domingo, dezembro 22, 2019

Reino (Des)Unido

A vitória incontestável de Boris Johnson nas eleições britânicas ainda pode trazer consequências sérias na unidade do Reino Unido. O fato principal deste desdobramento chega ancorado na decisão sobre o Brexit, informalmente referendado de forma avassaladora com a vitória dos conservadores. A saída da União Europeia torna-se, a partir deste momento, um fato inglês, algo que, contudo, passou longe de outras partes do reino, como Escócia e Irlanda do Norte.

A questão escocesa reside no fato de que a votação sobre a permanência no Reino Unido ocorreu antes do referendo sobre a saída da União Europeia. Sendo majoritariamente pró-UE, os escoceses não esperavam pela surpresa que foi a decisão pelo afastamento do bloco europeu apenas dois anos depois do pleito que poderia ter entregue a independência ao seu território.

Durante os anos de doutorado que vivi na Escócia, estudando os movimentos políticos, percebia que os eleitores direcionavam seus votos de forma dividida, tanto para trabalhistas, quanto para nacionalistas, deixando os conservadores sempre em minoria. Desta vez, os escoceses foram além. Impulsionados pela questão europeia, decidiram majoritariamente pelos nacionalistas. Os conservadores perderam sete de seus 13 assentos escoceses, enquanto os nacionalistas levarão 13 novos representantes ao Parlamento em Westminster. Dos 70 assentos em disputa na Escócia, os nacionalistas venceram em nada menos que 59 distritos.

Não há dúvida, portanto, que a Escócia buscará uma nova chance de deixar o Reino Unido, uma vez que a fissura com Londres se tornou talvez incontornável depois de uma vitória esmagadora dos nacionalistas nestas eleições. Os escoceses sentem-se traídos por terem decidido sobre sua permanência antes de todo Reino Unido optar por sair da União Europeia. Alegam que as consultas deveriam ter sido realizadas em ordem inversa, o que certamente mudaria o resultado no referendo escocês.

A mesma questão paira na Irlanda do Norte. Historicamente católica, passou a receber protestantes ao longo dos anos, equilibrando as forças locais entre unionistas, que defendem a permanência no Reino Unido e os separatistas que preferem a reunificação com a República da Irlanda, tornando a ilha novamente um mesmo país. Fato é que pela primeira vez os unionistas não estão em maioria em Westminster e no parlamento local, Stormont, resultado impulsionado pelo Brexit, que não foi a opção dos norte-irlandeses em sua maioria.

Percebe-se que o Brexit mexeu e forma profunda com a política do Reino Unido. Impulsionou nacionalistas escoceses e separatistas norte-irlandeses a vencer as eleições em seus territórios. Os maiores derrotados foram trabalhistas, vencidos em distritos históricos que mantinham sob controle há mais de 100 anos.

Restará a Boris Johnson, que possui um claro mandato do povo, seguir adiante com a saída do Reino Unido da União Europeia, um movimento, entretanto, que pode colocar em xeque a união do próprio Reino Unido. Mais do que força, precisará de habilidade política para manter as fronteiras de seu país intactas diante do pleito daqueles que mandaram seu recado nacionalista e separatista para Westminster.

sábado, dezembro 07, 2019

Desafios da Democracia

“A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”, dizia Churchill. A democracia em princípio soa para a maioria como um significado abstrato, geralmente lembrado quando aparece em escassez no mundo político. É basicamente o sistema que sustenta todos os pilares de nossas liberdades, sejam sociais, econômicas ou individuais.

A democracia também é responsável por desenhar as colunas do que se convencionou chamar de Estado de Direito, o respeito a um arcabouço de regras que impõe limites e estabelece princípios para o convívio em sociedade. Esta segurança nos fornece a certeza que uma nação está assentada em regras claras e seguras, imutáveis diante do ciclos de renovação dos governos.

A inovação, descobertas e avanços de nossa civilização se deram exatamente nos países que respeitam este arcabouço de valores. Amparados pelas garantias de liberdade democráticas, floresceram sociedades vivas e abertas, capazes de gerar progresso. Ao garantir a segurança jurídica e estabilidade institucional acabaram por gerar riqueza por meio de uma economia vibrante descolada da ingerência dos governos de plantão.

Logo, é impossível dissociar a democracia e as liberdades individuais como pilares de uma economia pujante, pois são elementos essenciais de sua existência. Não existe economia livre em um sistema autoritário, uma vez que em regimes de exceção não existe segurança jurídica. Logo, uma guinada econômica liberal precisa, antes de tudo, de um forte arcabouço de princípios democráticos.

Infelizmente o desconhecimento das regras políticas institucionais pode levar governos, sejam de esquerda ou direita, a flertarem contra a democracia como forma de apresentar respostas rápidas para a população. Uma noção equivocada, uma vez que este caminho destrói os pilares da segurança jurídica, acarretando abalo de confiança e instabilidade institucional no longo prazo. Uma receita que, no afã de gerar ganhos imediatos, destrói a imagem e confiabilidade de uma nação.

O principal desafio de uma democracia é ser entendida pela população como pilar fundamental do sistema de liberdades que a define como nação, que inicia pela liberdade de imprensa, associação, passa pela opinião, culto e manifestação e deságua em todos aqueles englobados nos direitos civis. Sem a democracia, as liberdades se perdem de forma rápida e perigosa. Benjamin Franklin escreveu sobre isso quando disse que “qualquer sociedade que renuncie um pouco da sua liberdade para ter um pouco mais de segurança, não merece nem uma, nem outra, e acabará por perder ambas”.

Devemos estar sempre atentos às marchas para suprimir a democracia. Não são poucas e se escondem de maneira sorrateira. Líderes travestidos de democratas, mas na realidade autocratas, fantasiados de imperadores, brotam em profusão ao redor do mundo. Vivemos tempos estranhos. O apreço pela democracia anda em baixa. No passado, momentos similares geraram resultados perigosos. O momento inspira atenção, afinal como disse Thomas Jefferson, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.