quarta-feira, dezembro 16, 2020

Liberalismo Perdido

Bolsonaro chegou ao poder cercado de expectativa, planos e promessas de liberdade na economia. Trazia um ativo importante em sua equipe, Paulo Guedes, que prometia um choque de economia de mercado que sacudiria os alicerces de um estado paquidérmico que havia deixado a população refém dos burocratas. Mais Brasil e menos Brasília era seu lema. Nosso país, sequestrado pela burocracia, deveria ser recuperado para os brasileiros. 

Em entrevistas dizia que se dependesse dele, venderia todas as estatais. Os liberais somaram-se ao governo Bolsonaro engrossando seus quadros, inclusive este colunista, que assumiu a direção da Agência Brasileira de Promoção de Exportações, Apex-Brasil. Para a Secretaria de Privatizações escolheu-se mais um liberal, Salim Mattar. O time chegou esperançoso, com ganas de mudar o Brasil. 

Os problemas não foram poucos. A resistência da burocracia e as tramas internas do governo começaram a minar nossas ações. Na Apex, em pouco tempo desembarcaram oficiais da Marinha, enquanto no Congresso Nacional faltava apoio para a agenda liberalizante de Guedes. A proposta liberal, que reduz o poder do establishment, foi combatida de forma intensa pela burocracia, com receio que desmontássemos os instrumentos de benesses governamentais de suas corporações civis e militares. 

Hoje, desembarcados do governo, Paulo Uebel, Salim Mattar, este que vos escreve, entre tantos outros, seguimos firmes e confiantes de que a agenda liberalizante é o melhor caminho para o desenvolvimento do Brasil. Infelizmente, os desafios foram imensos e fomos vencidos pelos jogos de poder, burocracia militante, militares patrimonialistas e pela mudança de perfil presidencial durante o mandato. 

Roberto Campos disse certa vez, referindo-se ao governo Collor: “É lamentável. É um desperdício profundamente lamentável. É mais uma oportunidade que o país perde. Para mim é mais uma esperança que se frustra. Nunca o liberalismo, que é a minha razão política, esteve tão perto de acontecer neste país, e nunca foi tão irresponsavelmente escorraçado”. Faço minhas as palavras do Embaixador Roberto Campos mais de três décadas depois. 

O governo Bolsonaro traiu o credo liberal e também a agenda fundamental de todos aqueles que acreditam nos instrumentos da liberdade de mercado como pilar fundamental do desenvolvimento. Até o momento o Planalto transitou em sentido oposto, fortalecendo o patrimonialismo, clientelismo e paternalismo, instrumentos contrários aos valores liberais, uma equação que resulta em populismo, aumento de gastos e irresponsabilidade fiscal. Para resumir em uma palavra: desilusão. 

O poder transforma, mas no caso de Bolsonaro, a equação tem sentido inverso. No poder, o Presidente retornou ao seu estado natural, um deputado do centrão nacional-desenvolvimentista e corporativista, que votou contra reformas liberalizantes propostas em governos anteriores. 

Bolsonaro chegará ao final do mandato sem realizar qualquer reforma profunda nas estruturas de nosso arcaico modelo de desenvolvimento. Como dizia Roberto Campos, “O Brasil não perde a oportunidade de perder oportunidades”.

sexta-feira, dezembro 11, 2020

Longe de Moscou

Na lista de antigos satélites da União Soviética que passaram a desagradar Moscou, a Moldávia assumiu um lugar de destaque. Depois de possuir governos tutelados pelo Kremlin, finalmente o país parece começar a se desprender das amarras do passado e olhar adiante, focado na Europa e nos valores democráticos, deixando de lado o sombrio passado socialista. 

Maia Sandu é a mais nova preocupação de Moscou. A jovem política de 48 anos foi eleita em segundo turno contra Igor Dodon, candidato dos russos, preferido de Vladimir Putin e atual Presidente. A Moldávia, que faz fronteira com a Romênia, com quem divide laços étnicos e culturais, sente-se hoje mais perto da União Europeia do que de Moscou. Sandu é a mais forte expressão deste movimento. 

A Moldávia segue o mesmo caminho de outras antigas repúblicas soviéticas, que hoje independentes, buscam maior autonomia em relação à Rússia. Apesar de formalmente não fazerem mais parte da União Soviética, a sombra de Moscou ainda paira em muitos destes países. Assim como em Belarus, a batalha está hoje em outro plano e foca em isolar a influência política dos russos em suas vidas. 

Em Belarus somente mais uma fraude eleitoral conseguiu manter Lukashenko no poder e Minsk, mesmo sob a vigilância dos policiais do regime autocrático apoiado por Moscou, é palco todas as semanas de protestos pró-democracia. A Europa passou a apoiar o fim do governo e a adoção de eleições livres monitoradas por observadores internacionais, algo rejeitado pela Rússia. 

Os conflitos nas franjas da extinta União Soviética chegaram ao Azerbaijão e Armênia, em disputa pela região de Nagorno-Karabakh que cessaram somente depois de mediação internacional. O caso da Moldávia lembra este conflito. A região da Transdnístria na fronteira com a Ucrânia, considera-se independente e seus 500 mil habitantes, moldavos, russos e ucranianos étnicos, buscam reconhecimento internacional. 

Fato é que a região é mantida sob controle com forças russas, que desde 1992 estão no local. O território respira a nostalgia dos tempos comunistas. Sandu, a Presidente eleita, deseja que a Rússia retire os 1.500 soldados do local e estes sejam substituídos por forças internacionais. O Kremlin não gostou. A população da Moldávia tomou as ruas da capital Chisinau em apoio a Sandu. Putin não terá vida fácil com a nova líder do país. Ela deseja levar o antigo satélite soviético, hoje uma nação independente, mais para perto da União Europeia. 

Moscou tem mais um problema sério a ser resolvido. Depois de Belarus, Armênia, Azeibaijão e Quirguistão, agora mais uma antiga república soviética rebela-se contra o poder do Kremlin. Na medida que a democracia e as benesses do capitalismo europeu penetram nas antigas repúblicas, torna-se cada vez mais difícil manter os mecanismos de fraude e controle impostos pela Rússia. 

Já chegou o momento de verdadeiras democracias se instalarem na região e seus povos decidirem o seu próprio futuro. Sandu agora torna-se uma peça importante deste tabuleiro político que ousa desafiar as ordens emanadas do Kremlin. A Moldávia escolheu romper com um passado sombrio e olhar para o futuro, longe de Moscou. Ninguém pode condená-los por isso.

sexta-feira, dezembro 04, 2020

Triunfo da Moderação

ACM Neto diz que a Presidência tem um poder muito forte, logo, o Presidente não pode ser descartado como um grande jogador na próxima campanha presidencial. A frase faz sentido, mas depende também de quem ocupa esta cadeira. Bolsonaro é um tipo intuitivo, porém pouco estratégico. Apesar de sua caneta ter um peso que pode alterar a campanha presidencial a seu favor, nada impede que consiga usar este poder contra si mesmo. 

Depois de uma campanha municipal onde o bolsonarismo mostrou que não possui enraizamento na sociedade e a esquerda foi surrada pelo eleitor, o centro moderado surge como uma solução razoável. A população mandou um claro recado pelas urnas. Está cansada da polarização e da guerra de narrativas. As pessoas pediram prudência, experiência, ponderação. Nada do que o ciclo eleitoral anterior havia proporcionado. 

A pergunta que surge é de onde virá este movimento ao centro. A opção de Moro pela iniciativa privada praticamente sela seu futuro longe da política. Isto muda a dinâmica do jogo e a política tradicional sente-se mais confortável para jogar de acordo com as suas regras, calculando a campanha presidencial a sua imagem e semelhança. Diante de dois polos antagônicos, esquerdas e direita bolsonarista, surge um caminho livre no centro para estas forças políticas transitarem. 

Apesar da caneta, Bolsonaro deve chegar enfraquecido em 2022. Diante de uma situação fiscal desesperadora, o governo não possui muitas opções. Sem projetos, base política ou direcionamento definido, o governo segue perdido sem agenda real. Se no passado possuía projeto sem base de apoio, hoje possui uma base aliada contrária aos projetos. A tendência é o governo seguir o mesmo rumo até seu final, sem grandes realizações ou profundas reformas estruturantes. 

Bolsonaro deve chegar em 2022 com apoio de sua base fiel, cercado de militares e dependente político do centrão. Uma equação que não garante os votos capazes de colocá-lo no segundo turno. Terá perdido ao longo dos quatro anos o eleitorado antipetista, conservador, liberal e lavajatista, a exata onda que conseguiu surfar em 2018 e lhe entregou a vitória em uma bandeja de prata sem qualquer esforço. Depois de chegar ao Planalto e sonhar que liderava um movimento, rifou a agenda e os grupos que o apoiaram. Sem eles, entretanto, não será reconduzido. 

Aquele que souber transitar pelo centro, de forma ponderada, terá grandes chances de chegar ao segundo turno. Uma aliança entre tucanos e democratas parece inevitável, com partidos do centrão fisiológico divididos entre a direita bolsonarista e o centro moderado. Nas esquerdas, uma acomodação em torno de Boulos começa a se desenhar. Em linhas gerais, este é o cenário que teremos adiante em 2022. 

O eleitorado cansou. A guerra de narrativas, polarização, terraplanismo, lulopetismo, bolsonarismo, antipolítica serão rejeitadas pelo eleitor, assim como vimos neste ano. Aqueles que não souberem se reinventar serão tragados pela onda da moderação, experiência e prudência. Uma antítese dos tempos egonegacionistas que vivemos.

terça-feira, dezembro 01, 2020

Ressaca da Nova Política

Muito se fala sobre a possibilidade uma frente ampla contra Bolsonaro. Estamos falando da união entre forças de centro-direita e centro-esquerda capazes de enfrentar o vencedor do pleito do 2018. Entretanto, talvez isso não seja necessário e também nada indica que seja estrategicamente inteligente. Estas forças, dispersas no primeiro turno, são capazes inclusive de tirar Bolsonaro do embate final sem união formal.

Na campanha paulistana muito se falou de uma suposta frente ampla formada para apoiar Boulos. Nada disso. O encontro entre Lula, Ciro, Marina e Dino ocorreu por conveniência e pareceu mais um encontro de confrades da esquerda para evitar um novo governo tucano. Uma frente ampla, como diz o nome, precisa ser vasta, angariando apoio de diversos setores ideológicos, como ocorreu com Tancredo Neves em 1985. 

Aquilo que se imagina para 2022 é algo similar, entretanto, de difícil articulação. Unir a esquerda ao centro é praticamente impossível, enquanto encontrar equilíbrio neste espectro, um desafio ainda maior. São muitos caciques querendo ocupar este espaço. Enquanto isso, na centro-direita e na direita propriamente dita, já existem nomes bem posicionados. 

Mas como disse Fernando Gabeira, “ao término das eleições municipais, comecei a duvidar se era mesmo necessária uma frente para derrotar Bolsonaro”. Ele está certo. Apesar de muitos dizerem que é cedo para previsões, acredito que é tempo para enxergar as tendências e movimentos que apontam para a dinâmica de 2022. Foi exatamente o que Gabeira disse ao corroborar esta tese. 

Bolsonaro saiu combalido das eleições municipais. O bolsonarismo, como movimento, fracassou, tantos nos pleitos majoritários, como nos proporcionais. O eleitorado mostrou que está cansado do discurso antipolítico, dos outsiders, da polarização e da guerra de narrativas. A falta de resultados reais e uma gestão caótica da pandemia acabaram por levar o eleitor a fazer as pazes com a política depois do rompimento começado em 2016 e concretizado em 2018. O tempo é de reconcialição. 

Somado isso ao problema estrutural de nossa economia, que está diante de um deficit assustador, sem capacidade de investimento ou sequer de implementar um programa de transferência de renda, os auspícios não são os melhores. Veremos um 2021 sem auxílio emergencial, equilíbrio fiscal ou privatizações. Estaremos diante de desemprego e uma retomada lenta que pode ainda transformar-se em período de retração. A popularidade de Bolsonaro sofrerá com estes abalos. 

Isto significa que 2022 será uma eleição completamente diferente de 2018, quando o novo e a rejeição à política eram a tônica do debate. Estamos diante de um pleito que vai privilegiar a experiência, transparência e a seriedade. O sinal das eleições americanas foi claro. O eleito foi um centrista, talvez aquele político com a mais vasta e profunda experiência nos corredores de Washington. O establishment despachou o outsider. Um equilíbrio que pode vir a ser testado no próximo ciclo eleitoral brasileiro.

Diante disso, nem será preciso uma Frente Ampla. Tudo indica que caminhamos para um pleito com dois polos diametralmente opostos, além de duas candidaturas centristas. O caminho para o segundo turno estará neste equilíbrio. Forças dispersas que agem de forma ampla, em partidos diferentes, mas com o mesmo objetivo. Uma dinâmica que pode tirar Bolsonaro do jogo ainda no primeiro turno. A ressaca com a nova política pode vir na forma de avalanche eleitoral contra o bolsonarismo. A conferir.