três décadas, é apenas um instrumento retórico, uma vez que não existe diferença entre velha e nova política, uma vez que ambas fazem parte de um mesmo sistema que atende pelo mesmo nome. Os mecanismos que regem a política são os mesmos e serão impostos pela democracia enquanto esta existir.

Aqueles que rejeitam a política, mas optam pelo sistema democrático, invariavelmente se renderão aos seus modelos e mecanismos, pois a única forma de rejeitá-la de maneira uniforme seria romper com as bases da democracia. O desprezo pela arte da política geralmente é um sinal de autoritarismo, ao passo que o diálogo, acordos e debates sadios são características claras dos democratas.

Autocracias, tiranias e populismos são os maiores inimigos da democracia. Ao valorizar a política, blindamos nossas liberdades e criamos oportunidades. Reconhecer sua necessidade nos afasta de sistemas obscuros e nos aproximamos de um futuro virtuoso.