terça-feira, janeiro 07, 2020

Efeito Suleimani

Os impactos da ação militar que levou a morte de Qassem Suleimani no Iraque são diversos e dependem ainda de uma avaliação mais atenta sobre as possíveis respostas do governo de Teerã. De qualquer forma, já é possível entender alguns desdobramentos de forma objetiva e clara.

Não há duvida que Suleimani apresentava risco para os Estados Unidos e diversos países do ocidente, uma vez que possuia uma extensa rede de contatos e apoios em governos, serviços de inteligência, milícias e grupos terroristas. Certamente era peça fundamental do xadrez de (in)segurança internacional. Por mais que tenha sido prontamente substituído, sabemos que ninguém conseguirá ocupar seu papel e desempenhar as funções com resultados similares aos do antecessor.

Entretanto, é preciso sempre calcular o risco de ação desta envergadura, algo que pode trazer consequências não somente aos Estados Unidos, mas especialmente aos aliados europeus e outras nações com interesses convergentes com Washington. Não foi por outro motivo que a Europa, onde diversos grupos terroristas tem maior facilidade de penetração, aumentou os níveis de alerta. Nestes locais, para além dos grupos tradicionais, o risco maior decorre de células independentes inspiradas em grandes organizações, que podem se mover agora simplesmente impulsionadas pelo sentimento de vingança.

Na região é preciso também avaliar a situação vulnerável do Iraque. O país, uma ficção geográfica artificial criada pelos britânicos, reuniu em um território, à força, frentes antagônicas - curdos, sunitas e xiitas. No poder, a minoria sunita reprimiu os outros atores e quando a maioria xiita conseguiu chegar ao governo, a penetração política do Irã em Bagdá foi apenas uma questão de tempo. Um movimento que não agradou os sauditas, aliados dos Estados Unidos.

A Casa Branca precisa pensar muito antes de mexer neste tabuleiro, especialmente diante do fato de que o enfraquecimento do ISIS, um movimento desejado tanto por Washington, quanto por Teerã, trouxe ainda mais protagonismo ao governo dos aiatolás na região. A saída de Suleimani deste tabuleiro leva algum alívio para os Estados Unidos, mas também cria possíveis retaliações no médio e longo prazo, uma vez que um contra-ataque pode levar meses, até anos, com o objetivo de atingir de forma precisa seu alvo.

Nesta parte do jogo entra em discussão a sucessão americana. O movimento da Casa Branca foi muito arriscado do ponto de vista político. A economia anda bem, níveis de emprego altos, inflação baixa e país crescendo. O eleitorado republicano tende ao isolacionismo e um ousado movimento externo pode colocar Trump em uma situação delicada. Um movimento que pode ter mais relação com a vaidade do Presidente do que realmente com uma ação política calculada.

Estamos diante de um jogo delicado. Suleimani era alguém extremamente popular em seu país e na região, com forte influência em diversas frentes. Sua eliminação do tabuleiro desta forma foi uma jogada muito arriscada. Talvez além do razoável. O efeito Suleimani pode se tornar um ativo mais pesado do que o esperado.