segunda-feira, maio 31, 2021

Vacina Russa

A falta de vacinas no Brasil acendeu um alerta importante. A busca por imunizantes está ultrapassando o terreno do razoável e aterrizando no impensável. A opção realizada por alguns governadores em comprar a Sputnik V mostra o grau de desalento pelo qual passa o país. A aposta na vacina russa é arriscada, para não dizer irresponsável, mas encontra eco diante de uma população que morre aos milhares e clama pela chegada de medicamentos que possam debelar o vírus. 

Ao contrário de imunizantes desenvolvidos por renomados laboratórios, como Pfizer, Moderna, Janssen e AstraZeneca, a vacina russa ainda é recoberta de desconfiança e mistério. Sem publicação de resultados consistentes de todas as fases de testes em revistas científicas respeitadas, o imunizante produzido pelo Instituto Gamaleya usa mais o poder de dissuasão do Kremlin do que a ciência propriamente dita como garantidor de sua eficácia. 

Neste ponto entra o jogo político internacional e a pressão dos russos. O Brasil entrou nesta rota desde que governadores se mobilizaram para comprar o imunizante. Pouco antes da rejeição pela Anvisa para importação da Sputnik V, iniciou-se uma campanha alicerçada em uma narrativa distorcida com o objetivo de pressionar a agência a liberar, ao arrepio das normas sanitárias, a importação do imunizante. OMS e EMA (contraparte europeia da Anvisa) sofrem com o mesmo problema há meses. 

Transparência certamente não é uma qualidade dos russos, que desde os tempos da União Soviética tem o hábito de mascarar a verdade em troca de ganhos políticos. Faltaram dados brutos sobre os estudos da vacina. Além disso, não foi permitido acesso à fábrica do imunizante em Moscou e foram demonstradas sérias dificuldades para assegurar padrões basilares de controle de qualidade do fármaco. Isso, somado ao adenovírus replicante, encontrado no imunizante, fez com que a Anvisa decidisse declinar a importação da vacina. 

Se os russos trabalhassem com a mesma eficácia, usada no contra-ataque político e midiático, para fornecer dados transparentes e científicos, certamente tudo seria mais fácil. Mas ao optar pelo caminho mais difícil, o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF) e Instituto Gamaleya anunciaram que processariam a Anvisa por difamação, pelo simples fato de a agência ter realizado de forma diligente o seu trabalho de avaliação. 

Fato é que a Rússia tem utilizado seu imunizante como instrumento de soft power, deixando claro que seus objetivos estão muito além do cuidado sanitário e evidências científicas. Diante disso, o Brasil precisa se perguntar se o parceiro de BRICS atua somente para proteger os seus próprios interesses e se está usando um dos seus principais sócios no bloco como país teste de uma vacina sem eficácia comprovada. 

A geopolítica das vacinas se tornou um ponto importante de debate e a falta de imunizantes no Brasil tem acelerado tratativas políticas emergenciais que podem trazer para nosso país vacinas ineficazes e até perigosas. O exemplo da Sputnik V é sintomático. Por certo precisamos debelar o vírus, mas de forma correta, com prudência, baseado em evidências científicas que protejam a população e estejam muito além de simples ganhos políticos. Não precisa nem combinar com os russos.

segunda-feira, abril 12, 2021

Fantasia do Autogolpe

Ao gerar crises, Bolsonaro tenta invariavelmente criar narrativas que encubram os erros de seu governo. A mais recente é flertar com a ruptura institucional, sugerindo ações que passam por medidas que podem suprimir direitos democráticos justificando que está preservando liberdades individuais. Nada mais prosaico no manual da autocracia: golpear o sistema alegando que está preservando liberdades. 

Vivemos um período delicado, que se tornou ainda mais difícil diante da inépcia de Bolsonaro. Ao negar a pandemia e se tornar refém de suas próprias ideias obscuras, o Presidente preferiu não investir em vacinas com antecedência, preferindo patrocinar um suspeito tratamento precoce sem qualquer eficácia. Hoje, diante de uma vacinação lenta, o país fornece sinais de fadiga e desesperança. 

Tudo indica que Bolsonaro possa estar jogando na retranca por método, semeando o caos para ali na frente colher resultados. Desestabilizar o jogo faz parte de uma intricada jogada que aposta no desgaste da economia e avanço da pandemia, podendo impulsionar manifestações, desalento e revolta. Em outras palavras, convulsão social. Um método líquido e certo para solicitar intervenção ao parlamento por meio dos instrumentos constitucionais amargos que suspendem algumas liberdades individuais. 

Por mais que poucos acreditem na consecução de um enredo deste tipo, é fácil ler nas entrelinhas os caminhos trilhados em discursos e declarações nas últimas semanas. O fato inédito da inusitada troca no comando das Forças Armadas abre um perigoso caminho de questionamento quanto aos reais objetivos de Bolsonaro, uma vez que os comandantes anteriores pareciam mais fiéis aos ditames constitucionais do que aos desejos do ocupante do Planalto.

Cada vez que um líder se torna mais fraco, mais precisa de demonstrações de força. Bolsonaro segue acuado, caindo nas pesquisas, com a economia em frangalhos e a pandemia cercando a inépcia de seu governo. As pesquisas captaram esta insatisfação. 83% dos brasileiros desejam mudança, o que demonstra que o governo escolheu os rumos e as amizades erradas. O estelionato eleitoral está cristalino para o eleitor. 

Diante disso, a fantasia do autogolpe é um delírio que acalma Bolsonaro nas horas mais difíceis, assim como o exercício do poder de nomear e demitir, além de mandar homens do mais alto grau hierárquico das Forças Armadas (carreira onde fracassou) para a reserva. Há algo de revolta, revanchismo e amargura nestes movimentos. Delírios que se misturam com o poder da caneta presidencial. 

Somos presididos por um homem em conflito, perseguido por seus próprios fantasmas e suas teorias de conspiração. Enquanto o país busca a saída de uma crise sanitária de proporções globais, a inoperância de um governo perdido busca encobrir seus erros gerando novas e sucessivas crises. A fantasia de um autogolpe serve de forma perfeita para aqueles que vivem alheios à realidade, trancafiados em seu próprio mundo, enquanto o povo sofre as consequências de seus delírios. Um enredo que nunca terminou bem e por aqui certamente terá um triste desfecho.

sexta-feira, abril 09, 2021

Declínio Bolsonarista

Bolsonaro é o ponto inicial e final desta história. Isto porque chegou à Presidência da República embalado em uma onda de reformas, mudanças e esperança. Representava a ruptura com os erros do passado e a vontade de fazer política de uma maneira muito diferente daquela que reinava no país há tanto tempo. Embalado pelo lavajatismo e também pelo antipetismo, tinha o apoio para fazer as coisas de forma diferente. 

No poder, Bolsonaro voltou a encarnar o deputado do baixo clero que transitou pelo parlamento por quase três décadas. Retomou um discurso de campanha, levando a beligerância para dentro do Palácio do Planalto. Longe de governar, passou a usar a tática do enfrentamento como motor de suas narrativas. 

No Congresso Nacional optou pela pauta de costumes, deixando as reformas estruturais em segundo plano, assim como as iniciativas anticorrupção propostas pelo Ministro da Justiça, Sérgio Moro. Mesmo assim, mais por empenho do parlamento do que realmente por esforço do governo, conseguiu aprovar uma Reforma da Previdência. Se tornaria a única vitória em um deserto de propostas. 

Ao encarar a pandemia, percebeu-se, o Brasil não havia feito a lição de casa. As reformas seguiam emperradas, a liderança do governo era amadora e Bolsonaro seguia mais interessado em criar narrativas do que encarar a realidade. Em pouco tempo a inércia cobrou o seu preço. Contas desajustadas, leitos lotados, descrédito governamental enquanto o Presidente conduzia seu show alicerçado em cloroquina e negacionismo. 

Depois de um ano de pandemia, o foco surge na reeleição e dentro de uma nova coalizão capitaneada pelo centrão. Mas talvez seja tarde demais. Sem recursos e endividado, o país surge mais cético e decepcionado com a falta de resultados do bolsonarismo. O populismo presidencial perde seu encanto na medida que a realidade se abate diante dos bolsos dos brasileiros, agora vazios, encarando uma variante de vírus letal.

Acenos antidemocráticos, crises intermináveis, incompetência na compra de vacinas, choques entre os poderes e enfrentamento com o alto comando militar são apenas alguns dos ingredientes de uma presidência que passa longe de suas promessas e acenos eleitorais. Um verdadeiro estelionato eleitoral que cala fundo em enorme parcela da população que acreditou nas palavras de um presidente, hoje desacreditado. 

O descrédito de Bolsonaro se ampliou em suas bases eleitorais. Está longe dos liberais, lavajatistas, conservadores e antipetistas. Conseguiu se afastar do mundo financeiro, que divulgou manifesto contra o governo, ao mesmo tempo que entrou em choque com os militares, resultando no afastamento conjuntos dos comandantes das Forças Armadas. 

Bolsonaro desembarca em 2022 controlando a máquina, mas eleitoralmente fraco. Pressionado pelos números de Lula e pela possibilidade de uma candidatura de centro, pode inclusive ficar fora do segundo turno. Não foi por falta de aviso. O declínio bolsonarista é um fenômeno previsto. O Brasil é muito grande para ser governado refém de narrativas populistas. Ao desconhecer as razões de sua vitória em 2018, segue firme em direção da derrota em 2022.

sábado, março 27, 2021

Política Binária

O bolsonarismo inaugurou o modo petista de governar pela direita. O método é o mesmo, apesar dos sinais trocados. Se baseia em uma visão binária de mundo que consiste apenas em duas metades. Aqueles que não são bolsonaristas, são comunistas e os que optam por não ser petistas, são taxados de fascistas. Não existe espaço para a ponderação, razão e entendimento. O modelo mental é de destruição do oponente, jamais de construção de soluções. Em qualquer ambiente desta polarização, quem não está do meu lado não é considerado adversário, mas um inimigo a ser destruído. 

Por certo as redes sociais deram voz a uma grande parcela da população que não conseguia ser ouvida, entretanto, a qualidade do debate caiu vertiginosamente. Isto ocorre porque as redes criam bolhas por meio de algoritmos que atraem os iguais e afastam os divergentes. Um fenômeno que gera uma falsa sensação de aceitação no todo e que acirra o discurso binário. Grupos falam para si mesmos e sua bolha artificial. 

Ao associarmos o ímpeto de destruição do oponente à falsa sensação de aceite geral, criamos o modelo de discurso político atual. Como a construção não é objetivo de ambos grupos, a forma moldada de debate político é da deslegitimação do oponente por meio ataques e agressões, que não visa atacar seus argumentos, mas invalidar o interlocutor. O que menos interessa neste campo é o debate de ideias, prevalecendo sempre a tese de que um grupo é o dono da razão. 

Neste caso, a divergência é sempre mais importante do que a convergência. Assim, se na direita bolsonarista temos um liberal, que concorda com a agenda do governo, mas critica Bolsonaro por não ter avançado nas privatizações, certamente será taxado de traidor, esquerdista ou até mesmo de comunista. Do outro lado, a mesma coisa, apenas mudando o sinal, com os ataques circulando entre fascistas e xenófobos. O que importa é divergir, atacar, agredir e se autoafirmar para sua bolha. 

O Brasil perde com este movimento raso e simplista, que leva a política para rumos diferentes de seu propósito original. A política é feita de adversários, não de inimigos, da criação de consensos e da construção de maiorias. Quando dentro da política, divergência, destruição e rivalidade entram em cena, a democracia se enfraquece e tendências autoritárias, que podem vir da direita ou esquerda, sentem-se mais confortáveis para surgir como alternativas. 

Vale lembrar também que este mecanismo é vantajoso para os radicais, que precisam do polo opositor para sobreviver, um sistema que se retroalimenta da rejeição e do ódio, que funcionam como combustível na arena eleitoral. Sem antagonistas, o modelo perde tração, quando entram em cena a convergência e a boa política. Em última instância, quando os radicalismos se fortalecem, a democracia se enfraquece. Sem os extremos, o sistema encontra sua harmonia. 

Não teremos chance de vencer a pandemia, tampouco o caos econômico que se instalou no Brasil se seguirmos reféns deste pensamento simplista e tosco. O binarismo político leva à servidão, submissão e cegueira intelectual e política. O Brasil merece mais do que isso.

terça-feira, março 23, 2021

Ministro Bolsonaro

A troca de Eduardo Pazuello por Maurício Queiroga no comando da pasta da Saúde altera muito pouco a dinâmica decisória enfrentada pelo país durante a pandemia. Apesar da troca de ministros, não haverá na verdade troca de comando. As ideias seguem as mesmas, assim como as diretrizes governamentais. Troca-se o titular, mas de fato o Ministro de Estado da Saúde segue sendo Jair Messias Bolsonaro. 

Esta é uma péssima notícia para o país, uma vez que a condução do combate à pandemia tem sido desastrosa em todos os aspectos, desde a negação da ciência, passando pela rejeição das regras de distanciamento social e o ceticismo em relação à vacina. Temas que já deveriam estar superados mantém o Brasil preso à dogmas ultrapassados que acabam por ceifar vidas de forma brutal e cruel. 

A possibilidade de termos no comando da pasta a médica Ludhmila Hajjar foi apenas um sopro de esperança que logo se dissipou. Defensora das práticas de isolamento social e uso de máscaras, ela defende também que o uso de medicamentos como a cloroquina são ineficazes no tratamento contra o coronavírus. Em pouco tempo virou alvo das redes bolsonaristas e viu sua reputação ser atacada de forma vil e cruel. Não aceitou o posto depois de ter certeza que não teria autonomia no comando do ministério. 

A negativa da médica Ludhmila Hajjar expõe as vísceras de um governo que peca pela ausência de gestão em frentes sensíveis como a área de saúde. Depois de tudo ficou uma certeza: encontramos a Ministra da Saúde que o Brasil precisa. Faltou apenas encontrar um Presidente. Na falta de um, perdemos mais um nome de qualidade disposto a assumir a pasta da Saúde em meio a pandemia 

Na verdade, Bolsonaro quer um ministro da Saúde que seja apenas um nome de frente que execute suas diretrizes. O ministro é Bolsonaro e quer continuar a sê-lo mesmo com a troca de comando na pasta. Não foi por outro motivo que até este momento contava com um General da ativa como ministro. Precisa de alguém que acate suas orientações e determinações sem questionamentos. 

Bolsonaro encontrou em Marcelo Queiroga alguém que defenderá seus dogmas dando continuidade ao trabalho de Pazuello. Mudou o ministro para nada mudar, afinal, o ministro apenas executa a política determinada pelo Presidente, como já indicou Queiroga. Entra, portanto, sem autonomia e com a certeza que terá muito pouca margem de manobra para mudar os rumos dentro do Ministério da Saúde. 

No âmbito político, Bolsonaro sai machucado. Depois de rejeitar as opções técnicas e políticas com respaldo nas esferas de poder, o Presidente optou pelo caminho de uma opção pessoal. Uma escolha que terá um custo, que pode ser caro diante dos resultados que veremos daqui por diante. 

Os limites do Centrão costumam se impor quando o governo se torna politicamente inviável. Isto significa que o grupo não irá ser tragado para o insucesso do governo durante a pandemia e caso necessite trocar o ministro mais uma vez, pode avaliar que quem realmente precisa ser exonerado é o Ministro Bolsonaro, aquele que além comandar a pasta da Saúde, responde também pela Presidência da República.

sábado, março 20, 2021

Terceira Via

O Brasil mergulha na polarização, entretanto com a Lava Jato preservada. Estes foram os principais desdobramentos da decisão do Ministro Fachin que abalou o mundo político. Os oportunistas de ambos os lados não perderam a chance de torcer a narrativa para iniciar o jogo com vistas à sucessão presidencial. Uma dinâmica que se retroalimenta e funciona para ambos os lados das extremidades do espectro eleitoral. 

Para Bolsonaro, a volta de Lula ao jogo é a notícia que tanto almejava. Bolsonaro é um político forjado na dinâmica do enfrentamento, se criou no antagonismo e joga na polarização. Ter um inimigo é essencial. Sem adversário, sente-se perdido e geralmente erra em suas manobras. Ao encontrar um oponente, puxa o controle do jogo para si, pautando o adversário por meio de suas narrativas. Sonhava com a volta de Lula ao ringue. Agora, vencer o lulismo nas urnas não será tarefa fácil. 

Para Lula, a dinâmica também serve de forma impecável. Usará a falta de vacinas, o descontrole da pandemia e a desaceleração da economia para ombrear com Bolsonaro. Lula tem a seu favor o recall de um período de expansão da economia e controle das contas públicas, tentando dissociar os erros de Dilma dos acertos de seu governo. Usará a narrativa de ter sido vítima de um golpe político que o tirou das eleições de 2018. 

Como vemos, o script está pronto e tanto Lula quanto Bolsonaro precisam um do outro para retroalimentar suas narrativas e a tentativa de polarização. Neste embate, entretanto, pode chegar um elemento novo. Caso Sérgio Moro opte por tentar entrar no páreo, a partida pode embolar para Bolsonaro, uma vez que a polarização pode se estabelecer entre Moro e Lula, deixando o Presidente de lado. Sem antagonistas, sendo um alvo fácil de críticas, Bolsonaro correria sério risco de ficar pelo caminho. 

Ao reabilitar Lula para a disputa eleitoral, Fachin procurava preservar a Lava Jato. No jogo de xadrez, ao anular os processos de Lula por incompetência de foro, o Ministro preservou demais casos da operação, evitando que fosse decretada a suspeição de Moro – estratégia desenhada por Gilmar Mendes e que teria atingindo maioria na turma com o apoio do indicado de Bolsonaro ao STF: Nunes Marques. A tentativa de decretar a suspeição de Moro foi sepultada por Fachin, livrando Lula, mas preservado todas outras sentenças. 

Certamente o sistema ainda irá trabalhar para ceifar as chances de Moro ser candidato, uma vez que possui chances reais de vitória. A eleição de Lula, onde foi gestada a corrupção, ou a recondução de Bolsonaro, responsável por enterrar as investigações, são opções muito melhores para o sistema. Resta, ao chamado centro, se unir em torno de outro nome caso Moro não entre na disputa. 

O Brasil estará novamente diante de uma decisão importante em 2022. A chance de uma terceira-via é também a possibilidade de quebrar com uma infeliz polarização que pode deixar nosso país refém dos mesmos erros e dos atores responsáveis por uma condução errática da pandemia, um estelionato eleitoral de proporções descomunais e os esquemas de corrupção que colocaram o país de joelhos. O Brasil merece muito mais do que uma polarização ilusória que representa apenas mais do mesmo.

sábado, março 06, 2021

Populismo Econômico

Eleito no embalo de um discurso de liberalismo liderado por Paulo Guedes, Bolsonaro aos poucos vai mostrando sua verdadeira face no mundo da economia. O discurso real do Presidente não rima com as teses de Guedes e mostram um retorno aos seus tempos de parlamento, quando atacava privatizações e defendia um modelo de governo forte e interventor. Bolsonaro mostra-se cada vez um produto do falido modelo militar que arrasou a economia brasileira.

A intervenção na Petrobrás foi apenas mais um episódio, mas que desta vez deixou clara as raízes militares do capitão. Seduzido pelo populismo econômico, encontrou nos instrumentos poderosos da presidência um atalho para popularidade fácil por meio do gasto público. Este perigoso caminho já foi trilhado por inúmeros mandatários e sempre leva a um mesmo resultado: um voo de galinha na economia e distribuição de renda ao custo de aumento da inflação e criação de déficits fiscais.

Acreditávamos que o Brasil podia ter aprendido com erros dos governos militares e posteriormente com recessão econômica vivida pelo país nos anos Dilma. Como sabemos, contudo, nosso país sempre pode surpreender e parece estar embarcando novamente em uma aventura que não deixará saudades e acabará por destruir aqueles ganhos políticos e econômicos duramente construídos por décadas. 

Diante de um governo militarizado, onde valem mais as estrelas no ombro do que a capacidade de gestão, Bolsonaro fez a opção esperada. Os militares brasileiros jamais abraçaram o liberalismo econômico e certamente são muito céticos diante da agenda de Guedes. Defensores de um estado grande e atuante, estão em sintonia com o capitão que ocupa a cadeira presidencial. 

A conta não fecha, como é comum nestes casos, mas os ganhos políticos empurram os custos da aventura para as gerações seguintes. O populismo econômico, portanto, serve para aqueles que estão no poder e não irão conviver com seus desdobramentos em momentos futuros, uma vez que seguem blindados pelos mecanismos de proteção do Estado. Populistas governam olhando para a próxima eleição, jamais para a próxima geração. Uma manobra que mais de uma vez já ceifou o futuro do Brasil. 

A pandemia foi a justificativa para esta guinada nas contas públicas. Sem planejamento ou ações efetivas que protegessem o emprego e a sobrevivência empresarial do abalo econômico, o país se tornou refém de meras medidas assistencialistas que se resumem na transferência de renda pura e simples. Uma medida paliativa, de alto custo e que deixa de criar instrumentos para recuperação econômica da população. 

Se de um lado Bolsonaro opta pela tática do confronto, de outro começa a trilhar com maior convicção o populismo econômico. O resultado é perigoso. Estamos vendo a perda de credibilidade do país no exterior, queda nas bolsas e alta no dólar. O mundo enxerga que de forma cíclica adentramos pelo populismo, seja pela direita ou pela esquerda. Um erro, que se não for corrigido, colocará nossa credibilidade em xeque por décadas, perdendo mais uma geração para nossos próprios erros.