terça-feira, maio 05, 2020

Velha Política

O presidencialismo de coalizão mais uma vez se impõe. Mais do que uma opção do governante, o mecanismo faz parte do modelo constitucional elaborado na redemocratização, que optou por um diploma legal parlamentarista dentro de um sistema presidencialista. Ao ficar pelo caminho em um plebiscito poucos anos depois, a derrota do parlamentarismo acabou frustrando a ideia dos constituintes, mas segue fazendo vítimas na arquitetura de poder por mais de três décadas.

Sarney soube manobrar o sistema com maestria, entendendo seu ajuste fino e fazendo com que trabalhasse a favor de seu governo. Collor, assim como Bolsonaro, um presidente que rompeu um ciclo político, teve dificuldades em lidar com o sistema, caindo para sua falta de habilidade em manobrar os mecanismos de poder inscritos na nova ordem constitucional. Ao exercer o presidencialismo, caiu diante de uma dinâmica de poder parlamentarista.

O sociólogo Fernando Henrique, parlamentarista e constituinte, desenhou uma engenhosa arquitetura para governar. Blindou áreas estratégicas da influência política, enquanto negociou outros nacos de poder com o Parlamento. Desta forma conseguiu realizar mudanças, ao mesmo tempo que satisfazia o apetite político dos partidos.

Com a chegada de Lula, a divisão de poder ampliou-se e a blindagem permaneceu somente na economia, deixando aberto o caminho para negociação em praticamente toda a gama de ministérios, agências, departamentos, autarquias e superintendências. Diante desta arquitetura política sobreviveu a praticamente todas intempéries em seu governo, deixando o poder com estrondosa aprovação.

Ao contrário, Dilma optou pelo confronto já tentado por Collor. O resultado era previsível. Ao perder apoio do Parlamento, seu governo sucumbiu diante de um impeachment, que no presidencialismo de coalizão brasileiro passou a funcionar como voto de desconfiança ou moção de censura em regimes parlamentaristas. Ao perder a confiança do Parlamento, dificilmente um governo sobrevive no Brasil. 

Ao anunciar que pretendia rejeitar o parlamentarismo de coalizão, Bolsonaro enviava um forte sinal de renovação institucional. Acenou para as frentes parlamentares para tentar criar maioria e explicou que governaria com ministros técnicos. O caminho poderia estar correto, mas não funcionaria sem uma profunda reforma constitucional. Do contrário, seguiríamos em um presidencialismo parlamentar, onde somente líderes políticos extremamente habilidosos conseguem navegar.

Até aqui, Bolsonaro teve o menor número percentual de Medidas Provisórias aprovadas em tempos recentes, ao mesmo tempo que é o campeão em vetos presidenciais derrubados. A soma dos fatores indicam que a sombra do impeachment pode rondar o Planalto. Contra fatos, não há argumentos e o caminho da estabilidade do governo passa por um único caminho: fortalecer a base parlamentar e caminhar em direção do presidencialismo de coalizão.

Neste novo desenho político, o país novamente se torna refém deste instrumento disfuncional, que sobrevive diante da falta de reforma de seus mecanismos constitucionais reais. Uma arquitetura de poder que mais uma vez se impõe.

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