segunda-feira, abril 20, 2020

Diplomacia Humanitária

Dentre tantas frentes abertas no combate a pandemia, uma delas chama a atenção, focada nos esforços que tem sido realizados para repatriar brasileiros que estão no exterior e desejam retornar ao nosso país. Diante da falta de voos e limitações logísticas, a situação de muitos tornou-se extremamente complicada. Estamos diante de uma questão humanitária, que é a repatriação de nacionais diante de uma situação de risco.

Um país sério possui compromisso com seus nacionais e felizmente enxergamos isso diante desta emergência com os brasileiros que se encontram no exterior. Existem brasileiros nos lugares mais distantes, inóspitos e muitas vezes sem recursos para prolongar sua estada. Resgatar seus cidadãos tornou-se uma responsabilidade de países que possuem meios reais de repatriação, uma medida de proteção do Estado diante de seus nacionais em território estrangeiro.

Hoje, quando se celebra o dia do diplomata, homenagem a data de nascimento, em 1845, do patrono da diplomacia brasileira, José Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco, acredito ser a data ideal para entendermos os esforços de nosso serviço exterior diante da pandemia. A repatriação dos brasileiros, entre tantas dificuldades, é uma ação que precisa ser percebida por nossa população. 

Nosso Itamaraty, orientado pelas diretrizes desenhadas pelo Chanceler Ernesto Araújo, trabalha em uma ação sem precedentes para trazer os brasileiros que estão no exterior, um esforço que começou no traslado daqueles que estavam na China, no epicentro da pandemia, e se espalhou depois por diversos países. Fato é que o Brasil assumiu uma posição ativa para repatriar seus nacionais.

A ausência de voos comerciais tem sido um dos maiores problemas enfrentados por aqueles que desejam voltar ao seu país. Para isso, agiu-se no sentido de trabalhar com voos fretados e parcerias com companhias aéreas que pudessem desempenhar este papel. O resultado, até o momento, tem sido muito positivo, uma vez que mais de 11 mil brasileiros já conseguiram retornar ao país. Calcula-se que cerca de 6 mil ainda devem chegar ao Brasil, do quais 2 mil estão em Portugal.

Trabalhar pelos nacionais que se encontram em situação tensa e preocupante no exterior, como tem acontecido, é uma das principais vertentes do que se pode chamar de diplomacia humanitária. O esforço em ajudar nacionais em situação vulnerável, mediante a capacidade de mobilizar recursos pertinentes para responder de forma eficaz, tem sido fundamental diante da pandemia. Ao responder de maneira ativa as demandas dos brasileiros no exterior, nosso serviço diplomático alcançou resultado notável e elogiável por outras nações.

Esta noção de diplomacia humanitária é o principal vértice de organizações internacionais como Cruz Vermelha e Acnur, entretanto, precisam sempre da parceria dos serviços exteriores nacionais para alcançar resultados tangíveis. Ao participar de forma ativa deste esforço internacional, o Brasil faz jus a sua tradição diplomática. A repatriação, neste momento, tornou-se elemento essencial de nossa política externa, que com foco no cidadão, tornou-se um instrumento efetivo e real de fortalecimento do caráter humanitário de nossa diplomacia.

segunda-feira, abril 13, 2020

Dívida Social

Apesar dos notórios esforços de vários governos, todos falharam em promover uma mudança de fundo e substancial nos problemas sociais brasileiros. Esta questão surge novamente de forma aguda durante a pandemia de coronavírus. Falta de saneamento e de sistema de saúde eficaz, além de educação em suas mais diversas variáveis são elementos que somente agravam o tamanho do problema.

Por certo, por mais que Bolsonaro dedicasse cada dia de sua Presidência, durante quatro anos, na busca de resolver todos estes problemas, ainda não conseguiria. Houve avanços em governos passados, com o início de programas de assistência social de cunho liberal no governo Fernando Henrique até o estabelecimento de uma rede ampla, seguindo a mesma linha de maneira mais profunda nos governos petistas. Entretanto, ambos falharam em mudar o sistema em sua raiz, promovendo movimentação social eficaz e sustentável.

O avanço do poder aquisitivo nos governos petistas não pode se confundir com a reforma necessária no modelo social brasileiro que nunca foi realizado. Esta foi a grande falha do governo Lula. Seu projeto social não incluía avanços de mobilidade social real, que acabaram se perdendo com o desgaste da economia.

Fato é que o Brasil não se preparou para adversidade, quanto mais uma pandemia. Em nosso país 48% da população não possui coleta de esgoto e 35 milhões não tem acesso a água tratada. Por ano, 300 mil brasileiros são internados por diarreia e doenças relativas a falta de saneamento, dos quais, 50% são crianças. Se cruzarmos este dado com escolas, por exemplo, veremos que 59% das instituições de ensino fundamental não possuem rede de esgoto.

O Brasil gasta 6,7% do PIB com educação, valor superior à média de 5,5% dos países integrantes da OCDE. Entretanto, ocupamos somente a 67º posição no PISA, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos. O país possui 11,5 milhões de analfabetos e outros 11,2 milhões de jovens entre 15 e 29 anos que não trabalham, nem estudam ou se qualificam. Além de ter menos pessoas chegando ao ensino médio, a evasão escolar nessa fase chega a assustadores 11,2%.

Diante desta realidade, o Brasil vive um enorme desafio em lidar com a pandemia do coronavírus. Em um país com brutais problemas econômicos, sem poupança, com renda baixa, pouca educação e saneamento precário que pressiona o sistema público de saúde, o problema se torna ainda maior. O isolamento social no Brasil tem atingido apenas 50%, enquanto em nossa vizinha Bolívia alcança 92%.

Esta política de contenção, adotada em todos os países do mundo, tem por objetivo evitar uma pressão no sistema de saúde que inviabilize o tratamento de novos doentes da pandemia, mas também aqueles casos que normalmente também fazem uso dos hospitais.

A crise gerada pelo coronavírus escancara nossas mazelas como nação. Falta de educação, pressão sanitária e econômica. Precisamos estar além de nossas diferenças políticas para nos prepararmos para o futuro. Sem união e ataque direto ao problema real, nosso país seguirá refém de suas misérias pelas próximas gerações. A dívida social segue cobrando sua fatura.

quinta-feira, abril 09, 2020

China: Início do Declínio?

A pandemia de coronavírus pode se tornar um importante ponto de inflexão na geopolítica mundial diante de uma bem cultivada imagem da China que aos poucos se desfaz. Enquanto o mundo enfrenta as consequências da pandemia iniciada em Wuhan, as questões sobre a dependência econômica do país oriental se espalham pelo mundo colocando em xeque o modelo chinês de expansão global.

A mais importante guerra travada pela China neste momento reside no controle da narrativa. O governo trabalha para produzir propaganda efetiva e real que impeça a desconstrução do bem gerido retrato erguido pelo partido comunista nas últimas décadas. Esta questão vai além, pois a gestão da imagem do país se confunde com a legitimidade de Xi Jiping e sua liderança, expressada na capacidade de lidar com uma questão sanitária que se desdobrou em uma crise com brutais reflexos econômicos e de confiança.

Nenhuma nação se aproveitou melhor da expansão da globalização nas últimas décadas que a China. Com uma imagem bem construída e estratégias de expansão cuidadosamente planejadas, soube atrair investimentos, mercados e dependência de diversos países perante sua demanda econômica. Diante das dúvidas levantadas pela expansão do coronavírus, um movimento milimetricamente conduzido por décadas pode sofrer um de seus mais importantes revezes.

O resultado até o momento tem sido que o investimento na China passou a ser repensado por largas corporações que possuem operações no país. Os problemas começam pela ausência de proteção na questão da propriedade intelectual, passam pelos recentes aumentos nos custos de produção e desaguam agora na questão da segurança sanitária para os empregados. Os desdobramentos dos desafios enfrentados por Pequim diante da pandemia são maiores do que se pode imaginar, o que pode gerar enorme reflexo no desenho dos fluxos de comércio internacional.

Outro ponto a ser considerado é o modelo político chinês, baseado em um partido único com liberdades limitadas, um sistema que funciona com bons ventos e correntes comerciais em condições favoráveis. Torna-se, entretanto, arriscado para os negócios na medida que outros fatores entram na equação. Uma crise de confiança, potencializada pela ausência de transparência governamental em diversas frentes, pode ser fatal para a estratégia chinesa no cenário externo, com sérios desdobramentos nas cadeias globais de comércio. Neste cenário, regimes democráticos constitucionais estáveis podem, no médio prazo, reocupar uma posição de maior protagonismo nos negócios internacionais.

O mundo ainda se pergunta se uma ação efetiva do governo chinês diante da pandemia poderia ter impedido a disseminação do vírus. Segundo artigo da Universidade de South Hampton, uma intervenção inicial e combinada teria sido crucial para evitar a propagação viral. Estima-se que esta ação poderia ter reduzido o contágio em 66% na primeira semana, 86% na segunda e 95% na terceira. Se isto tivesse sido feito com antecedência, dizem os pesquisadores, teríamos evitado a situação atual.

Certamente o mundo que irá emergir desta pandemia será diferente. Isto começa e termina pelo papel, imagem e influência da China no xadrez político internacional. Ainda é preciso entender o grau de eficácia da gestão da crise chinesa em suas mais diversas frentes e como isto pode afetar as políticas do partido comunista e a liderança de Xi Jiping. Além disso, o regime fechado levanta suspeitas relativas ao grau de confiança da comunidade internacional diante de surtos pandêmicos que se originam em território chinês e sua efetividade em combatê-los em seu nascedouro. Para recobrar a confiança quebrada, o partido terá que fazer mais do que fornecer ajuda ao mundo para minimizar os efeitos desta pandemia.

Este é o ano do rato na horóscopo chinês, que significa reinvenção e renovação. Um mundo pós-coronavírus reserva certamente um novo cenário e a possibilidade de recomeço. Expõe também o receio de que este seja o início do declínio de um país que até então tecia de forma contínua, lenta e gradual seus planos de expansão global. Mais do que nunca, a China precisa dos auspícios deste ano para repensar sua posição internacional.