domingo, dezembro 22, 2019

Reino (Des)Unido

A vitória incontestável de Boris Johnson nas eleições britânicas ainda pode trazer consequências sérias na unidade do Reino Unido. O fato principal deste desdobramento chega ancorado na decisão sobre o Brexit, informalmente referendado de forma avassaladora com a vitória dos conservadores. A saída da União Europeia torna-se, a partir deste momento, um fato inglês, algo que, contudo, passou longe de outras partes do reino, como Escócia e Irlanda do Norte.

A questão escocesa reside no fato de que a votação sobre a permanência no Reino Unido ocorreu antes do referendo sobre a saída da União Europeia. Sendo majoritariamente pró-UE, os escoceses não esperavam pela surpresa que foi a decisão pelo afastamento do bloco europeu apenas dois anos depois do pleito que poderia ter entregue a independência ao seu território.

Durante os anos de doutorado que vivi na Escócia, estudando os movimentos políticos, percebia que os eleitores direcionavam seus votos de forma dividida, tanto para trabalhistas, quanto para nacionalistas, deixando os conservadores sempre em minoria. Desta vez, os escoceses foram além. Impulsionados pela questão europeia, decidiram majoritariamente pelos nacionalistas. Os conservadores perderam sete de seus 13 assentos escoceses, enquanto os nacionalistas levarão 13 novos representantes ao Parlamento em Westminster. Dos 70 assentos em disputa na Escócia, os nacionalistas venceram em nada menos que 59 distritos.

Não há dúvida, portanto, que a Escócia buscará uma nova chance de deixar o Reino Unido, uma vez que a fissura com Londres se tornou talvez incontornável depois de uma vitória esmagadora dos nacionalistas nestas eleições. Os escoceses sentem-se traídos por terem decidido sobre sua permanência antes de todo Reino Unido optar por sair da União Europeia. Alegam que as consultas deveriam ter sido realizadas em ordem inversa, o que certamente mudaria o resultado no referendo escocês.

A mesma questão paira na Irlanda do Norte. Historicamente católica, passou a receber protestantes ao longo dos anos, equilibrando as forças locais entre unionistas, que defendem a permanência no Reino Unido e os separatistas que preferem a reunificação com a República da Irlanda, tornando a ilha novamente um mesmo país. Fato é que pela primeira vez os unionistas não estão em maioria em Westminster e no parlamento local, Stormont, resultado impulsionado pelo Brexit, que não foi a opção dos norte-irlandeses em sua maioria.

Percebe-se que o Brexit mexeu e forma profunda com a política do Reino Unido. Impulsionou nacionalistas escoceses e separatistas norte-irlandeses a vencer as eleições em seus territórios. Os maiores derrotados foram trabalhistas, vencidos em distritos históricos que mantinham sob controle há mais de 100 anos.

Restará a Boris Johnson, que possui um claro mandato do povo, seguir adiante com a saída do Reino Unido da União Europeia, um movimento, entretanto, que pode colocar em xeque a união do próprio Reino Unido. Mais do que força, precisará de habilidade política para manter as fronteiras de seu país intactas diante do pleito daqueles que mandaram seu recado nacionalista e separatista para Westminster.

sábado, dezembro 07, 2019

Desafios da Democracia

“A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”, dizia Churchill. A democracia em princípio soa para a maioria como um significado abstrato, geralmente lembrado quando aparece em escassez no mundo político. É basicamente o sistema que sustenta todos os pilares de nossas liberdades, sejam sociais, econômicas ou individuais.

A democracia também é responsável por desenhar as colunas do que se convencionou chamar de Estado de Direito, o respeito a um arcabouço de regras que impõe limites e estabelece princípios para o convívio em sociedade. Esta segurança nos fornece a certeza que uma nação está assentada em regras claras e seguras, imutáveis diante do ciclos de renovação dos governos.

A inovação, descobertas e avanços de nossa civilização se deram exatamente nos países que respeitam este arcabouço de valores. Amparados pelas garantias de liberdade democráticas, floresceram sociedades vivas e abertas, capazes de gerar progresso. Ao garantir a segurança jurídica e estabilidade institucional acabaram por gerar riqueza por meio de uma economia vibrante descolada da ingerência dos governos de plantão.

Logo, é impossível dissociar a democracia e as liberdades individuais como pilares de uma economia pujante, pois são elementos essenciais de sua existência. Não existe economia livre em um sistema autoritário, uma vez que em regimes de exceção não existe segurança jurídica. Logo, uma guinada econômica liberal precisa, antes de tudo, de um forte arcabouço de princípios democráticos.

Infelizmente o desconhecimento das regras políticas institucionais pode levar governos, sejam de esquerda ou direita, a flertarem contra a democracia como forma de apresentar respostas rápidas para a população. Uma noção equivocada, uma vez que este caminho destrói os pilares da segurança jurídica, acarretando abalo de confiança e instabilidade institucional no longo prazo. Uma receita que, no afã de gerar ganhos imediatos, destrói a imagem e confiabilidade de uma nação.

O principal desafio de uma democracia é ser entendida pela população como pilar fundamental do sistema de liberdades que a define como nação, que inicia pela liberdade de imprensa, associação, passa pela opinião, culto e manifestação e deságua em todos aqueles englobados nos direitos civis. Sem a democracia, as liberdades se perdem de forma rápida e perigosa. Benjamin Franklin escreveu sobre isso quando disse que “qualquer sociedade que renuncie um pouco da sua liberdade para ter um pouco mais de segurança, não merece nem uma, nem outra, e acabará por perder ambas”.

Devemos estar sempre atentos às marchas para suprimir a democracia. Não são poucas e se escondem de maneira sorrateira. Líderes travestidos de democratas, mas na realidade autocratas, fantasiados de imperadores, brotam em profusão ao redor do mundo. Vivemos tempos estranhos. O apreço pela democracia anda em baixa. No passado, momentos similares geraram resultados perigosos. O momento inspira atenção, afinal como disse Thomas Jefferson, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.

sexta-feira, novembro 29, 2019

O Caminhos de Moscou

Grandes nações buscam alcançar influência internacional. Esta é uma realidade ao longo da história. Mais recentemente, vivemos o período da Guerra Fria, onde Estados Unidos e União Soviética rivalizavam como os grandes atores do xadrez global. Com a Queda do Muro de Berlim, este eixo aos poucos passou a se deslocar para China, com a Rússia tentando resgatar sua relevância.

Moscou se movimenta para reencontrar sua posição de protagonismo e influência externa. Em termos geopolíticos, busca fazer jus a teoria de Sir Halford Mackinder, que coloca a nação que ocupa a posição geográfica onde está a Rússia como o principal ator da esfera internacional, a chamada “Heartland Theory”. Segundo esta visão estratégica, aquela nação que domina a área denominada como pivot, controlando a chamada “Heartland”, em última instância, governa o mundo.

A nação de Rachmaninoff, Rimsky-Korsakov, Prokofiev, Shostakovitch, Stravinski, Tchaikovsky e mais recentemente Gergiev, além de produzir grandes compositores e maestros, é conhecida também pela habilidade em lidar com os labirintos da política internacional, exercendo poder e influência em todos os continentes do mundo. O fim do período comunista serviu como combustível para Putin ascender como aquele que resgataria o brilho e poder da Rússia.

Naturalmente Moscou passou a buscar espaço internacional como forma de resgatar o poder de outrora, tentando exercer influência em pontos estratégicos, tanto economicamente, quanto em termos de geopolítica. Isto é uma tradição tanto russa, como de outras grandes nações que buscam resgatar seu protagonismo na esfera externa, exercendo o soft power, assim como o hard power.

Vemos incursões e alianças estratégicas na Síria, Venezuela e em países vizinhos na Europa, Ásia e inclusive na África. Em Caracas, diante da leitura deste cenário, Maduro buscou uma aliança com Moscou para realizar sua manutenção no poder, um movimento que fornece a oportunidade para os russos, diante da instabilidade do regime, em exercer influência e controlar a narrativa dos acontecimentos. A Venezuela, neste caso, tem o potencial para tornar-se um canal de interlocução e entrada da Rússia na região, que visa ampliar sua persuasão aos países vizinhos.

Com o objetivo sempre de ampliar a influência internacional, os caminhos são os mais distintos e trafegam por muitos canais. Se de um lado a diplomacia sabe manobrar os canais dos organismos internacionais, do outro, o soft power também encontrou seu caminho, uma estratégia usada no caminho de conquistar corações e mentes. Intercâmbios profissionais em áreas significativas que possam gerar impactos em tempos distintos, que nascem desde interações acadêmicas, passam pelo comércio e desaguam em áreas como comunicação, com media training para jornalistas estrangeiros, e outras formas de persuasão são os mecanismos usados nesta dinâmica. Os resultados já são claros e tangíveis. O crescimento da narrativa orientada pela Rússia tem sido usada cada vez mais frequentemente em diversos meios, desde a mídia, passando pela academia e comércio.

Neste diapasão se inserem os BRICS, onde Moscou possui uma influência seminal, assim como a China, mas se distanciam em termos políticos do Brasil, que neste governo adotou uma postura diametralmente oposta aos anos petistas. Nos tempos passados, os BRICS tinham uma postura não-alinhada, incentivados pela agenda Sul-Sul. Desta vez vemos que a declaração final silencia diante da crise na Bolívia ou o drama humanitário vivido pela Venezuela, regimes apoiados tanto pelo governo de Xi Jinping, como de Vladimir Putin, porém rejeitados por Bolsonaro. Percebemos que o respeito do Brasil pela democracia e o valor de suas instituições é antagônico a falta de tolerância com conceitos como direitos humanos e liberdade de expressão, mantida sob vigilância e muitas vezes sob ataque destes parceiros de bloco. Esta diferença talvez se transforme no principal desafio do grupo.

A liderança proporcionada pelo protagonismo nos BRICS reflete este novo momento da Rússia, que adota uma política externa ativa, de influência e com objetivos muitos concretos, usando tanto seu peso internacional em organismos multilaterais, bem como um avanço incisivo por meio do soft power. Desta forma consegue desenhar os acontecimentos ao redor do globo, moldando a seu modo o rumo da narrativa em prol de seus interesses. Um ressurgimento que, realizado de forma hábil e ordenada, tem o condão de ir além de reconstruir a o poder de outrora, mas de reorganizar o xadrez da geopolítica mundial.

O Brasil, como nação estratégica na geopolítica latino americana, deve ficar atento ao jogo global de poder e aos movimentos de Moscou. Ao buscar ser reconhecida e respeitada como uma nação influente, surgiram denúncias de violações de fronteiras e manipulação de processos eleitorais que, provados, constituem-se em ilegalidades internacionais que merecem atenção de países que buscam uma aproximação com a Rússia.

Se no passado, ainda sob o regime comunista soviético, Moscou se aproximou de nações como o Brasil e seus vizinhos, buscando acordos comerciais, alinhamento internacional e cooperação como forma de exercer influência, o modelo se repete décadas mais tarde. Cabe ao nosso país entender se este novo momento é o propício para buscar parceiros que dividem o apreço pelos mesmos valores democráticos ou se faremos coro a Sir Halford Mackinder, ajudando a restaurar o poder político da nação que repousa no pivot da Ásia. Um movimento delicado e que precisa ser muito bem pensado dentro do xadrez político mundial.

segunda-feira, novembro 25, 2019

Instabilidade Latina (18/11/2019)

A crise na Bolívia é apenas mais um capítulo da instabilidade política que chegou aos países latino-americanos recentemente. A queda de Evo Morales não deixa de ser mais um sintoma dos ares conservadores que chegaram nesta parte do mundo, potencializados pela fadiga de governos demasiadamente longos. De qualquer forma, nada é mais saudável para a democracia do que a alternância de poder.

Considerando os aspectos democráticos, é salutar enxergar a troca de viés político em muitos governos latino-americanos. A chegada de novos líderes, com ideias diferentes e planos de governo renovadores fazem bem para a consolidação democrática da região. Ao mesmo tempo, aqueles que ocuparam o governo agora possuem uma missão desafiadora: exercer uma oposição responsável e mostrar-se como uma opção viável de poder.

A instabilidade que chegou a diversos países da região tem razões distintas, contudo, se retroalimentam no sentimento de renovação que move as manifestações vistas nos países vizinhos. Assim, a crise no Peru precede a instabilidade no Equador; a tensão cresce no Chile e depois se instala na Bolívia. Apesar de serem crises pontuais e nacionais, torna-se difícil dissociar cada uma na medida que ocorrem.

No caso da Bolívia, que há tempos contava com um mesmo governo, houve uma ação rápida e efetiva da Organização dos Estados Americanos (OEA), que, diante do imbróglio eleitoral, conseguiu se posicionar de forma firme e eficaz como instrumento garantidor da democracia. Depois da renúncia de Morales e a instalação de um governo provisório, o que se espera é o retorno da normalidade institucional mediante eleições livres e diretas, que expressem de maneira limpa a vontade dos bolivianos.

Tudo indica que é possível também reverter a crise no Chile, que pode estar rumando para reescrever pela primeira vez sua Constituição depois do período de exceção. Detentor de instituições sólidas e uma economia estabilizada, o governo de Santiago tem tudo para acalmar a situação e pacificar o país, que tende a sair mais forte e democrático depois de todo este processo.

Como vemos, ponto a ponto, seja com ajuda interamericana, como no caso da Bolívia e Peru, mas também com esforços internos, como no Chile, os países da região tendem a conseguir sair de suas crises. Resta neste jogo a Venezuela, cada vez mais isolada nesta nova configuração de forças na medida em que Maduro partiu para a radicalização do regime e governos conservadores chegaram ao poder na região.

Diante da polarização no Brasil, este é o momento de se trabalhar na convergência das relações políticas para que a instabilidade que ronda o continente não desembarque por aqui. Afinal, reconstruir a democracia é muito mais trabalhoso do que evitar fissuras nas estruturas institucionais.

sábado, novembro 23, 2019

Convergência Argentina (04/11/2019)

A política percorre caminhos curiosos. A eleição de Alberto Fernandez para a Presidência da Argentina é um desses casos. Muito mais além do que qualquer raciocínio simplista, é preciso enxergar que a escolha de Fernandez abre um espaço maior de diálogo na sociedade argentina fazendo inclusive com que as boas políticas de Macri possam gerar mais resultados.

Para entender o que se passa na Argentina, precisamos ir muito além desta eleição. É necessário compreender a dinâmica de poder das instituições do país e perceber onde está a balança que equilibra a estabilidade nacional. Mais do que um resultado em 2015, Macri fez parte de um processo de distensão da política com reflexos no peronismo, que resulta na escolha de Alberto Fernandez com candidato. Percebemos que aos poucos o país começa a reconstruir seu sistema político com espaços bem definidos, ao mesmo tempo que constrói caminhos pelo centro.

O novo presidente tem estas características. É um profundo conhecedor da burocracia argentina, ao mesmo tempo que possui trânsito em diversas frentes do peronismo, desde núcleos mais à direita e também às mais hegemônicas na história recente, identificadas com as forças de esquerda. Isto quer dizer que ele possui um potencial enorme em unificar a frente peronista em torno de seu projeto político.

Fernandez trabalhou no governo Menem e também teve passagem pela administração de Alfonsín, quando a Argentina abriu seu capítulo democrático pós-regime militar. Chegou ao governo Kirchner depois de convencer o então presidente Duhalde a apoiar o nome de Néstor, que se elegeu em 2003. Esta habilidade política e trânsito em diversas frentes devem ajudar muito o país a encontrar um equilíbrio institucional duradouro.

Depois de cruzar os dois lados do espectro político, a Argentina optou por deixar de transitar no limiar das ideologias e se coloca de forma mais inteligente ao centro. Um movimento que em uma sadia alternância de poder pode ainda devolver o governo ao macrismo diante de um candidato mais centrista. De qualquer forma, se abre um caminho ao centro pela esquerda e também pela direita, uma equação que pode se tornar uma decisão muito sadia em um momento em que muitos países optam pelo confronto ao invés do entendimento.

Portanto, Alberto Fernandez, para além de uma eleição, é uma mensagem de que a Argentina parece ter optado por um caminho ponderado, algo demandando pelos eleitores, que rejeitariam caminhos extremos depois de um período de instabilidade institucional. A transição, diante de uma cordialidade exemplar, sem sobressaltos, mostra que o país caminha em direção a uma maturidade que somente trará benefícios para sua economia.

Ao acomodar o peronismo, levando o movimento mais ao centro, diante de políticas racionais, Fernandez cria em torno de si uma importante oportunidade para os argentinos.

domingo, novembro 17, 2019

Drama Humanitário (07/10/2019)

A Venezuela vive momentos difíceis. A falta de comida e medicamentos tem empurrado a população para além das fronteiras do regime de Maduro. Uma crise humanitária sem precedentes com reflexos para os países vizinhos. Cruzar os limites de seu país tornou-se a única alternativa para parcelas significativas da população.

Se no começo o êxodo se dava simplesmente por motivos políticos, hoje a situação tomou contornos mais dramáticos. Aqueles que deixam o país não são mais os que simplesmente discordam do governo bolivariano de Maduro, mas também os que não possuem mais alternativa, famintos e doentes. Pessoas que cruzam a fronteira simplesmente para tentar sobreviver.

Fato é que isso decorre da radicalização do regime, que tornou-se mais densa e profunda desde a chegada de Maduro ao poder. Um processo que, apesar perigoso nos tempos chavistas, tornou-se dramático com a chegada de seu sucessor. Ao mesmo tempo que enterrou qualquer aspecto moderado do regime, aprofundou suas piores práticas e políticas.

Esta guinada no regime chavista operada por Maduro atingiu em cheio os países que fazem fronteira com a Venezuela. Colômbia, Brasil, Guiana e nações caribenhas são destinos naturais, mas espalham-se refugiados também no Chile, Peru, Equador, Paraguai, Uruguai, Argentina, Panamá, México e Costa Rica. Uma realidade que não permite omissão, mas que também gera reflexos para as populações locais.

Roraima, com uma fronteira completamente aberta com a Venezuela, é a principal porta de entrada no Brasil. A caminhada de 200 km da fronteira até Boa Vista é realizada todos os dias por 500 pessoas que chegam na capital. Uma realidade que já trouxe mais de 100 mil novos habitantes, fazendo com que a população aumentasse de 300 mil para 400 mil, um impacto sem precedentes para o Estado.

Hoje, aqueles que possuem melhor instrução, treinamento ou algum parco recurso deixam Roraima, buscando abrigo em outros pontos do Brasil. Ficam em Boa Vista aqueles mais necessitados, doentes e sem escolaridade. Um desafio sem precedentes para uma cidade pacata, organizada e segura, que aos poucos enxerga uma drástica mudança em sua realidade. Atualmente, sete em cada dez nascimentos em Boa Vista são de refugiados venezuelanos.

Diante da pressão internacional, o regime de Maduro chegou a sofrer um abalo no começo do ano, entretanto, ao conseguir se manter no poder, renasceu mais forte. Atualmente, possui controle do país e de suas instituições, contando com a ajuda também de atores importantes no tabuleiro das relações internacionais. Isto significa que a tragédia humanitária seguirá trazendo reflexos para os países vizinhos, em especial o Brasil, que precisa de forma urgente traçar um plano eficaz em nossa fronteira que vá muito além da Operação Acolhida organizada pelos militares. Já passou da hora de voltarmos nosso olhar para Roraima.

quinta-feira, novembro 14, 2019

Privatizar e Mudar (16/09/2019)

O Brasil vive uma situação de enorme desequilíbrio fiscal. Depois dos esforços realizados no Plano Real, o país desistiu de fazer reformas profundas que pudessem realmente mudar o estado de coisas. As tentativas foram sempre no sentido de evitar o pior, porém jamais em buscar uma solução definitiva para o problema.

As saídas sempre são as mesmas, ou seja, aumentar a arrecadação majorando impostos. Este fantasma passou a assombrar os brasileiros na última semana diante da ideia de recriar um tributo nos moldes da antiga CPMF. A solução, entretanto, não está no aumento da receita do governo, mas na diminuição de sua despesa.

Nosso modelo econômico ainda data dos anos varguistas. Apesar das reformas realizadas por Fernando Henrique, que diminuíram o peso do Estado em alguns setores, ainda restou muito a ser feito. Depois deste período, com as contas em ordem, houve uma profusão irresponsável de estatais e agências que novamente colocaram em xeque as contas públicas.

O Brasil possui atualmente cerca de 130 empresas estatais federais, das quais 46 são de controle direto e 84 são subsidiárias da Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa, Correios e BNDES. Se somarmos o número de empresas controladas direta ou indiretamente por União, Estados e municípios, o número chega a assustadores 418.

O custo de carregamento desta burocracia é enorme. Somente no âmbito das empresas federais, os brasileiros desembolsaram R$ 14,8 bilhões em gastos com pessoal, investimento ou sua manutenção no último ano. De acordo com o Tesouro, no mesmo período, a União gastou R$ 9,3 bilhões a mais com empresas estatais do que arrecadou. A conta realmente está longe de fechar. Neste cálculo não entram despesas com agências, autarquias, fundações e superintendências que poderiam simplesmente ser extintas. Se na década de 70 foram criadas 52 estatais pelos militares, nos anos petistas foram instituídas outras 41.

Nosso país, que deseja fazer parte da OCDE, tem um longo caminho a trilhar nesta frente, uma vez que o Brasil possui o maior número de estatais em comparação com os 36 membros da organização. Em termos globais, diante das grandes economias, percebemos a profundidade de nosso vetusto modelo. Se aqui possuímos 418 estatais, na França existem 51, na Alemanha 71, Suíça apenas 4, Bélgica, 12, Áustria, 10 e Dinamarca 21. Estados Unidos e Reino Unido apenas 16. Na América Latina, Argentina possui 59 e Colômbia 39, enquanto o Chile tem 25. Austrália e Japão possuem 8.

Precisamos de um Estado mais enxuto e eficiente, que desonere as empresas e o cidadão da pesada obrigação de financiar o país por intermédio do governo. Mudar o país é tarefa complexa. Carregamos no Brasil uma herança e uma visão de mundo ultrapassadas. Este governo tem o obrigação de não empurrar a conta para o contribuinte. É preciso romper com estes paradigmas para avançarmos e mudar o país de forma definitiva, finalmente rompendo com uma matriz superada e ineficiente, que somente gerou atraso, desemprego, corrupção e desalento.

sábado, setembro 14, 2019

Vácuo Político (02/09/2019)

A polarização da política brasileira tem aberto espaço para o surgimento de novos atores que buscam espaço no cenário eleitoral. Estamos diante de um vácuo criado pela Lava Jato e nossa troca de ciclo político. Assim como na Itália, depois da Operação Mãos Limpas, a classe política foi praticamente dizimada pelas urnas, abrindo-se um espaço que foi ocupado por uma nova direita. As consequências destes movimentos do eleitor deixam marcas profundas no cenário político e podem ser responsáveis por mudar suas estruturas.

Esta mudança que observamos vem marcada especialmente pela polarização, um fenômeno que funciona como combustível para líderes populistas tanto na direita, quanto na esquerda. São posições que se retroalimentam em seu antagonismo e necessitam da existência do outro para manter acesa a chama de seu discurso político. Ao absorver esta narrativa, insere o eleitor em uma dinâmica perigosa que vai além de suas agendas e se firma na simples disputa pelo poder.

Este estado de coisas se impõe geralmente quando surgem vácuos políticos, fenômenos responsáveis por ceifar o establishment. A ascensão dos governos que sucedem estes episódios tem o mesmo condão, renovar a política de fora para dentro, mudando seus atores, práticas e dinâmica.

Entretanto, pode-se tornar um movimento perigoso, uma vez que o afastamento de figuras tradicionais vai além de varrer as velhas práticas, pois também remove as qualidades que fornecem estabilidade institucional, geralmente caracterizadas pela temperança, diálogo, concertação e entendimento, habilidades fundamentais para os atores que se movem na política. O grande risco deste salto em direção ao incerto se caracteriza pelo perigo de esgarçamento das instituições e possibilidade de rompimento das garantias democráticas. Mas como sabemos, a tática da destruição para reconstrução geralmente está presente nestes movimentos.

Ao enfrentar esta dilema na década de 90, a Itália conseguiu se equilibrar, uma vez que o pêndulo político interno estava em contraponto com o externo, o que ajudou a reorganização política e o surgimento de novas forças ao longo dos anos seguintes. No período atual, ao contrário, enxergamos o movimento pendular para um dos lados, para uma nova direita que mostra-se cada vez mais robusta e que dialoga internacionalmente com desenvoltura e naturalidade.

Fato é que diante da polarização e do vácuo político, diversos grupos começam a se organizar, cientes de que podemos estar diante de um ciclo que pode se retroalimentar ao longo dos anos. Movimentos centristas, que buscam aliar políticas de esquerda e direita, sendo liberais na economia e atuantes na frente social começam a tomar forma e tentar se contrapor ao cenário atual. Neste panorama, a dinâmica política ainda está em acomodação e poderia reverter em favor de grupos que desejam rever as velhas práticas, porém mantendo suas virtudes. O vácuo de poder cria oportunidades variadas e o Brasil está exatamente no meio deste processo.

Dilema Liberal (26/08/2019)

O Brasil flerta com diferentes visões de mundo ao longo dos tempos. Já passamos pelo populismo getulista, autoritarismo militar, social-democracia tucana e também pelo sindicalismo petista e trabalhismo janguista. Mais recentemente nossa política transita por um novo conservadorismo, uma linha que aos poucos se molda no poder. Ao largo de todo este processo está o liberalismo, que dificilmente penetra no cardápio político brasileiro, refém de políticas patrimonialistas ao longo de sua história.

Entende-se por liberalismo as políticas de Estado Mínimo, com reduzida ingerência do governo em temas econômicos, sem qualquer interferência nos direitos e liberdades individuais, base da democracia. Os fundamentos destas liberdades e a limitação do papel do governo foram descritos de maneira objetiva pelos Founding Fathers dos Estados Unidos, tanto nos Federalist Papers, como nos textos legais produzidos por Thomas Jefferson e James Madison.

Fato é que os americanos jamais dissociaram estas liberdades, enxergando as individuais, ampliadas em abrangência ao longo da história, como o principal corolário da sociedade. A democracia tornou-se base das instituições e sobre sua existência e seus pilares reside a sociedade norte-americana.

No Brasil, a supressão das liberdades passou por diferentes momentos. As de caráter individual foram diversas vezes suprimidas, enquanto os pilares da sociedade eram construídos em torno do poder dos governos, fortalecendo o papel do Estado como indutor da economia e do desenvolvimento.

Com a redemocratização, ressurgem com enorme força as liberdades individuais, caracterizadas pela imprensa livre, direito de manifestação e associação política, amparadas por uma Constituição que consagrou os direitos individuais. O poder econômico, entretanto, permaneceu nas mãos do poder político, traduzido pela forte intervenção dos governos na economia.

Para mudar este estado de coisas, começaram a surgir os primeiros grupos liberais, que de forma organizada, focaram especialmente no âmbito econômico, uma vez que as liberdades individuais haviam sido reconquistadas, afinal como dizia Margaret Thatcher, não existem liberdades individuais sem liberdade na economia.

Com a ascensão de uma nova direita mundo afora, os liberais encontraram um desafio a ser vencido: como se comportar diante de governos que adotam a agenda de liberdade econômica, porém flertam de forma perigosa com uma nova forma de autoritarismo que pode interferir nas liberdades individuais. Legitimá-los pode significar dar um passo em direção a governos autocráticos. Confrontá-los, retroagir na agenda econômica. Neste ponto reside o dilema real vivido pelos verdadeiros liberais ao redor do mundo.

Avanços Externos (19/06/2019)

A nossa política externa virou tema de debates acalorados, o que não deixa de ser positivo para chamar a atenção do grande público para a importância da estratégia de inserção internacional para o desenvolvimento, o bem-estar e a segurança dos brasileiros. O lado negativo desse debate, porém, é o risco de uma simplificação para ganhar pontos no debate político, impedindo uma análise isenta e objetiva dos resultados concretos. É perceptível a tendência à crítica automática por parte de quem se opõe ao que tem sido alcançado, enquanto os apoiadores tecem loas à política vigente sem apresentar as evidências. Já chegou o momento de nos debruçarmos de forma objetiva sobre o que tem sido realizado.

E, de fato, nesses seis meses já é possível lançar um olhar retrospectivo que nos permite fazer um balanço dos avanços de nossa política exterior sob comando do chanceler Ernesto Araújo com base na evidência empírica. O pressuposto do exercício é muito claro: existe um mandato das urnas para dar novo rumo à política externa, privilegiando parcerias antes negligenciadas e utilizando-as para promover os valores e interesses nacionais. Como essa orientação geral e estratégica tem se traduzido na prática? Alguns exemplos podem ajudar a aferir os resultados alcançados: as relações com Estados Unidos, Israel e China; as negociações Mercosul-União Europeia; e os esforços pela democracia na nossa região, em especial no tocante à Venezuela.

Os Estados Unidos foram o primeiro destino bilateral de viagem internacional, resgatando um lugar de destaque a esse que é um parceiro fundamental, país que ocupa o primeiro lugar como comprador de nossas manufaturas e principal fonte de investimentos estrangeiros no Brasil. A convergência de visões de mundo entre os governos precipitou o avanço em tempo recorde de negociações em andamento e abriu novas avenidas de cooperação.

Entre os exemplos concretos, destacam-se a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, que permitirá o uso comercial do Centro de Lançamentos de Alcântara; o apoio decisivo dos EUA para o ingresso do Brasil na OCDE, espécie de clube de boas práticas que asseguram transparência e eficiência das políticas públicas; a designação do Brasil como aliado preferencial extra-Otan dos EUA, abrindo nossas possibilidades de cooperação, inclusive integração das bases industriais de defesa; e a construção de uma nova Parceria para a Prosperidade, que deve levar à negociação de acordos mais ambiciosos para remoção de barreiras ao comércio e aos investimentos.

Com Israel não foi diferente. Por muito tempo, o Brasil deu as costas a um parceiro fundamental, conhecido como “Start-up Nation”, por seus avanços extraordinários em matéria de ciência, tecnologia e inovação. Não resta dúvida de que, se queremos um país competitivo e conectado às cadeias de valor mais dinâmicas no mundo, é preciso forjar parcerias com quem entende de inovação. Essa conexão com Israel, portanto, tem base em nossos valores judaico-cristãos, que não devem ser desprezados como motor na aproximação bilateral, mas tem também uma dimensão de desenvolvimento econômico e prosperidade que está sendo explorada ao máximo, em benefício da sociedade brasileira.

Os críticos costumam mencionar a aproximação com Israel como um elemento negativo, já que alienaria os parceiros árabes e muçulmanos, importantes compradores de proteína animal. Há aí uma grande dose de simplificação interessada ou franca distorção. Não se fez nada em detrimento das relações com países árabes, que continuam aumentando suas compras do Brasil porque sabem que o nosso país é um fornecedor confiável de alimentos de alta qualidade, respeitando os ritos islâmicos na sua preparação. Não se substitui um fornecedor como o Brasil sem gerar insegurança alimentar. Da perspectiva política, graças aos esforços do Itamaraty, foi possível dissipar inquietações fundadas em leitura equivocada, já que melhorar as relações com Israel apenas ajuda a termos uma política externa mais equilibrada, capaz de contribuir para a paz e a prosperidade no Oriente Médio.

É também motivo de distorções o relacionamento com a China. Nossa política externa nunca questionou a importância daquele país como parceiro do Brasil nem buscou criar animosidades de qualquer natureza. O que mudou não foi o entusiasmo em manter as melhores relações possíveis com a China, mas o fim da passividade ao se procurar, de maneira ativa, buscar benefícios dessa relação que ajudem no desenvolvimento de longo prazo do Brasil. Queremos investimentos, mas os chineses devem responder não apenas a seus interesses comerciais no escoamento de commodities, mas ajudar a melhorar a infraestrutura que alavanque o desenvolvimento de outros setores. Queremos seguir vendendo minério de ferro e soja, mas é fundamental que os chineses abram o mercado para frango e açúcar, bem como ampliem a compra de produtos de maior valor agregado.

No campo das negociações comerciais, estamos começando a romper o isolamento do Brasil e do Mercosul, bloco que não tem nenhum acordo de livre comércio com nenhum parceiro de peso. Graças a uma postura favorável à abertura comercial, entendida como uma das chaves para o aumento da competitividade da nossa economia, as negociações com a UE estão praticamente fechadas, restando apenas um endosso político dos países. Essa negociação é apenas o primeiro passo para fechar outras já em andamento com o EFTA, Canadá, Coreia do Sul e Cingapura. Esta gestão do Itamaraty legará uma integração do Brasil a mercados de grande dinamismo. Venderemos mais e compraremos insumos a preços competitivos, o que tende a estimular o desenvolvimento industrial e agrícola do país.

Aos críticos de nossa política externa, faria bem sacudir os preconceitos ideológicos e enxergar a realidade dos fatos, que demonstra de maneira cabal avanços concretos na esfera internacional para o país. Uma guinada diplomática profunda, que deixará marcas extremamente positivas para o futuro do Brasil.

Parlamentarismo Britânico (29/07/2019)

A chegada de Boris Johnson ao governo britânico é significativa em muitos aspectos. É o avanço de uma ala dos Conservadores que estava de fora das grandes decisões, afastando os tories do centro político e de possíveis iniciativas convergentes, bipartidárias, com os trabalhistas. Ao mesmo tempo, leva toda uma nova geração do partido mais para perto das bases, ocupando um espaço onde grupos nacionalistas e de direita começavam a transitar com desenvoltura. 

Este novo governo britânico pode trilhar dois caminhos. Um deles é o fortalecimento dos Conservadores, enfraquecendo as bases dos novos partidos de direita. O outro é abrir espaço para o avanço destes nacionalistas em eleições futuras. Tudo depende do êxito ou do fracasso de Boris em Downing Street, algo que será decidido pelo erros e acertos no caminho que leva ao Brexit.

Para além do confronto de forças políticas, vemos o parlamentarismo britânico mais uma vez funcionar como elemento eficaz no jogo da estabilidade democrática institucional. Com o desgaste de Theresa May, não havia alternativa senão a troca da liderança do partido com maioria no parlamento e consequentemente mudança do Primeiro-Ministro. O mesmo já havia acontecido com seu antecessor, David Cameron, que depois de vencer os trabalhistas e levar os conservadores novamente do poder, renunciou por ficar do lado derrotado no referendo relativo ao Brexit. 

O poder de reorganização do parlamentarismo proporciona momentos como este. Johnson irá terminar o mandato de May, conquistado nas urnas em 2017. May, por sua vez, quando chegou ao poder, terminaria o mandato de Cameron, reeleito em 2015, mas antecipou o pleito de 2020 para 2017 a fim de obter mais densidade política para negociar o Brexit. Sua aposta foi equivocada e os conservadores perderam a larga margem que tinham obtido sob a liderança de Cameron. Perderam 13 assentos, enquanto os trabalhistas ganharam 30. A queda de May tornou-se uma questão de tempo. 

O Reino Unido é divido é em 650 distritos, que elegem por maioria absoluta 650 deputados com assento na Câmara dos Comuns e que escolhem dentro da coalizão ou partido vencedor, o nome do Primeiro-Ministro. Boris Johnson herda um governo de coalizão formado por May, sem maioria absoluta no parlamento e precisa enfrentar as urnas somente em 2022. Não será uma tarefa fácil. Um nova dissolução do parlamento com o chamamento de novas eleições, antecipando o fim do termo, pode levar os trabalhistas ao poder. 

Fato é que o sistema parlamentarista tem uma capacidade de revisão, renovação e reorganização invejáveis. Sem os trâmites e traumas do impeachment no sistema presidencialista, oferece alternativas rápidas e seguras dentro das regras institucionais. Com modelos políticos como o britânico, que ainda conta com o sistema distrital, um governo mal escolhido nunca se torna uma agonia comprada a prazo. No parlamentarismo, a democracia surge como o elemento essencial, que implementa as correções de rumo necessárias para evitar governos disruptivos e populistas.

Direita Volver (22/07/2019)

O pêndulo da política se move de maneira análoga ao redor do mundo. Governos de esquerda, direita, social democratas ou liberais tendem a se estabelecer ao mesmo tempo em diferentes países. Um movimento coincidente que oscila ao longo dos anos, abrindo espaço para novas ondas.
Na década de 90, no final do século passado, havia um claro movimento pendular em favor da social democracia. Chegavam ao poder nomes como Bill Clinton, Tony Blair, Fernando Henrique, Gerhard Schröder, Romano Prodi e Nelson Mandela. Este foi um período que sucedeu uma onda conservadora, liderada por Ronald Reagan, Margaret Thatcher e Helmut Kohl.

Nos dias de hoje tudo indica que o mundo segue em firme deslocamento para a direita política, entretanto, uma direita diferente do movimento conservador anterior. Esta nova safra de políticos adota política liberais na economia, pautas conservadoras nos costumes, mas ao mesmo tempo cria um vínculo direto com o povo, comunicando-se sem intermediários com seu eleitorado, tentando movimentar a população ao seu favor. 

Ao mesmo tempo vemos o crescimento de governos autocráticos, que sobem um degrau nesta escala, sejam de direita ou esquerda, e usam os poderes do Estado na economia de forma a ajustar sua permanência no poder. Isto gera o surgimento de governos fortes que buscam fortalecer a imagem do mandatário, como ocorre com Recep Erdoğan, Vladimir Putin e também com Xi Jinping. 

O crescimento da nova direita ainda está em curso e deve avançar em outros países, especialmente na Europa, onde já venceram eleições com Sebastian Kurz e Heinz-Christian Strache na Áustria, Matteo Salvini na Itália, Mateusz Morawiecki na Polônia, Viktor Orbán na Hungria e com a ascensão do Partido Popular Suíço (SVP), Partido do Progresso Norueguês (FrP) e o Partido Popular Dinamarquês (DF). Além disso, movimentos independentes e partidos como a Frente Nacional na França e UKIP no Reino Unido tem crescido a cada eleição. 

Estes políticos e partidos não se confundem com os antigos conservadores europeus, como a Democracia Cristã na Alemanha, Populares na Espanha, Republicanos na França ou mesmo os Tories no Reino Unido. A nova direita tem ocupado o espaço que os antigos conservadores não conseguiram preencher e aos poucos assumem o comando de diversos governos. Foram responsáveis pela campanha do Brexit e pela ascensão de Donald Trump dentro do Partido Republicano dos Estados Unidos.

A chegada de Jair Bolsonaro ao poder no Brasil segue o fluxo pendular em favor desta nova direita, que ainda está em franco crescimento em outros países. A tendência é o aumento do domínio desta corrente pelos próximos anos, até que os ventos da política comecem a soprar em outra direção. 

Protagonismo Parlamentar (08/07/2019)

O Congresso Nacional experimenta uma sensação única. Se desde a redemocratização tem participado como coadjuvante das  decisões nacionais, um simples carimbador de decisões do Planalto, a sensação é de que algo mudou. Diante do vácuo de liderança política criado por este governo no relacionamento com os parlamentares, abriu-se uma janela de oportunidade para Câmara e Senado viverem um protagonismo ainda não experimentado em tempos recentes.

O maior exemplo é a Reforma da Previdência, que jamais passaria sem o apoio das presidências das duas casas legislativas federais. Diante de um texto em que a economia chega praticamente a um trilhão em dez anos, algo que satisfaz de forma inquestionável o Ministro Paulo Guedes, o Planalto parece agir em sentido contrário, articulando para que a reforma seja desidrata em função de grupos que apoiaram o Presidente, como os policiais.

Na mesma frente, o maior receio para votação em plenário nesta semana, é a atitude daquele partido que deveria estar liderando este processo, o PSL, mas que em votações importantes para o governo inclusive já entrou em obstrução. Quando a oposição surge nas próprias trincheiras, impulsionado por aqueles que propuseram a reforma, incentivada pelo próprio Planalto, abre-se o vácuo para que a paternidade política do ajuste caia no colo do próprio Congresso Nacional.

Diante disso, Rodrigo Maia já começou a trazer a iniciativa de governar para dentro do parlamento. A proposta de Reforma Tributária, por exemplo, nascerá por iniciativa da Câmara dos Deputados e quando o governo acertar sua proposta, esta será apensada na do legislativo. Desta forma, o Congresso Nacional toma as rédeas do processo político, ocupando um vácuo de poder deixado pelo Planalto, passando a governar de dentro do parlamento. Um protagonismo parlamentar jamais visto na história recente.

Este renascimento do Congresso Nacional, assumindo a frente do debate político, se impõe por dois fatores: um governo que apostou em uma nova forma de liderança que passa pela rejeição a política e líderes políticos que apostam no vazio deixado por este governo para exercer a sua própria liderança. Desta dinâmica surge o protagonismo parlamentar que pode nos encaminhar para uma forma inusitada de parlamentarismo branco, afinal, é impossível implementar uma nova política sem reformas que alterem os alicerces do Presidencialismo de Coalizão.

 A aprovação da Reforma da Previdência, articulada por Maia, será o primeiro capítulo deste processo, que em breve deve adentrar pela Reforma Tributária e outras que venham na agenda dos Presidentes das duas casas. Este movimento leva a iniciativa política para dentro do parlamento, esvaziando as ações presidenciais. Se o Planalto não se posicionar de forma inteligente, perderá as rédeas da condução do debate para o parlamento, afinal, na política, não existe vácuo de poder.

Livre Comércio (01/07/2019)

O acordo entre Mercosul e União Europeia deve ser encarado como um passo importante de nosso país rumo ao livre comércio. O Brasil é um país fechado, que ao contrário de outras nações, não faz uso pleno de seu amplo potencial exportador e importador, o que também interfere na atração de investimentos. Ao fazer a opção pelo protecionismo, nosso país se isolou dos fluxos internacionais de comércio, algo que precisa mudar se deseja alcançar novos patamares de crescimento.

Neste sentido, o acordo com a União Europeia torna-se um facilitador deste entendimento. Hoje, o Brasil, que poderia ser importante player dos fluxos de trocas internacionais, está presente em apenas 1,3% do comércio internacional, um patamar que não condiz com nosso potencial, mas é explicado pelas opções equivocadas que os governos passados tomaram, optando por um caminho ideológico onde faltava pragmatismo e visão de futuro.

Países como Alemanha, Japão, Chile, China, Espanha, Cingapura e Coréia do Sul conseguiram mudar de patamar usando como instrumento impulsionador o livre comércio. Se um país deseja crescer e avançar em termos tecnológicos, é preciso derrubar barreiras e abrir as portas ao comércio internacional. O isolacionismo, caminho contrário, é grande responsável pelo atraso vivenciado por tantas outras nações como o Brasil. Políticas protecionistas e de substituição de importações nunca jogaram uma nação sequer em um ciclo virtuoso e sustentado de crescimento.

Diante dos avanços nas negociações internacionais, o Brasil também precisa olhar para si mesmo e se preparar para entrar nesta nova dinâmica que se apresenta. Refém de políticas que possuem compromisso com o atraso, nosso país precisa apresentar reformas para tornar-se mais competitivo, destravar amarras regulatórias, equilibrar as contas públicas, tornando o governo mais enxuto e ágil, abrindo caminho para que nossas empresas possam entrar no jogo de forma competitiva. A falha em produzir estas reformas agora, forçará que no futuro sejam realizadas por pressão de nossa economia. O Brasil precisa deixar de ser o seu pior inimigo.

Vivemos um momento único, que significa maior abertura e integração, traduzido pelo acordo com os europeus, mas também por conquistas recentes de nossa diplomacia, como os apoios para a entrada na OCDE, acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos e outros que eliminam a bitributação com diversos países, além de cooperação com Israel, Japão e Emirados Árabes. Isto sem contar o campo político, que carrega claros desdobramentos econômicos: colhemos o status de aliado preferencial extra-Otan e impulsionamos a criação do Prosul.

Um horizonte virtuoso está sendo construído, cabendo ao nosso país aproveitá-lo de forma inteligente e objetiva. Os vários desdobramentos destas políticas de abertura comercial podem fazer com que o comércio internacional finalmente torne-se parte da agenda brasileira, gerando resultados tangíveis para nossos exportadores e fortalecendo nossa economia, afinal vivemos um período de reglobalização, onde  a interdependência prevalece sobre o isolamento.

Liberalismo e Democracia (10/06/2019)

O liberalismo passou ao largo da história brasileira, especialmente no tocante aos temas econômicos. Sempre é lembrado, parcialmente, diante da necessidade dos governos encontrarem o equilíbrio perdido das finanças públicas, mas novamente é esquecido assim que a situação apresenta uma leve melhora, mergulhando o país novamente em práticas nada recomendáveis. 

Este movimento cíclico traduzido pelo baixo crescimento do Brasil ao longo dos anos tem reflexos nos níveis de emprego, renda e outros tantos indicadores. Nosso país nunca viveu um ciclo liberal pleno e completo. Nossa economia é resultado de sucessivas políticas de intervenção do governo que acabam por socorrer-se de políticas liberais, como privatizações e concessões, quando a necessidade se impõe.

Entretanto, não somente de liberalismo econômico se faz uma nação. É preciso que o rol de liberdades se estenda para o lado individual, certificando ao cidadão garantias fundamentais de exercício de seus direitos democráticos. No Brasil, fizemos a transição do ciclo militar para o civil em busca das liberdades individuais, entretanto, sem lembrar que também deveríamos ter nos atentado para as liberdades econômicas, negligenciadas pelo regime militar estatista, de cunho antiliberal, que ocupava o poder.

No Chile o exercício foi o oposto. Durante o regime de exceção, o país fez a transição econômica, liberalizando seu mercado, para somente depois reintroduzir as liberdades democráticas. Modelos opostos entregaram países diferentes quando ambos adentraram na democracia. Ao rejeitar o estatismo, os militares chilenos fizeram a opção correta, adotando políticas de um livre mercado, ao contrários dos brasileiros, que agarrados a um modelo fracassado, entregaram um país hipertrofiado pelo excesso de presença do governo na economia que gerou uma década perdida de hiperinflação. 

Assim, a chegada da equipe de Paulo Guedes ao governo representa, de forma objetiva, um sopro de boas notícias para nossa economia, uma vez que depois de muito tempo, existe a possibilidade da adoção de uma reforma liberal profunda nos fundamentos de nosso governo. Entretanto, em uma democracia, nada se faz sem habilidade política. Boas práticas não impõe-se simplesmente por serem as medidas corretas. É preciso enfrentar o terreno da política para que sejam implementadas. 

Se no Chile, as reformas puderam ser impostas pelo governo, uma vez que o país não vivia em uma democracia, no Brasil dos dias de hoje, a situação é bem diferente. É responsabilidade do governo garantir maioria nas casas parlamentares para aprovação de suas medidas. Se liberalismo rima com democracia, a função do governo vai além, confundindo-se no sistema de freios e contrapesos, com a responsabilidade real de defender sua agenda no parlamento. Diante de um time de peso na economia, recomenda-se não rejeitar a política, mas usá-la como instrumento legítimo e democrático para a implementação das reformas liberais que podem mudar a face do nosso país.

Pequenas Vitórias (07/01/2019)

Ponto fundamental para o começo do governo Bolsonaro são as reformas pretendidas pelo Planalto. As frentes são as mais variadas e caminham desde a economia, passando pelas relações exteriores e chegando em áreas como justiça e educação. Este é o maior desafio do governo, entregar resultados tangíveis em áreas estratégicas de forma rápida e eficiente.

Um pacote de medidas proposto pelo Ministro Sérgio Moro deve chegar em breve ao novo Congresso, que toma posse na virada de janeiro para fevereiro. O mesmo deve ocorrer com a área econômica, que precisa enfrentar o perigoso problema do déficit das contas públicas, avançando em um primeiro momento com a Reforma da Previdência, ampliando-se para outras frentes logo mais adiante.

Ponto central neste mecanismo são as pequenas vitórias que diversas áreas do governo podem apresentar, mas que não dependem de macro reformas dentro do parlamento. Neste sentido, a herança deixada pelo Presidente Michel Temer é positiva, pois em algumas frentes asfaltou o caminho para que o governo que chega consiga atingir resultados rápidos, especialmente na economia.

Outra área que mostrará uma virada mais significativa no curto prazo são as relações exteriores, comandadas pelo Embaixador Ernesto Araújo. A direção que segue a diplomacia brasileira é muito clara e representa uma forte guinada na direção de posições sólidas e construção de pontes com nações que convergem com os rumos propostos pelo Presidente Bolsonaro. A aproximação com os Estados Unidos é ponto primordial desta agenda. Uma convergência entre os dois grandes países das Américas representa um peso significativo na dinâmica geopolítica da região.

Na Infraestrutura o caminho também é promissor, pois passa por um pacote de privatizações que devem avançar muito neste primeiro ano. Com a economia equilibrando as contas e as relações internacionais apontando para alianças com países que convergem com os valores democráticos e de liberdade, a atração de investimentos se torna uma tarefa mais fácil. Um movimento que funcionará muito bem para que a infraestrutura brasileira possa se tornar mais moderna e dinâmica, lançando o Brasil em um novo patamar logístico que facilite a ampliação da agenda de negócios.

É importante que as ações do novo governo avancem em sintonia, como uma orquestra, de forma equilibrada e inteligente. Esta harmonia fornece rumos interconexos entre as diversas áreas do governo, movimentos que pode mudar rapidamente a face do país e a vida dos brasileiros. Mais do que se preocupar com o andamento das reformas no parlamento, que são extremamente importantes, precisamos nos atentar para os movimentos laterais, capazes de gerar ganhos reais e tangíveis no curto prazo. Os caminhos estão abertos e já começaram a ser trilhados. As pequenas vitórias, de enorme significado, começarão a chegar em breve.

Política Externa e o Povo (01/01/2019)

“A melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se”, disse o ex-chanceler Azeredo da Silveira em 1975. Desde então, a frase virou um mantra, repetido à exaustão tanto por diplomatas quanto por estudiosos da política externa. A fórmula, em sua elegância sintética, encerra um paradoxo evidente, em que tradição e renovação, termos que normalmente são tidos como opostos, acabaram conjugados num amálgama que seria o apanágio do Itamaraty.

Na verdade, por muito tempo, essa fórmula serviu para resguardar nossa diplomacia de interferências externas, de outros ministérios, da sociedade, do mundo acadêmico e, sobretudo, do cidadão comum. Uma diplomacia autônoma, integrada por profissionais treinados, os únicos capazes de formular e executar uma política externa eficaz. A autorenovação, sendo ela a melhor tradição, estaria assegurada ab initio, posto que a cargo da burocracia especializada, insulada dos reme-reme da política e da realidade mundana.

Essa insularidade, celebrada por diplomatas e parte da mídia como sinal de reconhecimento da competência técnica e da excelência do Itamaraty, está prestes a ser rompida. Ao contrário do que reza o senso comum dominante, a alta qualidade dos quadros desse ministério não justifica nem legitima seu isolamento. O governo da tecnocracia, afastado do povo, é a receita certa para decisões descoladas dos interesses reais da maioria, é a senha para uma democracia de fachada, em que corporações dão as cartas, ideologias insidiosas proliferam e as aspirações populares tornam-se uma vaga lembrança.

A chegada do chanceler Ernesto Araújo ao Itamaraty, embora seja um diplomata de carreira, representa uma ruptura com a ideologia tecnocrática. Significa o início de um processo de utilização da competência técnica como instrumento da vontade popular, em vez de correia de transmissão de interesses corporativos, muitas vezes refletindo uma visão homogeneizante que caracteriza as elites cosmopolitas da qual fazem parte as burocracias diplomáticas que se autonomizam.

Trata-se, portanto, de retomar o controle da burocracia para que ela seja instrumento de defesa dos interesses do povo e dos valores caros à sociedade brasileira. Em vez de termos uma diplomacia que importa acriticamente conceitos forjados alhures, seja em grupos restritos, seja em organizações internacionais de caráter ou pretensão universal, teremos uma política externa que criar espaços para que as aspirações de nosso povo prevaleçam.

Isso vale para a defesa da família e dos valores cristãos. No passado, parece que nossa política externa tinha vergonha de assumir esses valores que nos definem, buscando atestado de bom comportamento com base em padrões nem sempre coincidentes com nossa identidade nacional. Isso precisa mudar.

Isso vale para a defesa da democracia e a condenação de ditaduras sanguinárias na nossa região. No passado, nossa diplomacia alinhou-se despudoradamente com esses regimes tirânicos em nome da solidariedade ideológica, em contradição com a índole do povo brasileiro. Isso também vai mudar.

Isso vale para a busca de uma inserção econômica internacional realmente competitiva. No passado, nossa política externa foi conivente com transações duvidosas e que hoje causam prejuízo ao contribuinte, em vez de dedicar-se à abertura de mercados, à atração de investimentos e à negociação de acordos bilaterais e plurilaterais para inserir-nos das cadeias globais de valor. Esse aspecto também está por mudar.

Enfim, a virada que se espera da política externa reflete a vontade do povo, materializada nas urnas. Uma política externa verdadeiramente democrática precisa de um Itamaraty que seja instrumento da vontade popular e não uma redoma de iluminados, descolados do povo, e interessados em papagaiar uma ideologia globalista que não poderia ser mais incompatível com nossos valores e interesses nacionais.

Não é fácil nadar contra a corrente e confrontar o senso comum disseminado na imprensa, na academia e no próprio Estado. Mas desse esforço depende a consolidação de uma política externa que contribua para um Brasil mais forte, soberano e desenvolvido. E disso também depende a preservação do Itamaraty como instituição relevante, a serviço do povo brasileiro. É preciso romper a tradição tecnocrática para operar a verdadeira renovação.

Resgate Comercial (24/12/2018)

Nas últimas décadas, nosso comércio internacional tornou-se instrumento de implementação de uma agenda que possui um corte profundamente ideológico. Está claro que nossas trocas comerciais precisam, ao contrário, seguir parâmetros objetivos e pragmáticos, interagindo com nações que convergem com nosso país dentro de uma agenda profícua que gere resultados positivos de forma mútua e inteligente.

Nossa natural e histórica parceria com os Estados Unidos sofreu abalos profundos nas últimas décadas, quando nosso comércio tomou contornos mais ideológicos. Ao resgatar esta relação e diversificar os parceiros comerciais, nossa economia tende a tornar-se mais sadia e ampla. Neste sentido muitas frentes podem ser abertas em flancos negligenciados por governos que sempre preferiram inserir a ideologia como elemento essencial de nossas trocas comerciais.

As frentes que podem ser trabalhadas são inúmeras. Entretanto, um caminho promissor neste sentido é intensificar os esforços de facilitação do comércio e de convergência regulatória, o que implica em fazer uma boa interface entre a Embaixada em Washington, os canais de diálogo diplomático e comerciais do governo brasileiro, de modo a identificar as mudanças e o tipo de modernização que necessitamos empreender para que nossos padrões convirjam.

Na área de facilitação, por exemplo, é importante avançar no sentido de que os portais de comércio exterior de ambos os países se comuniquem, de modo a poupar tempo, reduzir burocracia e baixar custos para os operadores do comércio exterior entre os dois países. Medidas que podem destravar canais hoje obstruídos em nossa rota comercial.

O momento também é propício para voltar a discutir um acordo de investimentos que propicie mais segurança jurídica e ajude a atrair novos investimentos dos Estados Unidos para diversos setores, inclusive infraestrutura. Importante fazer coincidir essa proposta com esforço redobrado para explicar, a potenciais investidores, nossos marcos regulatórios mais amigáveis ao empreendedor. Isso pode se dar por meio da realização de série de encontros empresariais e eventos em câmaras de comércio e "think tanks" para divulgar oportunidades de investimento e recolher demandas de empresários no tocante ao tema regulatório.

Aquele investimento que não exige contrapartidas regulatórias e um ambiente de negócios sadio certamente carrega uma agenda política paralela encoberta pelo comércio. O Brasil precisa estar atento a estes movimentos. Ao negociar e atrair investimentos de qualidade, originados de países que dividem conosco o mesmo apreço por regras estáveis e relacionamentos econômicos de longo prazo, nosso país estará se posicionando de maneira correta no cenário internacional. Uma parceria de qualidade com sócios confiáveis e interesses comuns aumentará nossa pauta exportadora, diversificará nossa matriz e incrementará nossa capacidade atual. Um movimento que mexe com interesses pré-estabelecidos, mas que impulsiona o país no longo prazo para um novo patamar no comércio internacional.

Brasil e EUA: Resgate Exterior (17/12/2018)

O reposicionamento de nossa política externa abre um novo leque de oportunidades diante deste novo horizonte que estamos presenciando. De um certo modo, a eleição de Jair Bolsonaro pode representar finalmente o último capítulo de uma divergência temporal e ideológica entre Brasil e Estados Unidos. Neste momento está colocada a oportunidade de convergir compartilhando valores e interesses comuns, um movimento que tende a gerar enormes benefícios para os dois países.

O Brasil passa por um movimento de liberação das amarras ideológicas que impediam as relações bilaterais de serem aprofundadas de forma natural e recíproca. Tudo leva a crer que estamos diante de uma oportunidade única de formar o que o chanceler Ernesto Araújo chamou de “comunidade de sentimentos”, aproveitando nossa matriz ocidental comum, para gerar ganhos mútuos, fortalecer a democracia na nossa região e ampliar comércio e investimentos.

Nossa pauta com os Estados Unidos é ampla, mas também objetiva, passando por aspectos políticos e econômicos. A pauta passa pelo alinhamento da ideia de que devemos evitar a imposição de valores que não correspondem à maioria da população e neste ponto reside evitar excessiva dependência de outras potências, que foi resultado da negligência às relações com os americanos nas últimas décadas.

Além disso, diante de um parceiro que divide a mesma visão de mundo, faz todo sentido que os americanos nos apoiem para ingresso na OCDE, ajudem a viabilizar comercialmente a Base de Alcântara, forneçam acesso a bens sensíveis, impulsionem integração de nossas indústrias de defesa e garantam abertura e remoção de barreiras comerciais de maneira reciproca, inclusive no agronegócio. Todo este movimento pode ser construído neste momento histórico, algo que fortalece os laços entre as nações e aproxima as duas economias.

Estamos diante da oportunidade de destravar as relações Brasil-EUA, para que ganhem dimensão verdadeiramente estratégica, rompendo amarras ideológicas que impediram uma convergência mais profunda, ancorada em valores compartilhados e na coincidência de visões de mundo. A visão estratégica necessária para dar essa virada requer certa ousadia, deixando de lado velhos preconceitos derivados do antiamericanismo que marcou a esquerda e a visão diplomática tradicional.

A comunidade de sentimentos e valores deve se fazer acompanhar de uma comunidade de interesses comuns, cujos laços permitirão solidificar a parceria estratégica bilateral. Recalibrar esta relação passa por uma mudança de estratégia de operação brasileira em Washington e deve eleger algumas prioridades iniciais capazes de gerar resultados no curto prazo, abrindo caminho para novos voos. Isto garantirá que essa convergência se traduza em resultados concretos para benefício da sociedade brasileira. Chegou o momento de destravar uma profícua relação bilateral histórica adormecida pelas amarras ideológicas do passado.

Reformar o Sistema (26/11/2018)

O novo governo possui desenhos muitos peculiares. Desde sua montagem, onde prevalecem quadros técnicos, até uma nova relação com o Congresso Nacional, que visa ser institucional. A prática política que se vislumbra passa ao largo de tudo que já vivemos nas últimas décadas. Esta é uma enorme quebra de paradigma para o Brasil, uma mudança de fundo exigida pelo eleitor, mas que a partir de agora passa pelo jogo parlamentar.

Possuímos uma Constituição parlamentarista dentro de um sistema chamado de presidencialismo, uma situação anacrônica que acaba por gerar uma infinidade de problemas entre os poderes constituídos da República. Este modelo gerou o que chamamos de presidencialismo de coalizão, inaugurado por Sarney, mas que atingiu seu ápice dentro do governo Lula. Aqueles que conseguem navegar neste mar revolto procuram fatiar o poder os entres os aliados, criando uma espécie de presidência parlamentar, como fez o último governo.

Entretanto, a espinha dorsal da administração que chega se baseia na quebra deste paradigma, pois propõe um governo eminentemente presidencialista, que se baseia em políticas claras, buscando o parlamento como parceiro na construção de soluções para o país. Uma tarefa extremamente difícil diante deste sistema, que apenar de renovado, quer continuar operando nas bases de sempre.

Do outro lado da renovação está uma classe política apodrecida, mas que ainda possui peso neste jogo, seja mediante o controle dos partidos e seus recursos ou pelo conhecimento das estruturas de poder. Apesar de já terem escutado o recado dos eleitores nas urnas, esta turma acredita que passado o ímpeto inicial reformista do novo governo, inevitavelmente este terá que se dobrar diante das estruturas tradicionais de poder.

Este é o grande risco, ou seja, a união entre burocracia e velha política como forma de frear as mudanças que os novos ocupantes do Planalto desejam ver implementadas. Ouve-se pelos corredores que mudam os comandantes do jogo, mas nas esferas inferiores, a burocracia continua dando todas as cartas, deixando qualquer governo refém de suas vontades e do corporativismo.

A única forma de enfrentar este estado de coisas é realizar mudanças profundas nas operações de funcionamento do poder mediante reformas que mexam em privilégios e ataquem os pilares onde se sustenta o corporativismo que impede o Brasil de avançar. Ampliar e aprofundar a reforma trabalhista e operar uma previdenciária que ataque seus privilégios é o primeiro movimento, somadas no tempo certo com uma reforma política que altere a forma de escolha dos representantes no parlamento, diminuindo sensivelmente o número de partidos. Somente por este caminho será possível reformar o presidencialismo de coalizão.

O desafio é imenso e batalha está posta. De um lado, uma casta de privilegiados que se beneficiam do sistema. Do outro, a necessidade de reformas que façam do Brasil um país menos desigual. Do vencedor desta disputa depende o futuro de nosso país.