sábado, março 27, 2021

Política Binária

O bolsonarismo inaugurou o modo petista de governar pela direita. O método é o mesmo, apesar dos sinais trocados. Se baseia em uma visão binária de mundo que consiste apenas em duas metades. Aqueles que não são bolsonaristas, são comunistas e os que optam por não ser petistas, são taxados de fascistas. Não existe espaço para a ponderação, razão e entendimento. O modelo mental é de destruição do oponente, jamais de construção de soluções. Em qualquer ambiente desta polarização, quem não está do meu lado não é considerado adversário, mas um inimigo a ser destruído. 

Por certo as redes sociais deram voz a uma grande parcela da população que não conseguia ser ouvida, entretanto, a qualidade do debate caiu vertiginosamente. Isto ocorre porque as redes criam bolhas por meio de algoritmos que atraem os iguais e afastam os divergentes. Um fenômeno que gera uma falsa sensação de aceitação no todo e que acirra o discurso binário. Grupos falam para si mesmos e sua bolha artificial. 

Ao associarmos o ímpeto de destruição do oponente à falsa sensação de aceite geral, criamos o modelo de discurso político atual. Como a construção não é objetivo de ambos grupos, a forma moldada de debate político é da deslegitimação do oponente por meio ataques e agressões, que não visa atacar seus argumentos, mas invalidar o interlocutor. O que menos interessa neste campo é o debate de ideias, prevalecendo sempre a tese de que um grupo é o dono da razão. 

Neste caso, a divergência é sempre mais importante do que a convergência. Assim, se na direita bolsonarista temos um liberal, que concorda com a agenda do governo, mas critica Bolsonaro por não ter avançado nas privatizações, certamente será taxado de traidor, esquerdista ou até mesmo de comunista. Do outro lado, a mesma coisa, apenas mudando o sinal, com os ataques circulando entre fascistas e xenófobos. O que importa é divergir, atacar, agredir e se autoafirmar para sua bolha. 

O Brasil perde com este movimento raso e simplista, que leva a política para rumos diferentes de seu propósito original. A política é feita de adversários, não de inimigos, da criação de consensos e da construção de maiorias. Quando dentro da política, divergência, destruição e rivalidade entram em cena, a democracia se enfraquece e tendências autoritárias, que podem vir da direita ou esquerda, sentem-se mais confortáveis para surgir como alternativas. 

Vale lembrar também que este mecanismo é vantajoso para os radicais, que precisam do polo opositor para sobreviver, um sistema que se retroalimenta da rejeição e do ódio, que funcionam como combustível na arena eleitoral. Sem antagonistas, o modelo perde tração, quando entram em cena a convergência e a boa política. Em última instância, quando os radicalismos se fortalecem, a democracia se enfraquece. Sem os extremos, o sistema encontra sua harmonia. 

Não teremos chance de vencer a pandemia, tampouco o caos econômico que se instalou no Brasil se seguirmos reféns deste pensamento simplista e tosco. O binarismo político leva à servidão, submissão e cegueira intelectual e política. O Brasil merece mais do que isso.

terça-feira, março 23, 2021

Ministro Bolsonaro

A troca de Eduardo Pazuello por Maurício Queiroga no comando da pasta da Saúde altera muito pouco a dinâmica decisória enfrentada pelo país durante a pandemia. Apesar da troca de ministros, não haverá na verdade troca de comando. As ideias seguem as mesmas, assim como as diretrizes governamentais. Troca-se o titular, mas de fato o Ministro de Estado da Saúde segue sendo Jair Messias Bolsonaro. 

Esta é uma péssima notícia para o país, uma vez que a condução do combate à pandemia tem sido desastrosa em todos os aspectos, desde a negação da ciência, passando pela rejeição das regras de distanciamento social e o ceticismo em relação à vacina. Temas que já deveriam estar superados mantém o Brasil preso à dogmas ultrapassados que acabam por ceifar vidas de forma brutal e cruel. 

A possibilidade de termos no comando da pasta a médica Ludhmila Hajjar foi apenas um sopro de esperança que logo se dissipou. Defensora das práticas de isolamento social e uso de máscaras, ela defende também que o uso de medicamentos como a cloroquina são ineficazes no tratamento contra o coronavírus. Em pouco tempo virou alvo das redes bolsonaristas e viu sua reputação ser atacada de forma vil e cruel. Não aceitou o posto depois de ter certeza que não teria autonomia no comando do ministério. 

A negativa da médica Ludhmila Hajjar expõe as vísceras de um governo que peca pela ausência de gestão em frentes sensíveis como a área de saúde. Depois de tudo ficou uma certeza: encontramos a Ministra da Saúde que o Brasil precisa. Faltou apenas encontrar um Presidente. Na falta de um, perdemos mais um nome de qualidade disposto a assumir a pasta da Saúde em meio a pandemia 

Na verdade, Bolsonaro quer um ministro da Saúde que seja apenas um nome de frente que execute suas diretrizes. O ministro é Bolsonaro e quer continuar a sê-lo mesmo com a troca de comando na pasta. Não foi por outro motivo que até este momento contava com um General da ativa como ministro. Precisa de alguém que acate suas orientações e determinações sem questionamentos. 

Bolsonaro encontrou em Marcelo Queiroga alguém que defenderá seus dogmas dando continuidade ao trabalho de Pazuello. Mudou o ministro para nada mudar, afinal, o ministro apenas executa a política determinada pelo Presidente, como já indicou Queiroga. Entra, portanto, sem autonomia e com a certeza que terá muito pouca margem de manobra para mudar os rumos dentro do Ministério da Saúde. 

No âmbito político, Bolsonaro sai machucado. Depois de rejeitar as opções técnicas e políticas com respaldo nas esferas de poder, o Presidente optou pelo caminho de uma opção pessoal. Uma escolha que terá um custo, que pode ser caro diante dos resultados que veremos daqui por diante. 

Os limites do Centrão costumam se impor quando o governo se torna politicamente inviável. Isto significa que o grupo não irá ser tragado para o insucesso do governo durante a pandemia e caso necessite trocar o ministro mais uma vez, pode avaliar que quem realmente precisa ser exonerado é o Ministro Bolsonaro, aquele que além comandar a pasta da Saúde, responde também pela Presidência da República.

sábado, março 20, 2021

Terceira Via

O Brasil mergulha na polarização, entretanto com a Lava Jato preservada. Estes foram os principais desdobramentos da decisão do Ministro Fachin que abalou o mundo político. Os oportunistas de ambos os lados não perderam a chance de torcer a narrativa para iniciar o jogo com vistas à sucessão presidencial. Uma dinâmica que se retroalimenta e funciona para ambos os lados das extremidades do espectro eleitoral. 

Para Bolsonaro, a volta de Lula ao jogo é a notícia que tanto almejava. Bolsonaro é um político forjado na dinâmica do enfrentamento, se criou no antagonismo e joga na polarização. Ter um inimigo é essencial. Sem adversário, sente-se perdido e geralmente erra em suas manobras. Ao encontrar um oponente, puxa o controle do jogo para si, pautando o adversário por meio de suas narrativas. Sonhava com a volta de Lula ao ringue. Agora, vencer o lulismo nas urnas não será tarefa fácil. 

Para Lula, a dinâmica também serve de forma impecável. Usará a falta de vacinas, o descontrole da pandemia e a desaceleração da economia para ombrear com Bolsonaro. Lula tem a seu favor o recall de um período de expansão da economia e controle das contas públicas, tentando dissociar os erros de Dilma dos acertos de seu governo. Usará a narrativa de ter sido vítima de um golpe político que o tirou das eleições de 2018. 

Como vemos, o script está pronto e tanto Lula quanto Bolsonaro precisam um do outro para retroalimentar suas narrativas e a tentativa de polarização. Neste embate, entretanto, pode chegar um elemento novo. Caso Sérgio Moro opte por tentar entrar no páreo, a partida pode embolar para Bolsonaro, uma vez que a polarização pode se estabelecer entre Moro e Lula, deixando o Presidente de lado. Sem antagonistas, sendo um alvo fácil de críticas, Bolsonaro correria sério risco de ficar pelo caminho. 

Ao reabilitar Lula para a disputa eleitoral, Fachin procurava preservar a Lava Jato. No jogo de xadrez, ao anular os processos de Lula por incompetência de foro, o Ministro preservou demais casos da operação, evitando que fosse decretada a suspeição de Moro – estratégia desenhada por Gilmar Mendes e que teria atingindo maioria na turma com o apoio do indicado de Bolsonaro ao STF: Nunes Marques. A tentativa de decretar a suspeição de Moro foi sepultada por Fachin, livrando Lula, mas preservado todas outras sentenças. 

Certamente o sistema ainda irá trabalhar para ceifar as chances de Moro ser candidato, uma vez que possui chances reais de vitória. A eleição de Lula, onde foi gestada a corrupção, ou a recondução de Bolsonaro, responsável por enterrar as investigações, são opções muito melhores para o sistema. Resta, ao chamado centro, se unir em torno de outro nome caso Moro não entre na disputa. 

O Brasil estará novamente diante de uma decisão importante em 2022. A chance de uma terceira-via é também a possibilidade de quebrar com uma infeliz polarização que pode deixar nosso país refém dos mesmos erros e dos atores responsáveis por uma condução errática da pandemia, um estelionato eleitoral de proporções descomunais e os esquemas de corrupção que colocaram o país de joelhos. O Brasil merece muito mais do que uma polarização ilusória que representa apenas mais do mesmo.

sábado, março 06, 2021

Populismo Econômico

Eleito no embalo de um discurso de liberalismo liderado por Paulo Guedes, Bolsonaro aos poucos vai mostrando sua verdadeira face no mundo da economia. O discurso real do Presidente não rima com as teses de Guedes e mostram um retorno aos seus tempos de parlamento, quando atacava privatizações e defendia um modelo de governo forte e interventor. Bolsonaro mostra-se cada vez um produto do falido modelo militar que arrasou a economia brasileira.

A intervenção na Petrobrás foi apenas mais um episódio, mas que desta vez deixou clara as raízes militares do capitão. Seduzido pelo populismo econômico, encontrou nos instrumentos poderosos da presidência um atalho para popularidade fácil por meio do gasto público. Este perigoso caminho já foi trilhado por inúmeros mandatários e sempre leva a um mesmo resultado: um voo de galinha na economia e distribuição de renda ao custo de aumento da inflação e criação de déficits fiscais.

Acreditávamos que o Brasil podia ter aprendido com erros dos governos militares e posteriormente com recessão econômica vivida pelo país nos anos Dilma. Como sabemos, contudo, nosso país sempre pode surpreender e parece estar embarcando novamente em uma aventura que não deixará saudades e acabará por destruir aqueles ganhos políticos e econômicos duramente construídos por décadas. 

Diante de um governo militarizado, onde valem mais as estrelas no ombro do que a capacidade de gestão, Bolsonaro fez a opção esperada. Os militares brasileiros jamais abraçaram o liberalismo econômico e certamente são muito céticos diante da agenda de Guedes. Defensores de um estado grande e atuante, estão em sintonia com o capitão que ocupa a cadeira presidencial. 

A conta não fecha, como é comum nestes casos, mas os ganhos políticos empurram os custos da aventura para as gerações seguintes. O populismo econômico, portanto, serve para aqueles que estão no poder e não irão conviver com seus desdobramentos em momentos futuros, uma vez que seguem blindados pelos mecanismos de proteção do Estado. Populistas governam olhando para a próxima eleição, jamais para a próxima geração. Uma manobra que mais de uma vez já ceifou o futuro do Brasil. 

A pandemia foi a justificativa para esta guinada nas contas públicas. Sem planejamento ou ações efetivas que protegessem o emprego e a sobrevivência empresarial do abalo econômico, o país se tornou refém de meras medidas assistencialistas que se resumem na transferência de renda pura e simples. Uma medida paliativa, de alto custo e que deixa de criar instrumentos para recuperação econômica da população. 

Se de um lado Bolsonaro opta pela tática do confronto, de outro começa a trilhar com maior convicção o populismo econômico. O resultado é perigoso. Estamos vendo a perda de credibilidade do país no exterior, queda nas bolsas e alta no dólar. O mundo enxerga que de forma cíclica adentramos pelo populismo, seja pela direita ou pela esquerda. Um erro, que se não for corrigido, colocará nossa credibilidade em xeque por décadas, perdendo mais uma geração para nossos próprios erros.