domingo, fevereiro 28, 2021

Polarização Intolerável

Estamos diante da política negativa, do abuso como instrumento e dos ataques como método. Nada de bom acontece quando se faz política desta forma. Parece que nos últimos anos o Brasil esqueceu que a democracia precisa da construção de consensos, negociação e adversários que discordam, mas acima de tudo se respeitam. Ao enfrentar uma pandemia, precisamos também de união, gestão e conciliação. 

O turbilhão que levou o petismo à lona, trouxe também a emergência da construção de uma suposta “nova política”, um claro movimento que precisava demonizar as antigas formas de acomodação de poder, classificadas de forma grosseira como “velha política”. Fato é que o sentimento de renovação que chegou pelas urnas se impôs, abrindo espaço para novos nomes em detrimento de uma antiga classe desgastada pelo exercício do poder. 

Fato é que no poder, a nova política não deixou a campanha eleitoral de lado e passou a usar a tática da polarização como instrumento de governo e de exercício de comando parlamentar. Nada diferente do que seu líder fazia durante os 28 anos que ocupou uma cadeira na Câmara dos Deputados. Os resultados não poderiam ser piores. Ao invés de pacificar, confrontou. Ao invés de unir, afastou. Ao invés de convergir, antagonizou. 

A guerra de narrativas se tornou mais importante do que a verdade e a obediência passou a ter mais valor do que a razão. Tempos estranhos estes que vivemos. Não é possível construir e debater, mas destruir e vencer a qualquer preço. Uma pós-verdade se impôs com as versões tendo mais poder que os fatos e a política da dissonância como método, sem propor nada de concreto. 

Não tardaria para que a democracia saísse machucada desta insana dinâmica que tomou conta das relações políticas do país. Instituições atacadas, reputações dilaceradas e a liberdade agredida. Naturalizar a exceção, a violência e agressão, enaltecendo os erros mais graves de nossa História, aqueles dos quais mais nos envergonhamos, que cercearam direitos e calaram vozes tornou-se lugar comum. O Brasil não pode aceitar que lhe tirem suas maiores conquistas. 

O eleitor já mostrou nas eleições municipais que não deseja viver em clima de confronto permanente, tampouco instabilidade política e emocional de seus governantes que acabam por atingir nossa normalidade econômica. O Brasil precisa e tende a voltar a razão, encontrando líderes que respeitem nossas instituições e conquistas democráticas, instrumentos sem os quais torna-se a vida em sociedade insustentável. 

A polarização fracassou como modo de governo e instrumento de exercício de poder. Precisa dar lugar aos instrumentos da boa política, aquela forjada pelo consenso e a concertação. Não há caminho fora da política, aquela realizada com a cabeça e não com o fígado. Ao optar pelo racional, nos tornamos uma sociedade livre, aberta e fraterna, capaz de lutar contra os inimigos da democracia, travestidos de políticos, que hoje abalam os alicerces institucionais da república para implementar seus perigosos jogos de poder. A polarização tornou-se intolerável. A política negativa precisa encontrar seu fim.

terça-feira, fevereiro 23, 2021

Vacina Eleitoral

A verdade é que o Brasil está mergulhado na pior crise econômica da sua história. Se a pandemia acabou com qualquer medida de ajuste fiscal do governo, na arena política o Planalto se esforçou pouco até aqui para passar reformas robustas. Isso significa que entramos no terceiro ano de governo em uma situação muito frágil, que pode gerar efeitos preocupantes para Bolsonaro no ano eleitoral. 

A economia brasileira não entrou em colapso no ano que passou em razão do auxílio emergencial, entretanto os custos deixados nas contas públicas são assustadores. O déficit beira R$ 1 trilhão. Uma fatura que afasta investimentos, gera desequilíbrios fiscais e deixa uma dívida enorme a ser paga no futuro. A retomada da economia, portanto, tornou-se peça fundamental desse jogo. 

Fato é que não haverá recuperação econômica sem vacinação em massa. Aqueles países capazes de imunizar sua população mais rapidamente são os mesmos que deixarão o caos gerado na economia para trás em menor espaço de tempo. Se 2020 foi o ano do auxílio emergencial, 2021 precisa ser o ano da vacinação. Do contrário, seguiremos reféns de um ciclo de auxílios que inviabilizará as contas públicas.

Faltou, entretanto, um plano estratégico para o Brasil, um movimento simples que poderia ajudar a salvar vidas, mas também as contas do governo. Ao optar por tratamentos alternativos e ignorar as vacinas como método eficaz de imunização coletiva, o país ficou para trás. Se hoje faltam vacinas e o governo é pressionado a adotar um novo auxílio, este é resultado de uma opção equivocada que agora cobra seu preço. 

O problema vai além. Se faltam vacinas, faltará também auxílio emergencial nos patamares de 2020. Se no ano que passou foi possível segurar o impacto do tombo econômico, neste ano, com um valor menor, será possível apenas amortecer de leve a queda, pois rumamos novamente para uma situação preocupante. Uma expansão real da atividade econômica somente será atingida com vacinação em massa. Vacinação significa economia retomada. 

Todo esse caminho pode afetar o resultado das urnas em 2022. Não somente pelo assustador número de mortos, mas pela profundidade do fosso econômico em que o país estará metido. Bolsonaro vai encarar as urnas praticamente sem qualquer crescimento econômico em quatro anos, com poder de compra e renda da população comprometidos e uma popularidade artificial que somente se manteve turbinada por um auxílio emergencial impossível de ser prorrogado novamente. 

Isso gera enorme incerteza sobre o quadro sucessório. Mesmo apoiado pelo centrão e impulsionado pelas redes ideológicas bolsonaristas, o caminho eleitoral do capitão tende a ser duro e complicado. O brasileiro vota com o bolso, e a economia certamente não será um ativo que possa ser usado a seu favor. 

Estamos diante de uma crise econômica séria, que precisa de mais ação e menos discursos. Se Bolsonaro não reorientar seu governo para o caminho certo, com uma agenda definida, as chances em 2022 vão se tornar cada vez mais distantes. As próximas eleições não serão definidas pela lacração das redes sociais, mas por seriedade, comprometimento diante da pandemia e melhora real da economia, uma verdadeira vacina eleitoral. Dessa realidade, nenhum postulante ao Planalto conseguirá escapar.

sexta-feira, fevereiro 12, 2021

Força do Sistema

O Brasil vive o desfecho da mais importante operação anticorrupção da história do país. Ao mirar na Petrobrás, a Lava Jato descobriu um sofisticado mecanismo de desvios de recursos públicos que atingiu personagens centrais do mundo político brasileiro. Ao desvendar estes caminhos, os petistas, que governavam o país há mais de uma década, sucumbiram, assim como alguns sócios do consórcio governista. 

A Lava Jato levou a população para as ruas em um movimento inédito para um povo que não tem o hábito de protestar. A indignação do povo brasileiro mexeu com as estruturas políticas e sacudiu a sucessão presidencial. Na visão da população, ali se daria a grande virada, mudando a dinâmica do jogo e iniciando um novo tempo em nossa democracia, finalmente longe do domínio sistemático da chamada velha política. 

Ao movimentar as estruturas políticas nacionais, a Lava Jato tornou-se um capítulo importante de nossa história, assim como a Operação Mãos Limpas transformou-se em episódio ímpar no combate à corrupção do modelo interno de poder italiano. Infelizmente, os resultados, tanto lá, quanto aqui, são muito similares. Apesar do esforço das forças-tarefas, a capacidade de luta e regeneração do sistema mostrou sua face com enorme resiliência. 

Em ambos os países, a rejeição da população ao sistema engoliu os partidos políticos tradicionais levando outsiders ao poder. Neste novo momento da política italiana surgiu Berlusconi e na geopolítica do poder brasileiro emergiu o nome de Bolsonaro. Ambos conseguiram se viabilizar em uma espécie de discurso de uma nova política, que desprezava métodos tradicionais e pregava uma nova virtude no exercício do poder. 

Assim como na Itália, no Brasil o sistema refluiu para depois voltar com uma força descomunal em união entre esquerda e direita para destruir seus oponentes. Em Roma, a reação partiu do governo e do parlamento italiano, que promoveram um verdadeiro movimento de restauração, aprovando leis para proteger a classe política e tornar as investigações da magistratura mais difíceis. Em Brasília, seguimos pelo mesmo caminho. 

Assim como no Brasil, a resposta contra a força-tarefa veio por meio de processos e denúncias contra magistrados e procuradores como forma de deslegitimar suas ações e reputações. Mesmo que improcedentes, serviram para desgastar a imagem dos procuradores e juízes diante da opinião pública. O movimento se intensificou quando a força-tarefa partia para investigar exatamente aquele que se elegeu no embalo da popularidade da operação e que rejeitava o sistema: Silvio Berlusconi. Qualquer semelhança é mera coincidência. 

Depois de décadas, muitos ainda se perguntam se os resultados políticos da Operação Mãos Limpas foram benéficos para o país, uma vez que a reação levou um populista ao poder. Ao mesmo tempo, aquele que deveria mudar a política, valeu-se do cargo para restaurar o status quo e blindar o sistema de impunidades italiano. Antonio Di Pietro, que esteve à frente da operação, diz que hoje os delitos são cometidos com maior inteligência criminal. 

Ao olhar para o Brasil, vemos que seguimos os mesmos passos. Resta ao brasileiro escolher um final diferente para nossa versão desta história. Se ainda estiver ao nosso alcance, talvez 2022 seja a última oportunidade.

sábado, fevereiro 06, 2021

Choque de Realidade

O sistema acaba de retomar o poder. A vitória de Arthur Lira para dirigir a Câmara dos Deputados é uma imposição da realidade. É também sinal que a política resolveu se impor com força e a partir de agora, de forma sistemática, passará ao comando do sistema. Ao contrário do que se propaga, os parlamentares não entregaram o controle do Congresso ao Planalto, mas para seguir vivo, Bolsonaro entregou o controle do governo aos parlamentares. 

Em outras palavras, o presidencialismo de coalizão se impôs. O modelo é resultado da arquitetura institucional brasileira e está inscrito na Constituição. Nosso sistema político-eleitoral é o combustível da proliferação de partidos e da criação de um grupo que funciona como sustentáculo de qualquer governo, independente de seu viés ideológico. O centrão é a base de todos os aqueles que passaram pelo Planalto desde a redemocratização. 

O grupo não participou da montagem do governo Bolsonaro. Esperou o Presidente encontrar os seus próprios fantasmas e ser confrontado com a realidade real da política. Quando precisou de governabilidade, procurou os especialistas, prontos a exercer seu papel tradicional de fiadores do governo de plantão. O custo político da transação é o de sempre: participação na administração em troca de estabilidade política. 

Assim sendo, não estamos diante de um período reformista ou de grandes mudanças. A chegada do grupo ao poder fornece maior estabilidade ao sistema e garantia de que não viveremos aventuras fora da democracia. O custo é a ausência de reformas profundas nas vetustas estruturas do Estado brasileiro que alimentam estes grupos políticos. Certamente na agenda não constam privatizações e modernização. 

Fato é que Bolsonaro perdeu tinta de sua caneta. Precisou ceder espaço político para o centrão para que conseguisse terminar seu mandato sem o risco de sofrer um impeachment por colocar em xeque a estrutura do sistema. Arthur Lira funcionará a partir de agora como um Primeiro-Ministro, indemissível, que passará a ocupar espaços e co-governar com Bolsonaro. O governo ganhou um sócio, talvez majoritário. 

A realpolitik se impôs. Na medida que o tempo passar, o centrão ocupará mais espaços ao mesmo tempo que Bolsonaro perde fôlego. Um Bolsonaro mais fraco é um centrão mais forte. Os novos aliados do Planalto sabem que precisam manter o Presidente em xeque, porém longe de deixá-lo sem alternativas, apresentado-se sempre como os fiadores de seu mandato. 

O risco de Bolsonaro está em perder o controle da pandemia e da economia, deixando o país à deriva e com as ruas pedindo a sua saída. Neste caso, o impeachment seria um caminho incômodo, porém necessário. Para evitar o pior, os préstimos do centrão podem ir além, espalhando sua presença por outras pastas. 

Bolsonaro terminará o governo muito longe da configuração e das promessas iniciais. O governo que começou será muito diferente daquele que encerrará seu mandato. Mudou Bolsonaro ou mudamos nós? A conferir.

terça-feira, fevereiro 02, 2021

Impeachment

Os erros de Jair Bolsonaro durante a pandemia acenderam mais uma vez a luz do impeachment. O instituto tornou-se mecanismo recorrente no Brasil como forma de preservar o Estado da gestão temerária de governantes. Em três décadas, usado duas vezes, voltou à baila como solução para enfrentar os problemas do país. Precisamos entender se o mecanismo é suficiente ou se o Brasil precisa ajustar suas engrenagens como forma de entregar soluções reais para o eleitor. 

O impeachment é um processo lento e penoso, que paralisa o país até sua resolução. Em tempos de crise não é instrumento apropriado para resolver problemas de governança e gestão temerária. A ausência de outros mecanismos, entretanto, leva ao entendimento de que a única saída em casos de crise é o impedimento do Presidente. 

Nosso sistema presidencialista convive com uma constituição de corte parlamentarista e no que tange ao impeachment reserva dois fenômenos. Quando o Presidente possui pouca interlocução no Congresso Nacional torna-se presa fácil de um processo de impedimento. Entretanto, caso o Presidente loteie o governo no parlamento, dificilmente enfrentará o pior, mesmo que sua gestão seja temerária ou improba. 

Estes fenômenos paralisam o país em situações de crise e encontrar um modelo adequado torna-se tarefa fundamental para o país viver com maior solidez institucional. O parlamentarismo, longe de estar enraizado na sociedade, surge como a melhor opção, mas carece de apoio popular pela característica clássica do eleitor brasileiro em buscar um salvador da pátria a cada ciclo eleitoral. 

Para o parlamentarismo funcionar, precisamos de uma reforma política, que ataque também o modelo eleitoral, adotando o sistema distrital puro ou misto ou até a eleição em lista fechada. Os sistemas são efetivos em países parlamentares europeus, como Alemanha, Espanha e Reino Unido. As campanhas tornam-se mais baratas e o número de partidos cai de forma drástica, fornecendo maior consistência política ao sistema. 

Por certo uma mudança desta profundidade, como tudo no Brasil, seria muito difícil de ser operada. Entretanto, mesmo no sistema presidencial, existem outros mecanismos que podem limitar o tempo do mandatário, como o recall, que seria o chamamento de votação suplementar para decidir se o governante deve concluir seu mandato. A decisão popular se impõe, mas pode paralisar o país diante de praticamente um novo ciclo eleitoral no meio do mandato. 

Fato é que o Brasil precisa repensar seu modelo político, tornando-o mais moderno, ágil e capaz de entregar soluções efetivas para a população. O impeachment certamente não consegue ser um instrumento eficiente. Da forma que conhecemos, a eleição de um Presidente pode se tornar a compra de uma agonia a prazo. Estelionatos eleitorais tem se tornado prática comum no Brasil e os eleitores tornam-se reféns da traição por período longo demais. O Brasil tem pressa em acertar. 

Certamente este é um tema que deve entrar na pauta nacional. Enquanto a população não exigir mudança, permaneceremos na inércia. A pandemia veio nos mostrar que não temos o direito de errar, mas se errarmos, precisamos possuir mecanismos ágeis de conserto de nossos equívocos.