sexta-feira, outubro 30, 2020

Reeleição em Risco

Em seu movimento em direção ao centrão, Bolsonaro acabou rifando parcelas de sua base eleitoral que foram essenciais para sua chegada ao Planalto. Ao descartar Moro, afastou os lavajatistas e posteriormente acabou atingindo também liberais, conservadores, evangélicos e até antipetistas. Hoje, apesar de manter sua popularidade, a base que sustenta seus números é outra. 

Refém do auxílio emergencial, Bolsonaro viu seus números inflarem diante de um instrumento de transferência de renda, tão criticado por ele quando o petismo davas as cartas no Palácio do Planalto. Atualmente, o apoio ao Presidente emerge do mesmo bastião sagrado do lulismo, os eleitores mais pobres que precisam do auxílio do governo para sobreviver. 

Isto explica o movimento desesperado do governo para encontrar um caminho viável nas contas públicas para turbinar o Bolsa Família e rebatizá-lo com assinatura de Bolsonaro como Renda Cidadã, transformando o mecanismo em instrumento de manutenção no poder. O problema é que a conta não fecha e parece ser impossível realizar tal feito sem estourar o teto de gastos, colocando em xeque a confiança externa do Brasil, podendo deteriorar ainda mais nossa economia. 

Fato é que ao mover-se para o centrão, Bolsonaro também fez a opção de mover-se de sua base natural, com o objetivo de criar um novo eleitorado, que seja capaz reconduzí-lo para mais um mandato no Planalto. Ao realizar este movimento, se aproxima do eleitorado cativo do petismo, especialmente no Nordeste, mas se afasta daqueles que foram essenciais para sua vitória em 2018. 

Isto começa a nos mostrar os caminhos abertos para seus opositores em 2022. Há um enorme flanco aberto na direita, especialmente diante do eleitorado que se sentiu traído pelos movimentos e alianças do Presidente e que busca um novo líder que canalize suas insatisfações. Do centro pacificador ou nos bolsões da direita evangélica, lavajatista, antipetista e conservadora pode surgir o grande adversário de Bolsonaro. 

Isto explica porque o sonho do atual inquilino do Planalto é disputar um segundo turno com a esquerda. Neste cenário consegue se credenciar com a única alternativa e ainda avançar no eleitorado petista mediante um novo programa de transferência de renda. A opção que se abre para seus opositores é encontrar ainda no primeiro turno um nome que consiga atrair os antigos bolsonaristas órfãos e chegar no segundo turno, seja contra Bolsonaro, seja contra um nome da esquerda. 

Ao contrário do que muitos pensam, a reeleição de Bolsonaro não são favas contadas. Existe a possibilidade, diante dos possíveis cenários, do Presidente inclusive não chegar ao segundo turno. Os políticos entenderam desde a última eleição que são incapazes de controlar o efeito manada do povo, mas que o melhor cenário é forçar o eleito a compor diante do cenário político. Bolsonaro lutará sozinho. 

Ao rejeitar os grupos que criaram o efeito manada a seu favor e acreditar no modelo petista de vitória, Bolsonaro pode estar sepultando suas possibilidades de reeleição.

quinta-feira, outubro 29, 2020

Decepção Bolsonarista

Bolsonaro chegou ao poder embalado nos votos do antipetismo e do lavajatismo. A luta anticorrupção do país, que fez a direita chegar ao poder, tinha o condão de reformar, renovar e mudar. O nome de Sérgio Moro era unanimidade. Sua indicação para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal apenas uma questão de tempo, aquele necessário para implementar uma agenda saneadora via Ministério da Justiça. 

Praticamente dois anos depois, vivemos em outro país. O Brasil inaugurado em 2019 naufragou em meio a desilusão diante de uma agenda e atores que jamais fizeram parte do enredo que levou Bolsonaro ao poder. Ao romper com lavajatismo e antipetismo, aos poucos aproximou-se do populismo e do militarismo. Afastou-se do liberalismo e das privatizações e nesta semana, em mais um episódio que marca esta guinada, afastou-se dos evangélicos e do restante dos conservadores que ainda apoiavam seu governo. 

A escolha do obscuro Kassio Nunes para uma cadeira no STF mexeu com o brio de seus apoiadores. Ao escolher um nome ligado à velha política e ao petismo, o Presidente selou um movimento que consolida uma nova fase de seu governo, inaugurada quando a lei e o impeachment passaram a rondar sua Presidência. Bolsonaro fez a opção pelo sistema, pelo acordo e pelos bastidores. Optou assim por engavetar reformas, desistir da renovação e sepultar as mudanças. 

O governo cada vez mais se parece com o perfil de Bolsonaro enquanto deputado e se afastada do modelo adotado por ele durante a campanha presidencial. Está cada vez mais próximo dos parlamentares daqueles partidos pelos quais passou, hoje sua base no Congresso Nacional, e afastado da chamada nova política. Cercado pelos militares passou a governar a sua imagem e semelhança, sentindo-se cada vez mais confortável na cadeira presidencial. 

Ao se afastar do liberalismo de Guedes, Bolsonaro adentra pelo desenvolvimento econômico, o que invariavelmente levará o Ministro da Economia a ser a próxima baixa do governo. O desenvolvimentismo é o motor do assistencialismo populista que turbina a aprovação do Presidente. É também o erro fatal cometido por Dilma que abalou o equilíbrio econômico do país e nos jogou em mais uma década perdida. 

Bolsonaro tinha o vento a seu favor. Uma base popular aguerrida, um partido em construção, empenho dos conservadores, apoio dos liberais, simpatia dos evangélicos, parceria com o lavajatismo e uma missão de renovar a política. Nada disso tornou-se realidade. Hoje, é parceiro da velha política, aliou-se ao patrimonialismo do centrão, deixou mais um partido, desmontou a Lava Jato, rifou as privatizações e os liberais, desistiu das reformas e por fim, deixou conservadores e evangélicos pasmos indicando nomes ligados ao petismo, inclusive para o Supremo. 

Ao perder a base que impulsionou seu nome ao Planalto, precisará do contraponto petista de um lado e um programa social milagroso do outro. Mesmo que custe o equilíbrio fiscal e a estabilidade da moeda. Afinal, a reeleição está logo ali em 2022.

terça-feira, outubro 13, 2020

Caminho do meio de Washington

O falecimento da juíza Ruth Ginsburg pode marcar o fim de uma era na Suprema Corte dos Estados Unidos. Tradicionalmente balanceada entre progressistas e conservadores, tudo indica que a corte pode perder este salutar equilíbrio, que tem servido como farol nos tempos mais difíceis. A configuração de poder única deste final de mandato do Presidente Donald Trump, que também possui maioria no Senado, pode funcionar como gatilho destes novos tempos. 

A democracia exige prudência, entretanto, a oportunidade que está em jogo é muito preciosa nestes tempos polarizados. Ao aprovar um nome conservador, a corte alcança sólida maioria, com possibilidade de reverter precedentes relevantes, como aquele que autoriza o aborto. Fato é que os riscos da polarização correm dos dois lados e um dia o jogo pode se inverter. 

No governo Barack Obama, após o falecimento de Antonin Scalia, o mais conservador do colegiado, o Presidente democrata preferiu indicar o Merrick Garland para sua vaga. Garland é considerado um centrista e Obama acreditou que esta credencial poderia ajudá-lo no processo de confirmação, afinal Anthony Kennedy e Clarence Thomas, indicados por Reagan, foram confirmados por um Senado de maioria democrata. 

 Nada disso. O vírus da polarização já havia contaminado o Senado e as antigas agendas bipartidárias, tão populares no passado, foram esquecidas. Os republicanos, no controle do Senado, impuseram uma derrota a Obama. O comitê judiciário do Senado não realizou audiências de confirmação com Merrick Garland e sua indicação caducou com o fim do ano legislativo. 

Hoje, o jogo se virou contra os democratas. Os republicanos entendem que se Obama indicou o substituto de Scalia, Trump tem o direito de indicar o substituto de Ginsburg. Sem surpresas. Mas fato é que novamente os republicanos estão com o controle do Senado e desta vez com votos suficientes aprovar o nome indicado. A aprovação tende a ser expressa, terminando todo o processo antes do final da corrida eleitoral. 

Ao indicar Amy Coney Barrett, Trump escolheu aquela que foi a mais dedicada assistente de Antonin Scalia em seus anos na Suprema Corte. Um nome muito alinhado com os conservadores e com os outros dois juízes que ele indicou ainda neste governo: Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh. Aos poucos, Trump, em seu primeiro mandato, terá conseguido realizar a maior guinada conservadora da corte em décadas. 

Os riscos, entretanto, são grandes. Assim como os democratas acreditaram que seria possível jogar pesado com as regras do Senado quando tinham maioria, o movimento pendular da política foi cruel quando estavam mais fracos. Os republicanos tinham a grande chance de mudar este estado de coisas, firmando um precedente quando possuem maioria: esperar o resultado eleitoral. Isto foi realizado em 2016 em outra configuração, mas este seria o momento de mostrar que suas virtudes democráticas podem falar mais alto do que a simples oportunidade política. 

Mas ao fim e ao cabo, estamos de falando da terrível batalha de poder pelo controle do judiciário mais influente do mundo e em tempos de polarização ninguém quer perder a chance de crescer sobre seu oponente. O caminho do meio de Washington nunca esteve tão longe no horizonte e esta não é uma boa notícia para a política. O fim de uma era de entendimento e equilíbrio pode ter chegado ao judiciário.

segunda-feira, outubro 05, 2020

Por que, apesar da vantagem, Eleições Americanas ainda estão indefinidas

O Wall Street Journal/NBC News divulgou hoje a pesquisa que mostra o democrata Joe Biden com 53% na dianteira contra 39% de Donald Trump. Apesar de ampla vantagem, entretanto, o resultado final não está definido. Isso porque nos Estados Unidos, o presidente é eleito a partir dos colégios eleitorais e até novembro a disputa se dá pelos estados. 

Diferente do que ocorre no Brasil, onde as eleições são definidas por voto direto dos cidadãos, nas eleições americanas o voto popular (não obrigatório) é confiado aos delegados, que por sua vez, apoiam o seu candidato. Ao todo, os colégios eleitorais americanos somam 538 votos. Para chegar à Casa Branca, o candidato precisa ter a maioria absoluta deles (pelo menos 270). 

É por essa dinâmica que a menos de um mês para a votação, a ampla vantagem de Biden para Trump ainda não pode ser encarada como um resultado final. O mapa eleitoral ainda segue com indefinições em estados estratégicos e a não obrigatoriedade de votação pode ser decisiva para a disputa. 

Outro processo importante será concluído em estados ainda divididos, como Texas, Ohio, Carolina do Norte, Geórgia e Flórida, que recebem só até hoje os registros de votos destas eleições. A batalha será acirrada nas disputas por cada estado, com foco na Florida, Maine, Arizona, Ohio, Iowa. Até o próximo dia 3, tudo pode mudar.