sexta-feira, agosto 30, 2013

A Derrota de Cameron

Foi uma derrota humilhante, mas Cameron saiu com uma elegância britânica. Foram 282 votos contra o engajamento militar do Reino Unido na Síria e 272 votos a favor. Uma derrota que fragiliza o Primeiro-Ministro e seu gabinete, pois dentro de um sistema parlamentar não se pode conceber uma derrota desta envergadura, especialmente em um assunto tão importante.

Cameron estava confiante. Já negociava internacionalmente mostrando protagonismo e desenvoltura. Falava com a certeza da vitória sobre a mesa. Veio o revés. Sabemos que a política britânica é cruel. A Câmara dos Comuns já protagonizou cenas parecidas no passado. No interior dos partidos não é diferente. Thatcher enfrentou a traição dentro dos Tories, Blair foi pressionado, pelo trabalhismo que ele recriou, a sair de cena e dar lugar a Gordon Brown. Isto sem falar em Churchill. Enfim, Cameron sabe de todas essas coisas, mas sua confiança era grande.

O governo de Cameron, depois de 6 horas de discussões perdeu dentro de sua própria coalizão. A política britânica aplicou um golpe interno em seu gabinete, sendo contabilizadas 30 traições entre os Tories e 9 entre os Liberais-Democratas - espaço mais que o suficiente para vencer a disputa.

Apesar da política britânica ser especialmente traiçoeira e cruel, os parlamentares mantiveram suas atenções focadas na opinião pública: mais de 66% dos súditos da Rainha não estão de acordo em gastar suas libras com a cabeça de Assad. De olho no desejo do eleitor, a traição correu solta pelo Parlamento.

Mas o pano de fundo da discussão era o Iraque e como a imagem do Reino Unido ficou arranhada diante do engajamento da Coroa no conflito. Os britânicos não desejam outro Iraque e talvez a derrota tenha evitado Cameron ser levado a grelha política assim como aconteceu com Blair. Depois do trauma no Oriente Médio, a população pediu cautela. Os parlamentares atenderam. Cameron ficou sozinho.

Desde 1782 um Primeiro-Ministro não via sua decisão de ir a guerra rejeitada pelo Parlamento. Aconteceu agora. Crueldades políticas que a Câmara dos Comuns sabe operar melhor do que ninguém. Agora é o momento de Cameron se recompor.


quinta-feira, agosto 29, 2013

Teatro Político

Obama precisa de um fato novo para dar uma guinada em uma administração cambaleante. A imprensa pressiona por uma resposta. É muito difícil que a Casa Branca não inicie uma ofensiva, mesmo que tímida, contra a Síria. Um erro de cálculo, porém, pode jogar em desgraça o governo democrata.

O esforço de Obama agora é no sentido de justificar a ação. A tal linha intolerável, o uso de armas químicas, foi ultrapassado. Agora resta saber se foi Assad. Dizem que sim. O governo americano diz que sim. Será?

Da mesma forma a comunidade internacional se mobiliza. O Reino Unido discute a ofensiva. A França defende uma intervenção. Os americanos desejam montar uma coalizão para não carregar o ônus de mais uma guerra sozinhos. Mas falta combinar com o russos. Putin defende Assad e bloqueará qualquer tentativa mais séria de resolução no Conselho de Segurança. Obama passará por cima do Conselho?

Sabemos que a intervenção na Síria é outro papo. O regime não está moribundo, como Kadafi estava na Líbia. Uma intervenção séria poderia se tornar longa e perigosa. Não existem alternativas confiáveis para a substituição de Assad. A retirada dele do poder abre um vácuo que pode desestabilizar toda a região, iniciando pelo Líbano e com reflexos no Iraque e Irã. Mexer na Síria é lidar com um vespeiro.

Por tudo isso, aqui em Washington, sabe-se que Obama não gostaria de lidar com esta situação. Para ele seria melhor a manutenção prévia, mas o uso de armas químicas está empurrando os Estados Unidos para dentro do conflito. Se de um lado é ruim, de outro é bom, pois politicamente, se bem orquestrada, uma ação militar aumentaria a aprovação de um Obama que flerta com impopularidade. Entretanto, se ele estiver frente a um atoleiro, uma ação errada pode ser danosa ao seu legado político.

A aposta no momento é uma ação pontual para punir Assad, não derrubá-lo. Sua saída não interessa a ninguém. A punição pode estar sendo discutida com a Rússia. Assim, haveria um movimento político, um bombardeio em áreas determinadas, Assad se mantém no poder e as nações mostram que existe limite. Tudo um teatro político. A conferir.

quinta-feira, agosto 22, 2013

Aécio, Serra e a Terceira-Via

Muitos acreditam que a oposição realmente tem uma chance nas eleições presidenciais do próximo ano. Cada vez que digo que as coisas não bem assim, as pessoas se decepcionam. Falam das manifestações, da queda na popularidade de Dilma e do julgamento do Mensalão. Sempre lembro, contudo, que a ciência de uma eleição vai muito além deste quadrante.

Dilma ou o candidato do PT continua a ser o favorito. A equação é simples. Possuem controle da máquina governamental e da liberação de verbas e emendas parlamentares. O PT continua com seu eleitorado fiel que empurra seu candidato para o segundo turno. Não esqueçamos dos programas de transferência de renda.

A oposição está rachada. Aécio despontava como nome de consenso entre os tucanos. Eis que surge, como sempre, José Serra. O paulista já está em plena ação partidária contra o mineiro. Mas Aécio tem as características dos políticos mineiros e pouco a pouco poderá colocar Serra no bolso. O paulista já flerta com o PPS para sair candidato ao Planalto, ou como sugere-se no ninho tucano, pleitear uma vaga no Senado por São Paulo. Coisa que não lhe agrada.

Marina tem enfrentado problemas para legalizar sua "Rede" em tempo hábil para disputar a eleição. Por isso, o PPS também flerta com ela. Marina tem um grande potencial de votos e pode desequilibrar esta eleição, caso não vença, pois possui chances reais.

O fato é que as manifestações mostraram a necessidade de uma terceira-via dentro do duopólio PT-PSDB. Marina entendeu isso e tenta vender-se como o novo, até agora com bastante êxito, mas o jogo ainda vai começar. Joaquim Barbosa poderia entrar no tabuleiro, mas seu temperamento joga contra si e em uma campanha isto vale muito, como bem lembra Ciro Gomes.

O fato é que o PSDB, para não perder terreno, precisa arrumar a cozinha. Serra, que tenta bagunçá-la, não ajuda o partido. Aécio, o mineiro, já se movimenta com possíveis aliados fora do PSDB e costura alianças em palanques regionais - faz política de articulação nos bastidores.

O PT virá forte. Marina tentará encarnar a terceira-via. Aécio tem ao seu dispor sua habilidade política. A partir daí o cenário de 2014 começa a ser desenhado.

quarta-feira, agosto 21, 2013

Ataques em Damasco

O ataque com armas químicas em Damasco é condenável sob todos os aspectos. Entretanto o pior deles é não ser possível ler de forma claro de onde saiu. Pode ser uma sabotagem ao regime, como também uma ação do próprio Assad.

Politicamente o fato importante é que o caos na Síria novamente tira o foco sobre o Egito. Os dois países dividem o noticiário devido a massiva perda de vidas em seus conflitos internos. Com a retomada do poder pelos militares no Cairo, houve um deslocamento da atenção internacional para o Egito. Ali existe a tensão com a Irmandade Muçulmana e os militares prevaleceram somente depois de uma banho de sangue. Ao final, o país voltou ao mesmo lugar onde estava antes das manifestações na Praça Tahir durante a Primavera Árabe.

Na Síria o conflito tem um outro pano de fundo e o ditador Assad, que seria a próxima vítima natural da Primavera Árabe, conseguiu se manter no poder, ao contrário do que muitos pensavam - com apoio da Rússia, vale lembrar. Virou o jogo, tomou a frente e no momento vai vencendo a guerra civil que dilacera seu país. Assim, nos perguntamos, porque Assad, que está em clara vantagem no conflito recrudesceria de forma tão radical mediante o uso de armas químicas? Estrategicamente não é inteligente.

Tudo leva a crer que houve sabotagem interna de homens que trabalham para Assad e podem manter laços com os rebeldes. Dentre todas as alternativas esta é a mais plausível, já que o ataque foi um massacre e realizado sob as barbas dos inspetores da ONU em Damasco. Sob diversos aspectos não parece ser um movimento que possa trazer benefícios para Assad. União Européia e Estados Unidos irão reagir. Obama já disse que o uso de armamento químico funciona com um divisor de águas quanto a um envolvimento direto dos americanos no conflito.

Mas quem ganha com isso é o Egito, que sai do foco internacional depois de uma matança indiscriminada coordenada pelos militares que retomaram o poder.

quinta-feira, agosto 01, 2013

Os Erros de Serra

Serra parece obstinado a concorrer ao Planalto. Na falta do PSDB, onde é fundador e já lhe concedeu legenda para disputar o cargo de Presidente da República, procura o PPS. Diz que se Lula precisou de quatro eleições para vencer, porque não poderia acontecer o mesmo com ele, afinal ele teve dezenas de milhões de votos no último pleito presidencial.

Para começo de conversa Serra erra ao achar que foi seu nome que levou as tais de dezenas de milhões de votos. Não foi. Serra era o candidato da oposição e em seu nome foram depositados os votos dos descontentes com o PT e com Lula. Foi o depositário do voto anti-Lula. Não quer dizer que o eleitor desejasse Serra. O eleitor que votou no PDSB era anti-PT. 

Tudo indica que se Serra concorrer pelo PPS terá uma votação pífia, concentrada em seus redutos eleitorais e onde mais angariar apoios pontuais. Corre o risco de ver a campanha de longe. Seu atual partido está fechado com Aécio Neves e colocará toda a estrutura nacional em favor do mineiro. A geografia não ajuda Serra, que possui reduto eleitoral no anti-petismo paulista, sem qualquer penetração em Minas Gerais ou Nordeste - o que resultou em sua derrota em 2010. Aécio tende a atrair inclusive serristas por ser uma opção mais viável e aberta de poder. 

Os tucanos e Serra terão pela frente outra parada dura. A eleição não tende a se polarizar como no passado. Tucanos e petistas terão a companhia do novo. Pode ser Marina Silva reforçada pelo discurso politicamente correto e o barulho das ruas ou Joaquim Barbosa, o juiz implacável do Mensalão. Podem ser os dois. Mas certamente aí está um fato novo que mexe com toda a estrutura da eleição. 

Por fim, Serra não é Lula. Não possui apelo popular, tampouco uma base sólida, como o PT possui no meio sindical, o que impulsiona a campanha e mobiliza as bases. Serra está sozinho. É um homem de idéias e um bom quadro. Mas a arte da política também ensina quando é a melhor hora de recuar.

Serra pode se tornar um estadista, fortalecendo seu partido e lutando pela implantação da agenda do PSDB na campanha de Aécio e sair da campanha como uma liderança paulista de expressão. Pode também se tornar uma figura menor, pensando sempre na próxima eleição. A decisão está em suas mãos.