Blog da Casa Política
Análises e impressões sobre a política nacional e internacional
sábado, novembro 29, 2025
A Paz de Abraão
segunda-feira, maio 31, 2021
Vacina Russa
Ao contrário de imunizantes desenvolvidos por renomados laboratórios, como Pfizer, Moderna, Janssen e AstraZeneca, a vacina russa ainda é recoberta de desconfiança e mistério. Sem publicação de resultados consistentes de todas as fases de testes em revistas científicas respeitadas, o imunizante produzido pelo Instituto Gamaleya usa mais o poder de dissuasão do Kremlin do que a ciência propriamente dita como garantidor de sua eficácia.
Neste ponto entra o jogo político internacional e a pressão dos russos. O Brasil entrou nesta rota desde que governadores se mobilizaram para comprar o imunizante. Pouco antes da rejeição pela Anvisa para importação da Sputnik V, iniciou-se uma campanha alicerçada em uma narrativa distorcida com o objetivo de pressionar a agência a liberar, ao arrepio das normas sanitárias, a importação do imunizante. OMS e EMA (contraparte europeia da Anvisa) sofrem com o mesmo problema há meses.
Transparência certamente não é uma qualidade dos russos, que desde os tempos da União Soviética tem o hábito de mascarar a verdade em troca de ganhos políticos. Faltaram dados brutos sobre os estudos da vacina. Além disso, não foi permitido acesso à fábrica do imunizante em Moscou e foram demonstradas sérias dificuldades para assegurar padrões basilares de controle de qualidade do fármaco. Isso, somado ao adenovírus replicante, encontrado no imunizante, fez com que a Anvisa decidisse declinar a importação da vacina.
Se os russos trabalhassem com a mesma eficácia, usada no contra-ataque político e midiático, para fornecer dados transparentes e científicos, certamente tudo seria mais fácil. Mas ao optar pelo caminho mais difícil, o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF) e Instituto Gamaleya anunciaram que processariam a Anvisa por difamação, pelo simples fato de a agência ter realizado de forma diligente o seu trabalho de avaliação.
Fato é que a Rússia tem utilizado seu imunizante como instrumento de soft power, deixando claro que seus objetivos estão muito além do cuidado sanitário e evidências científicas. Diante disso, o Brasil precisa se perguntar se o parceiro de BRICS atua somente para proteger os seus próprios interesses e se está usando um dos seus principais sócios no bloco como país teste de uma vacina sem eficácia comprovada.
A geopolítica das vacinas se tornou um ponto importante de debate e a falta de imunizantes no Brasil tem acelerado tratativas políticas emergenciais que podem trazer para nosso país vacinas ineficazes e até perigosas. O exemplo da Sputnik V é sintomático. Por certo precisamos debelar o vírus, mas de forma correta, com prudência, baseado em evidências científicas que protejam a população e estejam muito além de simples ganhos políticos. Não precisa nem combinar com os russos.
terça-feira, fevereiro 02, 2021
Impeachment
sexta-feira, dezembro 11, 2020
Longe de Moscou
Maia Sandu é a mais nova preocupação de Moscou. A jovem política de 48 anos foi eleita em segundo turno contra Igor Dodon, candidato dos russos, preferido de Vladimir Putin e atual Presidente. A Moldávia, que faz fronteira com a Romênia, com quem divide laços étnicos e culturais, sente-se hoje mais perto da União Europeia do que de Moscou. Sandu é a mais forte expressão deste movimento.
A Moldávia segue o mesmo caminho de outras antigas repúblicas soviéticas, que hoje independentes, buscam maior autonomia em relação à Rússia. Apesar de formalmente não fazerem mais parte da União Soviética, a sombra de Moscou ainda paira em muitos destes países. Assim como em Belarus, a batalha está hoje em outro plano e foca em isolar a influência política dos russos em suas vidas.
Em Belarus somente mais uma fraude eleitoral conseguiu manter Lukashenko no poder e Minsk, mesmo sob a vigilância dos policiais do regime autocrático apoiado por Moscou, é palco todas as semanas de protestos pró-democracia. A Europa passou a apoiar o fim do governo e a adoção de eleições livres monitoradas por observadores internacionais, algo rejeitado pela Rússia.
Os conflitos nas franjas da extinta União Soviética chegaram ao Azerbaijão e Armênia, em disputa pela região de Nagorno-Karabakh que cessaram somente depois de mediação internacional. O caso da Moldávia lembra este conflito. A região da Transdnístria na fronteira com a Ucrânia, considera-se independente e seus 500 mil habitantes, moldavos, russos e ucranianos étnicos, buscam reconhecimento internacional.
Fato é que a região é mantida sob controle com forças russas, que desde 1992 estão no local. O território respira a nostalgia dos tempos comunistas. Sandu, a Presidente eleita, deseja que a Rússia retire os 1.500 soldados do local e estes sejam substituídos por forças internacionais. O Kremlin não gostou. A população da Moldávia tomou as ruas da capital Chisinau em apoio a Sandu. Putin não terá vida fácil com a nova líder do país. Ela deseja levar o antigo satélite soviético, hoje uma nação independente, mais para perto da União Europeia.
Moscou tem mais um problema sério a ser resolvido. Depois de Belarus, Armênia, Azeibaijão e Quirguistão, agora mais uma antiga república soviética rebela-se contra o poder do Kremlin. Na medida que a democracia e as benesses do capitalismo europeu penetram nas antigas repúblicas, torna-se cada vez mais difícil manter os mecanismos de fraude e controle impostos pela Rússia.
Já chegou o momento de verdadeiras democracias se instalarem na região e seus povos decidirem o seu próprio futuro. Sandu agora torna-se uma peça importante deste tabuleiro político que ousa desafiar as ordens emanadas do Kremlin. A Moldávia escolheu romper com um passado sombrio e olhar para o futuro, longe de Moscou. Ninguém pode condená-los por isso.
segunda-feira, novembro 30, 2020
Soberba Chinesa
Antes da China entrar em cena, o principal parceiro comercial do Brasil eram os Estados Unidos, uma relação que perdurou por décadas desta forma. Fato é que o entendimento entre os países se dava maneira natural, uma vez que os americanos comungam dos mesmos valores que o Brasil, dividindo o apreço pela democracia, liberdade e os pilares do Estado de Direito.
Naturalmente a política externa, política de comércio exterior e política comercial andam coordenadas. A mudança de paradigma comercial brasileira nos anos petistas esteve aliada a um forte componente de política externa, que acabou por afastar o Brasil dos Estados Unidos, alinhando-se com a China na mesma medida. Ao final do governo Lula este movimento estava completo e política externa e comercial finalmente se encontraram.
Fato é que ao se associar com a China como principal parceira no comércio internacional tornou nosso país vulnerável. Pequim não divide os mesmos valores, tampouco tem o mesmo apreço por instrumentos democráticos que temos no Brasil. Democracia, Direitos Humanos, Estado de Direito e um arcabouço de liberdades que começam nos direitos individuais e desaguam no respeito a diversidade e tolerância religiosa não são respeitados pela China.
Este conflito tem sido um dos principais elementos desestabilizadores da relação entre os dois países e faz com que a temperatura suba recorrentemente. A liberdade de opinião brasileira não tem sido tolerada pelas autoridades governamentais chinesas que exercem pressão para que seus objetivos estratégicos político-comerciais internacionais sejam atendidos pelo Brasil. Um desacordo que remete a essência e aos valores defendidos pelas duas nações.
O Brasil, entretanto, não está sozinho diante da pressão chinesa. Países europeus têm reagido com veemência diante da maneira direta e incisiva da diplomacia oriental. Um movimento puxado por Suécia e França que cada vez mais ganha adeptos. A Austrália tornou-se mais uma nação que sofreu retaliações do governo de Pequim por se negar a adotar o padrão de 5G da Huawei e ZTE, empresas que por lei dividem informações coletas nas redes com as autoridades chinesas.
O caso da Austrália é paradigmático. A estratégia é sempre a mesma, criar dependência econômica ao longo dos anos e assim obter formas especiais de pressão para forçar os parceiros comerciais a agir de acordo com os objetivos políticos chineses. Aqueles que tiverem a ousadia de se voltar contra seus interesses, sofrem o peso das retaliações.
A sino-dependência brasileira precisa ser repensada, assim como uma postura passiva diante das agressões desferidas pelas autoridades diplomáticas quando sentem seus planos rejeitados por governos estrangeiros. Ao dizer que o Brasil sofrerá consequências se calúnias (sic) perdurarem, o governo chinês está ameaçando nossa soberania por intermédio de seu corpo diplomático. Uma postura constrangedora.
Assim como na Austrália, a China está disposta a retaliar nações que desejam rejeitar seus planos. Ao domesticar nossa economia, Pequim não se constrange em agir de forma acintosa, pois sabe que setores importantes respiram pelos aparelhos chineses e estariam dispostos a pressionar o governo para manter seus negócios.
Devemos nos perguntar, entretanto, o custo real desta sociedade. Durante os anos em que os Estados Unidos eram o principal destino comercial do Brasil, jamais um Embaixador americano ousou constranger nosso país diante de declarações nada amistosas de parlamentares da esquerda. Os americanos, entretanto, entendem o que significa liberdade de expressão em um regime democrático, algo que os chineses, reféns de um governo autoritário e socialista, não conhecem.
Antes de nos tornar ainda mais reféns de Pequim, convém ao Brasil diversificar sua pauta e destino exportador. Nossa soberania não pode sofrer constrangimentos de diplomatas contrariados que discordam da opinião de nossos parlamentares. Devemos estar ao lado de nações que entendem e dividem nossos valores, que aceitam a liberdade, democracia e as leis de forma independente e soberana.
segunda-feira, novembro 23, 2020
5G: Uma Rede Limpa
O Itamaraty, chefiado pelo Ministro Ernesto Araújo, assinou a entrada do Brasil na coalizão de 50 países que representa aproximadamente dois terços do PIB mundial, juntamente com mais de 170 empresas de telecomunicações e muitas das mais poderosas empresas de alta tecnologia do mundo. Uma rede que conta com 31 dos 37 países da OCDE; 27 dos 30 países da Otan; 26 dos 27 países da União Européia e 11 dos 12 países dos Três Mares.
Ao se juntar ao grupo de nações que desejam uma rede limpa, o Brasil se coloca ao lado de outros países que defendem um sistema livre de influências governamentais em seu desenho de 5G. Um movimento contra nações que desejam dominar o tráfego de informações por intermédios de empresas privadas que funcionam apenas como intermediários dos desejos de seus governos.
A China não é um país livre e a Huawei é a espinha dorsal do estado de vigilância do partido comunista que dirige a nação asiática. A lei de segurança nacional exige que as empresas chinesas entreguem os dados coletados por seus sistemas a pedido do partido comunista. Isto coloca todo o tráfego que circula por redes como da Huawei em situação vulnerável, uma vez que podem ser acessados pelo governo de Pequim por força de lei. Estamos falando desde dados pessoais até informações estratégicas de segurança nacional.
Assim, um número crescente de países começou a se proteger do sistema de vigilância chinês implementado pela Huawei ao redor do mundo. A aliança em torno da rede limpa, chamada de Clean Network, é mais um passo neste sentido. Ao se juntar nesta iniciativa, o Brasil garante um ambiente seguro, transparente e compatível com os valores democráticos e liberdades fundamentais. Algo que gerará inclusive mais segurança para as empresas que investirem no país.
As trilhas da Clean Network abrem caminho em várias direções para uma rede mais estável, aberta e confiável. O instrumento de Clean Path deixa o tráfego de rede 5G mais transparente, enquanto o Clean Carrier limpa a rede dos riscos e a Clean Store, a remoção de aplicativos não confiáveis.
Sabemos que não há prosperidade sustentável sem liberdade. Em apenas alguns meses, dois terços do PIB mundial estão representados na Rede Limpa. Ao se colocar ao lado de países democráticos, livres e abertos, o Brasil está diante da oportunidade de construir uma rede segura e confiável, que preserve os dados dos brasileiros e de seu governo, com companhias sediadas em países que possuem judiciários independentes e livres da pressão de governos autoritários. Pequim ficou mais longe de Brasília, enquanto a Huawei, mais longe de nossos dados. Esta é uma excelente notícia para nosso país.
terça-feira, outubro 13, 2020
Caminho do meio de Washington
A democracia exige prudência, entretanto, a oportunidade que está em jogo é muito preciosa nestes tempos polarizados. Ao aprovar um nome conservador, a corte alcança sólida maioria, com possibilidade de reverter precedentes relevantes, como aquele que autoriza o aborto. Fato é que os riscos da polarização correm dos dois lados e um dia o jogo pode se inverter.
No governo Barack Obama, após o falecimento de Antonin Scalia, o mais conservador do colegiado, o Presidente democrata preferiu indicar o Merrick Garland para sua vaga. Garland é considerado um centrista e Obama acreditou que esta credencial poderia ajudá-lo no processo de confirmação, afinal Anthony Kennedy e Clarence Thomas, indicados por Reagan, foram confirmados por um Senado de maioria democrata.
Nada disso. O vírus da polarização já havia contaminado o Senado e as antigas agendas bipartidárias, tão populares no passado, foram esquecidas. Os republicanos, no controle do Senado, impuseram uma derrota a Obama. O comitê judiciário do Senado não realizou audiências de confirmação com Merrick Garland e sua indicação caducou com o fim do ano legislativo.
Hoje, o jogo se virou contra os democratas. Os republicanos entendem que se Obama indicou o substituto de Scalia, Trump tem o direito de indicar o substituto de Ginsburg. Sem surpresas. Mas fato é que novamente os republicanos estão com o controle do Senado e desta vez com votos suficientes aprovar o nome indicado. A aprovação tende a ser expressa, terminando todo o processo antes do final da corrida eleitoral.
Ao indicar Amy Coney Barrett, Trump escolheu aquela que foi a mais dedicada assistente de Antonin Scalia em seus anos na Suprema Corte. Um nome muito alinhado com os conservadores e com os outros dois juízes que ele indicou ainda neste governo: Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh. Aos poucos, Trump, em seu primeiro mandato, terá conseguido realizar a maior guinada conservadora da corte em décadas.
Os riscos, entretanto, são grandes. Assim como os democratas acreditaram que seria possível jogar pesado com as regras do Senado quando tinham maioria, o movimento pendular da política foi cruel quando estavam mais fracos. Os republicanos tinham a grande chance de mudar este estado de coisas, firmando um precedente quando possuem maioria: esperar o resultado eleitoral. Isto foi realizado em 2016 em outra configuração, mas este seria o momento de mostrar que suas virtudes democráticas podem falar mais alto do que a simples oportunidade política.
Mas ao fim e ao cabo, estamos de falando da terrível batalha de poder pelo controle do judiciário mais influente do mundo e em tempos de polarização ninguém quer perder a chance de crescer sobre seu oponente. O caminho do meio de Washington nunca esteve tão longe no horizonte e esta não é uma boa notícia para a política. O fim de uma era de entendimento e equilíbrio pode ter chegado ao judiciário.






