sexta-feira, dezembro 11, 2020

Longe de Moscou

Na lista de antigos satélites da União Soviética que passaram a desagradar Moscou, a Moldávia assumiu um lugar de destaque. Depois de possuir governos tutelados pelo Kremlin, finalmente o país parece começar a se desprender das amarras do passado e olhar adiante, focado na Europa e nos valores democráticos, deixando de lado o sombrio passado socialista. 

Maia Sandu é a mais nova preocupação de Moscou. A jovem política de 48 anos foi eleita em segundo turno contra Igor Dodon, candidato dos russos, preferido de Vladimir Putin e atual Presidente. A Moldávia, que faz fronteira com a Romênia, com quem divide laços étnicos e culturais, sente-se hoje mais perto da União Europeia do que de Moscou. Sandu é a mais forte expressão deste movimento. 

A Moldávia segue o mesmo caminho de outras antigas repúblicas soviéticas, que hoje independentes, buscam maior autonomia em relação à Rússia. Apesar de formalmente não fazerem mais parte da União Soviética, a sombra de Moscou ainda paira em muitos destes países. Assim como em Belarus, a batalha está hoje em outro plano e foca em isolar a influência política dos russos em suas vidas. 

Em Belarus somente mais uma fraude eleitoral conseguiu manter Lukashenko no poder e Minsk, mesmo sob a vigilância dos policiais do regime autocrático apoiado por Moscou, é palco todas as semanas de protestos pró-democracia. A Europa passou a apoiar o fim do governo e a adoção de eleições livres monitoradas por observadores internacionais, algo rejeitado pela Rússia. 

Os conflitos nas franjas da extinta União Soviética chegaram ao Azerbaijão e Armênia, em disputa pela região de Nagorno-Karabakh que cessaram somente depois de mediação internacional. O caso da Moldávia lembra este conflito. A região da Transdnístria na fronteira com a Ucrânia, considera-se independente e seus 500 mil habitantes, moldavos, russos e ucranianos étnicos, buscam reconhecimento internacional. 

Fato é que a região é mantida sob controle com forças russas, que desde 1992 estão no local. O território respira a nostalgia dos tempos comunistas. Sandu, a Presidente eleita, deseja que a Rússia retire os 1.500 soldados do local e estes sejam substituídos por forças internacionais. O Kremlin não gostou. A população da Moldávia tomou as ruas da capital Chisinau em apoio a Sandu. Putin não terá vida fácil com a nova líder do país. Ela deseja levar o antigo satélite soviético, hoje uma nação independente, mais para perto da União Europeia. 

Moscou tem mais um problema sério a ser resolvido. Depois de Belarus, Armênia, Azeibaijão e Quirguistão, agora mais uma antiga república soviética rebela-se contra o poder do Kremlin. Na medida que a democracia e as benesses do capitalismo europeu penetram nas antigas repúblicas, torna-se cada vez mais difícil manter os mecanismos de fraude e controle impostos pela Rússia. 

Já chegou o momento de verdadeiras democracias se instalarem na região e seus povos decidirem o seu próprio futuro. Sandu agora torna-se uma peça importante deste tabuleiro político que ousa desafiar as ordens emanadas do Kremlin. A Moldávia escolheu romper com um passado sombrio e olhar para o futuro, longe de Moscou. Ninguém pode condená-los por isso.

segunda-feira, novembro 30, 2020

Soberba Chinesa

Desde 2009 a China é o principal parceiro comercial do Brasil. Um movimento que começou a se desenhar também em outros países. A estratégia chinesa sempre foi muito clara, ou seja, tornar-se essencial para a economia de diversas nações e a partir daí migrar esta relação para o campo político. Em Brasília, este movimento ocorreu durante os governos petistas, alinhados ideologicamente com Pequim.

Antes da China entrar em cena, o principal parceiro comercial do Brasil eram os Estados Unidos, uma relação que perdurou por décadas desta forma. Fato é que o entendimento entre os países se dava maneira natural, uma vez que os americanos comungam dos mesmos valores que o Brasil, dividindo o apreço pela democracia, liberdade e os pilares do Estado de Direito. 

Naturalmente a política externa, política de comércio exterior e política comercial andam coordenadas. A mudança de paradigma comercial brasileira nos anos petistas esteve aliada a um forte componente de política externa, que acabou por afastar o Brasil dos Estados Unidos, alinhando-se com a China na mesma medida. Ao final do governo Lula este movimento estava completo e política externa e comercial finalmente se encontraram. 

Fato é que ao se associar com a China como principal parceira no comércio internacional tornou nosso país vulnerável. Pequim não divide os mesmos valores, tampouco tem o mesmo apreço por instrumentos democráticos que temos no Brasil. Democracia, Direitos Humanos, Estado de Direito e um arcabouço de liberdades que começam nos direitos individuais e desaguam no respeito a diversidade e tolerância religiosa não são respeitados pela China. 

Este conflito tem sido um dos principais elementos desestabilizadores da relação entre os dois países e faz com que a temperatura suba recorrentemente. A liberdade de opinião brasileira não tem sido tolerada pelas autoridades governamentais chinesas que exercem pressão para que seus objetivos estratégicos político-comerciais internacionais sejam atendidos pelo Brasil. Um desacordo que remete a essência e aos valores defendidos pelas duas nações. 

O Brasil, entretanto, não está sozinho diante da pressão chinesa. Países europeus têm reagido com veemência diante da maneira direta e incisiva da diplomacia oriental. Um movimento puxado por Suécia e França que cada vez mais ganha adeptos. A Austrália tornou-se mais uma nação que sofreu retaliações do governo de Pequim por se negar a adotar o padrão de 5G da Huawei e ZTE, empresas que por lei dividem informações coletas nas redes com as autoridades chinesas. 

O caso da Austrália é paradigmático. A estratégia é sempre a mesma, criar dependência econômica ao longo dos anos e assim obter formas especiais de pressão para forçar os parceiros comerciais a agir de acordo com os objetivos políticos chineses. Aqueles que tiverem a ousadia de se voltar contra seus interesses, sofrem o peso das retaliações. 

A sino-dependência brasileira precisa ser repensada, assim como uma postura passiva diante das agressões desferidas pelas autoridades diplomáticas quando sentem seus planos rejeitados por governos estrangeiros. Ao dizer que o Brasil sofrerá consequências se calúnias (sic) perdurarem, o governo chinês está ameaçando nossa soberania por intermédio de seu corpo diplomático. Uma postura constrangedora. 

Assim como na Austrália, a China está disposta a retaliar nações que desejam rejeitar seus planos. Ao domesticar nossa economia, Pequim não se constrange em agir de forma acintosa, pois sabe que setores importantes respiram pelos aparelhos chineses e estariam dispostos a pressionar o governo para manter seus negócios. 

Devemos nos perguntar, entretanto, o custo real desta sociedade. Durante os anos em que os Estados Unidos eram o principal destino comercial do Brasil, jamais um Embaixador americano ousou constranger nosso país diante de declarações nada amistosas de parlamentares da esquerda. Os americanos, entretanto, entendem o que significa liberdade de expressão em um regime democrático, algo que os chineses, reféns de um governo autoritário e socialista, não conhecem. 

Antes de nos tornar ainda mais reféns de Pequim, convém ao Brasil diversificar sua pauta e destino exportador. Nossa soberania não pode sofrer constrangimentos de diplomatas contrariados que discordam da opinião de nossos parlamentares. Devemos estar ao lado de nações que entendem e dividem nossos valores, que aceitam a liberdade, democracia e as leis de forma independente e soberana.

segunda-feira, novembro 23, 2020

5G: Uma Rede Limpa

Um grande passo foi dado pelo Brasil em relação ao sistema de segurança que envolve a tecnologia 5G. Um degrau decisivo para afastar nosso país dos riscos chineses e nos aproximar de um modelo de segurança econômica global. Nosso país passa a fazer parte, a partir de agora, da Clean Network, um movimento de nações livres e independentes que não desejam ser conduzidos pelas ordens emanadas de Pequim. 

O Itamaraty, chefiado pelo Ministro Ernesto Araújo, assinou a entrada do Brasil na coalizão de 50 países que representa aproximadamente dois terços do PIB mundial, juntamente com mais de 170 empresas de telecomunicações e muitas das mais poderosas empresas de alta tecnologia do mundo. Uma rede que conta com 31 dos 37 países da OCDE; 27 dos 30 países da Otan; 26 dos 27 países da União Européia e 11 dos 12 países dos Três Mares. 

Ao se juntar ao grupo de nações que desejam uma rede limpa, o Brasil se coloca ao lado de outros países que defendem um sistema livre de influências governamentais em seu desenho de 5G. Um movimento contra nações que desejam dominar o tráfego de informações por intermédios de empresas privadas que funcionam apenas como intermediários dos desejos de seus governos. 

A China não é um país livre e a Huawei é a espinha dorsal do estado de vigilância do partido comunista que dirige a nação asiática. A lei de segurança nacional exige que as empresas chinesas entreguem os dados coletados por seus sistemas a pedido do partido comunista. Isto coloca todo o tráfego que circula por redes como da Huawei em situação vulnerável, uma vez que podem ser acessados pelo governo de Pequim por força de lei. Estamos falando desde dados pessoais até informações estratégicas de segurança nacional. 

Assim, um número crescente de países começou a se proteger do sistema de vigilância chinês implementado pela Huawei ao redor do mundo. A aliança em torno da rede limpa, chamada de Clean Network, é mais um passo neste sentido. Ao se juntar nesta iniciativa, o Brasil garante um ambiente seguro, transparente e compatível com os valores democráticos e liberdades fundamentais. Algo que gerará inclusive mais segurança para as empresas que investirem no país. 

As trilhas da Clean Network abrem caminho em várias direções para uma rede mais estável, aberta e confiável. O instrumento de Clean Path deixa o tráfego de rede 5G mais transparente, enquanto o Clean Carrier limpa a rede dos riscos e a Clean Store, a remoção de aplicativos não confiáveis. 

Sabemos que não há prosperidade sustentável sem liberdade. Em apenas alguns meses, dois terços do PIB mundial estão representados na Rede Limpa. Ao se colocar ao lado de países democráticos, livres e abertos, o Brasil está diante da oportunidade de construir uma rede segura e confiável, que preserve os dados dos brasileiros e de seu governo, com companhias sediadas em países que possuem judiciários independentes e livres da pressão de governos autoritários. Pequim ficou mais longe de Brasília, enquanto a Huawei, mais longe de nossos dados. Esta é uma excelente notícia para nosso país.

terça-feira, outubro 13, 2020

Caminho do meio de Washington

O falecimento da juíza Ruth Ginsburg pode marcar o fim de uma era na Suprema Corte dos Estados Unidos. Tradicionalmente balanceada entre progressistas e conservadores, tudo indica que a corte pode perder este salutar equilíbrio, que tem servido como farol nos tempos mais difíceis. A configuração de poder única deste final de mandato do Presidente Donald Trump, que também possui maioria no Senado, pode funcionar como gatilho destes novos tempos. 

A democracia exige prudência, entretanto, a oportunidade que está em jogo é muito preciosa nestes tempos polarizados. Ao aprovar um nome conservador, a corte alcança sólida maioria, com possibilidade de reverter precedentes relevantes, como aquele que autoriza o aborto. Fato é que os riscos da polarização correm dos dois lados e um dia o jogo pode se inverter. 

No governo Barack Obama, após o falecimento de Antonin Scalia, o mais conservador do colegiado, o Presidente democrata preferiu indicar o Merrick Garland para sua vaga. Garland é considerado um centrista e Obama acreditou que esta credencial poderia ajudá-lo no processo de confirmação, afinal Anthony Kennedy e Clarence Thomas, indicados por Reagan, foram confirmados por um Senado de maioria democrata. 

 Nada disso. O vírus da polarização já havia contaminado o Senado e as antigas agendas bipartidárias, tão populares no passado, foram esquecidas. Os republicanos, no controle do Senado, impuseram uma derrota a Obama. O comitê judiciário do Senado não realizou audiências de confirmação com Merrick Garland e sua indicação caducou com o fim do ano legislativo. 

Hoje, o jogo se virou contra os democratas. Os republicanos entendem que se Obama indicou o substituto de Scalia, Trump tem o direito de indicar o substituto de Ginsburg. Sem surpresas. Mas fato é que novamente os republicanos estão com o controle do Senado e desta vez com votos suficientes aprovar o nome indicado. A aprovação tende a ser expressa, terminando todo o processo antes do final da corrida eleitoral. 

Ao indicar Amy Coney Barrett, Trump escolheu aquela que foi a mais dedicada assistente de Antonin Scalia em seus anos na Suprema Corte. Um nome muito alinhado com os conservadores e com os outros dois juízes que ele indicou ainda neste governo: Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh. Aos poucos, Trump, em seu primeiro mandato, terá conseguido realizar a maior guinada conservadora da corte em décadas. 

Os riscos, entretanto, são grandes. Assim como os democratas acreditaram que seria possível jogar pesado com as regras do Senado quando tinham maioria, o movimento pendular da política foi cruel quando estavam mais fracos. Os republicanos tinham a grande chance de mudar este estado de coisas, firmando um precedente quando possuem maioria: esperar o resultado eleitoral. Isto foi realizado em 2016 em outra configuração, mas este seria o momento de mostrar que suas virtudes democráticas podem falar mais alto do que a simples oportunidade política. 

Mas ao fim e ao cabo, estamos de falando da terrível batalha de poder pelo controle do judiciário mais influente do mundo e em tempos de polarização ninguém quer perder a chance de crescer sobre seu oponente. O caminho do meio de Washington nunca esteve tão longe no horizonte e esta não é uma boa notícia para a política. O fim de uma era de entendimento e equilíbrio pode ter chegado ao judiciário.

segunda-feira, outubro 05, 2020

Por que, apesar da vantagem, Eleições Americanas ainda estão indefinidas

O Wall Street Journal/NBC News divulgou hoje a pesquisa que mostra o democrata Joe Biden com 53% na dianteira contra 39% de Donald Trump. Apesar de ampla vantagem, entretanto, o resultado final não está definido. Isso porque nos Estados Unidos, o presidente é eleito a partir dos colégios eleitorais e até novembro a disputa se dá pelos estados. 

Diferente do que ocorre no Brasil, onde as eleições são definidas por voto direto dos cidadãos, nas eleições americanas o voto popular (não obrigatório) é confiado aos delegados, que por sua vez, apoiam o seu candidato. Ao todo, os colégios eleitorais americanos somam 538 votos. Para chegar à Casa Branca, o candidato precisa ter a maioria absoluta deles (pelo menos 270). 

É por essa dinâmica que a menos de um mês para a votação, a ampla vantagem de Biden para Trump ainda não pode ser encarada como um resultado final. O mapa eleitoral ainda segue com indefinições em estados estratégicos e a não obrigatoriedade de votação pode ser decisiva para a disputa. 

Outro processo importante será concluído em estados ainda divididos, como Texas, Ohio, Carolina do Norte, Geórgia e Flórida, que recebem só até hoje os registros de votos destas eleições. A batalha será acirrada nas disputas por cada estado, com foco na Florida, Maine, Arizona, Ohio, Iowa. Até o próximo dia 3, tudo pode mudar. 

domingo, junho 21, 2020

Novo Comércio Internacional

A crise econômica gerada pela pandemia causou danos aos fluxos de comércio internacional, isto porque se imagina que passaremos por um período de refluxo mercantil externo, com as nações voltadas mais aos seus mercados internos. Apesar desta leitura, fato é que novos caminhos estão se abrindo e aqueles países que souberem se adequar ao que convencionou-se chamar de nova realidade comercial global podem fazer suas economias responder mais rapidamente.

O mundo, que após a crise financeira de 2008 já vem passando por um movimento de desglobalização, busca um novo meridiano geoeconômico consistente. Nosso país, que soube fazer movimentos importantes na crise, elogiados inclusive pelo Banco Mundial, ainda precisa romper as amarras que mantém nossa corrente de comércio em patamares muito baixos, cerca de 25% do PIB. Com uma tarifa média de importação 16%, ainda estamos muito longe dos futuros parceiros de OCDE, que navegam em níveis mais favoráveis ao comércio, em torno de 2%.

Sabemos, entretanto, que nosso país pode ir além. Neste momento crucial, onde novos desenhos e arranjos são delineados, existe chance para o Brasil trabalhar uma agenda inteligente, atraindo parcerias, impulsionando a economia e a geração de empregos. Movimentos bem calculados podem inserir nosso país em cadeias globais de valor dentro destes novos eixos dinâmicos da economia mundial que passam a surgir neste momento.

Nossas exportações, que crescem a taxa média anual de 9,7%, com participação de apenas 1,2% no quadro global ainda são resultado de um modelo ultrapassado de substituições de importações. Ao contrário da Coréia do Sul, que trabalhou este instrumento de forma inteligente, utilizando métricas de performance, o Brasil acabou criando uma fortaleza de interna de privilégios. Precisamos quebrar este ciclo, pois sabemos que nosso potencial está muito além deste passado.

Uma abertura comercial está longe de ser apenas redução de tarifas e cotas. Logo, precisamos também de realinhamento estratégico e reposicionamento de nossa presença comercial no exterior, um plano de mobilidade global que torne o Brasil um player efetivo do comércio internacional. Uma estrutura organizada, leve e efetiva, que sirva de base para nossos exportadores, ao mesmo tempo que funcione como elemento propulsor de novos negócios, aquilo que convencionou-se chamar de intelligentsia, um corpo técnico estrategicamente alocado no exterior exclusivamente dedicado a abrir mercados e oportunidades.

Nossos business desks precisam estar espalhados em lugares como Baku, Bangalore, Cidade do Cabo e Singapura, apenas para citar alguns. Na Índia, que há quatro anos cresce mais que a China, há espaço para forças modernizantes vindas do exterior, com demanda, por exemplo, para infraestrutura e commodities. As oportunidades estão postas. Ao agir de forma inteligente, o Brasil pode se colocar de maneira estratégica no novo desenho do comércio internacional.

Dos mercados populares do Brasil, ao indígena de Otavalo, no Equador, passando pelo Kejetia, em Kumasi, Gana e o flutuante de Bangkok, na Tailândia. Do Mercado de Djemaa el Fna, em Marrakech, no Marrocos, ao conhecido de peixes Noryangjin, em Seul, na Coreia do Sul; e tribal em Bati, na Etiópia; a humanidade foi moldada na liberdade econômica em sua trajetória. Especialmente no período pós-pandemia, existirá ainda mais lugar para um novo intercâmbio econômico-comercial que o Brasil pode ocupar de forma eficaz e inteligente.

quinta-feira, junho 18, 2020

A Origem

Na medida que o Brasil aos poucos vai reabrindo e tentando retomar atividades laborais que estavam impedidas em razão do isolamento social, muitas perguntas ainda precisam ser respondidas. É preciso saber se nosso país está reabrindo cedo demais, se corremos o risco de sofrer com uma segunda onda ou até mesmo se realmente atingimos o pico da primeira.

Antes de tudo precisamos entender as origens do vírus que mudou o mundo como conhecemos, a desinformação inicial e as teorias conspiratórias que há meses fazem parte do imaginário popular. Isto tudo pode nos ajudar a impedir novas pandemias no futuro.

Existem evidências que levam a suspeitas de que o Instituto de Virologia de Wuhan, China, localizado no epicentro da pandemia, possa ser o nascedouro do problema. Ali são realizadas pesquisas com vírus altamente contagiosos originários de morcegos e o DNA da composição do vírus possui um perfil semelhante em 96% a de um morcego encontrado 1.000km ao sul de Hubei, Wuhan.

O controle inicial da doença foi falho. A Universidade de Southampton realizou estudo neste sentido. Segundo esta pesquisa, uma intervenção inicial e combinada teria sido crucial para evitar a propagação viral. Estima-se que esta ação poderia ter reduzido o contágio em 66% na primeira semana, 86% na segunda e 95% na terceira. Se isto tivesse sido feito com antecedência, dizem os pesquisadores, teríamos evitado a situação atual e a doença não teria se espalhado pelo mundo.

Wuhan passou por período radical de lockdown, entretanto, o governo comunista chinês ainda precisa explicar porque os voos desta província para dentro do país foram suspensos, ao mesmo tempo que a malha aérea para a Europa, no mesmo período, ficou aberta, servindo como porta de entrada para o vírus no continente. Estas e outras são questões que ainda precisam ser respondidas no contexto das relações internacionais.

Assim, no período pós-pandemia haverá uma discussão profunda sobre a relação internacional com a China por diversos países e blocos. A União Europeia já tem se movimentado neste sentido, uma reação puxada por Suécia e França, que vem encontrando apoios na medida que a reação de Pequim se torna mais dura. Já os americanos há tempos questionam a sino-dependência mundial e encontraram um caminho que justifica suas preocupações.

Por certo o Brasil fará parte deste jogo internacional e já é possível sentir um distanciamento entre Pequim e Brasília. Um movimento que, impulsionado pela tendência mundial, pode levar nosso país a diversificar seus parceiros comerciais diminuindo a dependência comercial brasileira dos chineses. Estes são fluxos que podem inclusive levar a um derretimento dos BRICS.

Fato é que esta pandemia mudará para sempre o mundo. Desde as relações pessoais, profissionais, hábitos e costumes, o que convencionou-se chamar de “novo normal” até as relações comerciais e os movimentos diplomáticos internacionais. O mundo pós-pandemia tende a ser muito diferente. Ao mesmo que é preciso evitar um novo surto, torna-se vital um minucioso trabalho de rastreamento das origens e buscar as causas da disseminação do contágio iniciado na província chinesa.

quinta-feira, junho 11, 2020

Liberdade de Imprensa

Thomas Jefferson, um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos, defendia que “se tivesse que escolher entre governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria em escolher esta última”. Ao redigir a Declaração de Independência norte-americana, se posicionou fundamentalmente a favor da liberdade como pilar fundamental da nação que nascia naquele momento e que acabou por influenciar de forma determinante os sistemas políticos tal como conhecemos.

O mundo vive um período delicado no que tange a liberdade de informar. O advento das redes sociais e das fake news tem mexido de forma profunda com o jornalismo e a política. Este é um binômio do qual não podemos nos afastar, uma vez que a política e a liberdade de expressão caminham lado a lado na construção e no fortalecimento de sistemas democráticos.

Além disso, muitas nações tem optado por calar seus cidadãos, cercear o trabalho da imprensa, restringir as redes sociais, além de encarcerar jornalistas por simplesmente executar seu ofício, o que representa um ataque contra uma base fundamental da democracia. De acordo com as entidades internacionais de monitoramento da liberdade de expressão, enxergamos esta triste realidade em países como China, Rússia, Turquia, Venezuela, entre tantos anos. O tema está na pauta mundial e tornou-se impossível silenciar diante dos fatos.

De acordo com o relatório do Comitê para a Proteção dos Jornalistas, sobretudo na na China, em meio a um crescente ataque de regimes autoritários contra a mídia independente, muitos jornalistas são acusados de "cometer crimes contra o Estado" ou de espalhar o que é considerado pelo governo como "notícias falsas”.

Entre os casos emblemáticos, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas cita a chinesa Sophia Huang Xueqin, presa em outubro de 2019 depois de descrever em seu blog sua experiência nas manifestações pró-democracia em Hong Kong, e o iraniano Mohamad Mosaed, que enviou um tuite durante um corte de Internet destinado a limitar a divulgação de notícias sobre uma manifestação contra os preços dos combustíveis.

No período em que se lembra do aniversário dos protestos por mais liberdade em Pequim, na Praça da Paz Celestial, os olhos se voltam mais uma vez para China, quarto pior no ranking de liberdade de imprensa no mundo e país que mais prende jornalistas, mantendo 109 profissionais atrás das grades, segundo balanço da organização Repórteres Sem Fronteiras. Outra entidade, a organização de direitos humanos Human Rights Watch pediu às autoridades chinesas a liberação de três ativistas e dois jornalistas que desapareceram após reportarem publicamente sobre o surto de Covid-19.

Certamente o Brasil está longe da China, carregando em seu sistema constitucional princípios que regem a liberdade de imprensa., opinião e expressão. Apesar disso foram constatados 208 casos de violência contra veículos e jornalistas em 2019. Em tempos de fake news e redes sociais, somente uma imprensa forte e independente pode evitar a erosão de direitos que se tornaram o principal sustentáculo de nosso sistema democrático.

sábado, maio 23, 2020

Era das Incertezas

A pandemia mexeu com as estruturas conhecidas por nossa geração. O impacto que teremos diante de nós afetará a economia, mas também as relações sociais, a importância da tecnologia na vida das pessoas, além de claros desdobramentos políticos. Certamente viveremos em um mundo diferente e a era das incertezas tornou-se uma dura realidade com a qual precisamos lidar.

Chegou o momento de tentar entender estas mudanças e se antecipar ao que está por vir. O grau destas transformações passa certamente pela extensão e profundidade da pandemia. Este ainda é o ponto central e mais importante de todas as mudanças que estamos vivenciando neste momento. Na medida que as restrições e impactos tornarem-se mais duros, mais profundas serão as mudanças que deverão ser encaradas diante do que convencionou-se chamar de “novo normal”.

Este freio de arrumação chega exatamente no momento em que o mundo vivia uma situação de excepcional prosperidade, similar ao início do século passado, marcado pela Belle Époque, inovações tecnológicas, com desdobramentos nas comunicações, energia e transportes, além de movimentos culturais, como o surgimento do cinema. Tudo isso em um período de paz, sem guerras, assentados em estruturas de poder definidas.

Assim como no passado, o presente parecia inabalável até a chegada de um vírus vindo de Wuhan ou um tiro nas ruas de Sarajevo que acabou por tirar a vida de um Arquiduque. Fato é que ambos acontecimentos tem o condão da responsabilidade em mudar as estruturas do mundo em que vivemos. Os desdobramentos de ambos tem o poder de redesenhar a ordem geopolítica mundial.

Isto ocorre porque para além das conquistas da humanidade, estamos diante do enfrentamento de misérias que também desafiam as estruturas de poder. Hoje, muitos estão além dos benefícios da globalização, onde as liberdades e a democracia não chegam. No passado, a pobreza, fluxos migratórios e pressões trabalhistas acenderam as insatisfações.

Este movimento, tanto hoje, como no início do século passado, faz com que ressurjam nacionalismos e populismos que, ao rejeitar a integração, penetram na política afetando suas estruturas. Ao se alimentar de conflitos, realizam sua manutenção no poder, mas ao custo de quebra do equilíbrio geopolítico conhecido.

No comércio, que vivenciava um período de abrandamento de fronteiras e barreiras, parece ser inevitável um processo de desaceleração. Na economia, é preciso ainda entender o enorme impacto da diminuição da importância do petróleo como elemento essencial do desenvolvimento e os desdobramentos que isto pode causar no sistema financeiro internacional.

Vivemos um período de incertezas. A única certeza, entretanto, é que as mudanças serão mais profundas e agudas na medida que as limitações se alongarem. Este freio de arrumação proporciona reorganizar prioridades, repensar direções e trabalhar pela chegada de um novo e ponderado equilíbrio de poder. Um novo mundo se avizinha.

segunda-feira, maio 18, 2020

Democracia Remota

Nestes tempos estranhos em que nossas estruturas institucionais passam por um período de teste em função de um vírus, buscar formas de fortalecer nossa democracia tornou-se um desafio. A crise gerada pelo coronavírus de forma alguma pode enfraquecer nosso sistema democrático, limitando as ações do parlamento federal e das casas legislativas de todo Brasil. Cientes disso, de que nossas instituições devem permanecer abertas e operantes, desde o princípio trabalhamos em formas de manter o sistema aberto e em pleno vigor.

O trabalho de integração e modernização dos legislativos se tornou uma missão institucional do Interlegis desde sua abertura, ainda em 1998. Aquele projeto, que iniciou em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) visando equipar as casas legislativas do Brasil, transformou-se ao longo do tempo em um importante instrumento de inovação e treinamento para os parlamentos locais do Brasil, alcançando mais de 4.300 municípios.

Assim, diante do desafio imposto pela crise sanitária, o Senado Federal, por meio do Interlegis, mobilizou-se para apresentar em curto espaço de tempo soluções tecnológicas que fariam com que nossos parlamentos locais continuassem funcionando. Para isso foi desenvolvida uma ferramenta chamada “Sistema de Acompanhamento do Processo Legislativo Remoto” (SAPL-R), capaz de fazer com que nossa democracia seguisse em funcionamento nas mais diversas casas legislativas do Brasil.

Usando tecnologia integralmente brasileira, desenvolvida pelos servidores do Senado Federal, as ferramentas tecnológicas do Interlegis chegam aos municípios brasileiros sem qualquer custo e tem produzido imenso impacto na produção legislativa das câmaras municipais e assembleias brasileiras. Com o SAPL-R apenas acrescentou-se mais um serviço que passa a fazer parte de rol de inovações constantemente atualizados.

Neste intuito temos trabalhado em treinamentos à distância com as casas legislativas brasileiras, realizando a transferência de tecnologia necessária e habilitando milhares de servidores locais a operar este novo sistema. Esta solução ultrapassou fronteiras, uma vez que os parlamentos do Timor Leste e Guiné Bissau usam o modelo brasileiro produzido pelo Interlegis em seus parlamentos nacionais.

O intuito é proporcionar funcionalidade sem interromper a produção legislativa parlamentar. Para isso usamos um sistema de votação eletrônica aliado a uma solução de videoconferência, que inclusive vai ao encontro da nossa filosofia de software livre. A votação de matérias pode ser feita remotamente, por meio da sessão plenária e mostrada em painel eletrônico digital com total segurança de transmissão de dados. Desta forma as casas legislativas locais podem funcionar sem que os parlamentares estejam presencialmente no plenário.

Acreditamos que o uso de tecnologias confiáveis e seguras tem papel fundamental em um mundo cada vez mais conectado. Esta pandemia forneceu a oportunidade para o Brasil dar mais um passo em direção de soluções inovadoras usando tecnologias, neste caso, integralmente brasileiras. Com foco em nossos municípios, conseguimos fornecer ferramentas sem custos que mantém os legislativos locais operantes e consolidamos a tecnologia também como ponto central em nosso planejamento estratégico.

Isto ocorre exatamente quando, ao completar um ano de gestão, conseguimos dar mais um passo em nosso plano de modernização institucional, finalmente tornando o Interlegis um think tank virtual do legislativo por meio do uso da tecnologia. Assim, nossos órgãos integrados, como o Instituto Legislativo Brasileiro e o Saberes, tornam-se também ferramentas virtuais de ensino, expandindo seu alcance para todos os municípios brasileiros. Assim, consolidamos conquistas e mudanças que transformam para sempre a face destes órgãos legislativos, agora modernos e direcionados para um novo horizonte, adequado aos novos rumos de um mundo mais integrado pelos meios virtuais em um período pós-pandemia.

Nossa democracia é a essência daquilo que somos como nação. Não podemos abdicar de seus instrumentos nem nos tempos mais turbulentos. Que estas soluções sejam apenas mais um passo em direção de um sistema democrático forte, soberano e atuante.

sexta-feira, maio 15, 2020

Pandemia sem Partido

Ao lembrar da vitória dos aliados, que encerrou um dos períodos mais sombrios de nossa História, estes dias podem servir de reflexão em tempos de pandemia. Em momentos tensos, nos quais a nação possui um inimigo comum, a tendência natural é de união, concertação e convergência, como vimos tanto na guerra que ceifou milhões de vidas diante do nazi-fascismo, quanto neste momento que vivemos, onde o mundo combate uma pandemia.

Nestes períodos, a política cede lugar aos esforços de coalizão, como ocorreu em torno de Churchill enquanto o Reino Unido era bombardeado pelos alemães, assim como a nação americana se uniu em esforços conjuntos no período pós-atentados no início deste século ou como Nelson Mandela unificou as forças políticas sul-africanas sem revanchismo no período pós-apartheid. Todos os povos seguem o mesmo mantra em momentos de crise. É preciso unificar e liderar em esforço conjunto.

A pandemia tem mobilizado diversas nações neste sentido. Com poucas exceções, os mais diversos países do planeta tem agido no caminho de unir esforços e buscar políticas de cooperação, seja no cenário externo, ou de unificação política no plano interno. Líderes de todo mundo tem colocado suas diferenças de lado com o objetivo de combater um inimigo comum.

Em nosso país, ao contrário, a confrontação e a disputa política ainda não cederam lugar ao entendimento e a concertação. Mesmo longe de um processo eleitoral que ainda demorará a chegar em nível nacional, temos enxergado políticos de diversas frentes mais preocupados com o cenário eleitoral do que com o combate sem tréguas diante da pandemia.

O Brasil é um país de dimensões continentais. Ao mesmo tempo que possuímos ecossistemas diferentes em nossas regiões, com o inverno amazônico ocorrendo antes do frio que ainda chegará até a região sul e a seca, que logo depois deve atingir seu pico na região centro-oeste, precisamos entender que a Bahia é do tamanho da França, Mato Grosso do Sul similar a extensão territorial da Alemanha, Minas Gerais é praticamente uma Espanha, São Paulo similar ao Reino Unido e nossa Amazônia é comparável ao tamanho da Mongólia. Isto sem contar a robustez destas economias e a densidade populacional.

Sabemos que a política de contenção do vírus não pode ser a mesma em todo território brasileiro e que o seu impacto será diverso em porções diferentes de nosso território, atingindo o pico em tempo diferente em cada uma de nossas regiões. Não é possível desenhar uma política de combate ao coronavírus no plano nacional sem estarmos sintonizados em ações conjuntas com os estados. Tampouco estes conseguirão sozinhos enfrentar a pandemia sem apoio do governo federal.

O Brasil precisa colocar suas diferenças de lado e agir com prudência em defesa de sua população. O vírus não escolhe ideologia e enquanto nos preocuparmos com as diferenças políticas, nos distanciaremos de uma saída deste problema para nossa nação. Que os auspícios da lembrança do final da guerra, possam nos orientar no sentido correto. Nenhuma nação vence um inimigo comum sem união, coalizão e convergência. A pandemia não escolhe partido.

domingo, maio 10, 2020

Máscara Chinesa

Como em nenhuma oportunidade no passado, o coronavírus está dando à China a chance de expressar que espécie de liderança o país oriental está disposto a exercer. Saindo da tradicional cautela em mostrar suas cartas, na crise do coronavírus o mundo está sendo brindado com diversos exemplos da visão chinesa sobre seu papel no mundo. A imagem deixada por Pequim neste momento está longe da ideia de nação próspera e forte amplamente divulgada pelo governo por décadas.

Há diversas questões ainda não respondidas sobre a administração da crise, e o resultado que emergir da pandemia pode redirecionar a balança de poder mundial, com reflexos nos fluxos internacionais de comércio. Isso passa pela imagem chinesa, seu posicionamento internacional e diplomático, controle da narrativa e entendimento dos mecanismos ocidentais de poder.

Cada vez menos países acreditam na alegada competência com que a China tratou da crise em seus estágios iniciais – e o exemplo mais claro disso é a falta de credibilidade dos números de casos/mortes no país, que acabaram gerando danos colaterais para a OMS (Organização Mundial de Saúde).

No intuito de mostrar-se preocupada com os efeitos da pandemia no mundo e evitar o forte dano de imagem pela qual tem passado, a China tem usado ações como doações de equipamentos de forma estratégica, algo que se desdobra em uma situação com claros reflexos geopolíticos.

O resultado, entretanto, tem sido desastroso. Há casos em que os equipamentos se mostraram de tão má qualidade que países os devolveram; em outros, os equipamentos foram vendidos, e não doados; em outros ainda, a China devolveu estoques que havia adquirido de países europeus.

No campo diplomático os resultados também não têm sido satisfatórios. A iniciativa de estimular seus diplomatas (e o porta-voz do Partido Comunista da China) para usar de forma intensa o Twitter em uma campanha agressiva de difamação de outros países – Estados Unidos à frente – parece ter se mostrado contraproducente. Exemplos incluem a tese inconsequente de que militares americanos teriam plantado o vírus na China e os termos inaceitáveis da resposta do embaixador chinês a autoridades brasileiras.

Esse mesmo condão da diplomacia pública chinesa adotado no Brasil, uma postura ativa na propagação de comentários inapropriados, já causou tensões com França, Suécia, Estados Unidos, entre outras nações. Esse estranho modelo de exercício diplomático vem causando danos sérios para a imagem do país asiático.

Tudo isso e o crescente dissabor que a China já causava no meio empresarial dos Estados Unidos e Europa é suficiente para fazer que uma sino-confrontação torne-se um elemento importante no mundo pós-coronavírus. Os europeus passam por um momento de afastamento prudente da China, que teria “perdido a Europa”, segundo Reinhard Buetikofer, chefe da delegação do Parlamento Europeu para relações com Pequim. Existe a preocupação com o real gerenciamento da crise nos estágios iniciais e a ação “extremamente agressiva” da diplomacia chinesa baseada na propaganda da superioridade do Partido Comunista sobre a democracia. Algo que, para os europeus, é inaceitável.

Porém, a probabilidade de que a China venha a perder a influência que estava adquirindo depende de 2 fatores: a forma como sairá dessa crise, tanto na esfera econômica, quanto política; e a forma como o resto do mundo, especialmente Washington e Bruxelas, se encontrarão depois da pandemia.

Se o Ocidente conseguir usar a crise como um fator de unificação política e alavanca para um modelo econômico que responda aos desafios da desigualdade e sustentabilidade, esses países terão condições de tornar o modelo da democracia capitalista atraente mais uma vez. Além disso, terão também condições de colocar em curso uma estratégia de contenção da China, tanto em suas economias, quanto nas de outros países, sobretudo aqueles em desenvolvimento.

Se, por outro lado, o Ocidente falhar no combate ao vírus e a China mostrar resultados positivos (algo que não é fácil de se apurar no curto prazo, dada a falta de transparência e a pouca credibilidade de suas estatísticas), será difícil evitar uma expansão chinesa no mundo, tanto como parceiro econômico (o que já é uma realidade) quanto como modelo político a ser seguido.

Fato é que a realidade do mundo que enxergaremos adiante passa pelos resultados da pandemia e como China e Ocidente se comportarão, tanto em seu combate, como mais adiante. No guerra da narrativa, Pequim perde aliados. Ao exercitar sua musculatura diplomática, tem sido massacrada.

Entretanto, a China soube ao longo do tempo construir dependência econômica que tem sido cobrada na esfera política em tempos recentes. Ao tirar sua máscara, pós-pandemia, é provável que o mundo reconheça a verdadeira face do império oriental, guarnecida por uma política de imagem estrategicamente organizada ao longo de décadas.

segunda-feira, abril 20, 2020

Diplomacia Humanitária

Dentre tantas frentes abertas no combate a pandemia, uma delas chama a atenção, focada nos esforços que tem sido realizados para repatriar brasileiros que estão no exterior e desejam retornar ao nosso país. Diante da falta de voos e limitações logísticas, a situação de muitos tornou-se extremamente complicada. Estamos diante de uma questão humanitária, que é a repatriação de nacionais diante de uma situação de risco.

Um país sério possui compromisso com seus nacionais e felizmente enxergamos isso diante desta emergência com os brasileiros que se encontram no exterior. Existem brasileiros nos lugares mais distantes, inóspitos e muitas vezes sem recursos para prolongar sua estada. Resgatar seus cidadãos tornou-se uma responsabilidade de países que possuem meios reais de repatriação, uma medida de proteção do Estado diante de seus nacionais em território estrangeiro.

Hoje, quando se celebra o dia do diplomata, homenagem a data de nascimento, em 1845, do patrono da diplomacia brasileira, José Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco, acredito ser a data ideal para entendermos os esforços de nosso serviço exterior diante da pandemia. A repatriação dos brasileiros, entre tantas dificuldades, é uma ação que precisa ser percebida por nossa população. 

Nosso Itamaraty, orientado pelas diretrizes desenhadas pelo Chanceler Ernesto Araújo, trabalha em uma ação sem precedentes para trazer os brasileiros que estão no exterior, um esforço que começou no traslado daqueles que estavam na China, no epicentro da pandemia, e se espalhou depois por diversos países. Fato é que o Brasil assumiu uma posição ativa para repatriar seus nacionais.

A ausência de voos comerciais tem sido um dos maiores problemas enfrentados por aqueles que desejam voltar ao seu país. Para isso, agiu-se no sentido de trabalhar com voos fretados e parcerias com companhias aéreas que pudessem desempenhar este papel. O resultado, até o momento, tem sido muito positivo, uma vez que mais de 11 mil brasileiros já conseguiram retornar ao país. Calcula-se que cerca de 6 mil ainda devem chegar ao Brasil, do quais 2 mil estão em Portugal.

Trabalhar pelos nacionais que se encontram em situação tensa e preocupante no exterior, como tem acontecido, é uma das principais vertentes do que se pode chamar de diplomacia humanitária. O esforço em ajudar nacionais em situação vulnerável, mediante a capacidade de mobilizar recursos pertinentes para responder de forma eficaz, tem sido fundamental diante da pandemia. Ao responder de maneira ativa as demandas dos brasileiros no exterior, nosso serviço diplomático alcançou resultado notável e elogiável por outras nações.

Esta noção de diplomacia humanitária é o principal vértice de organizações internacionais como Cruz Vermelha e Acnur, entretanto, precisam sempre da parceria dos serviços exteriores nacionais para alcançar resultados tangíveis. Ao participar de forma ativa deste esforço internacional, o Brasil faz jus a sua tradição diplomática. A repatriação, neste momento, tornou-se elemento essencial de nossa política externa, que com foco no cidadão, tornou-se um instrumento efetivo e real de fortalecimento do caráter humanitário de nossa diplomacia.

segunda-feira, abril 13, 2020

Dívida Social

Apesar dos notórios esforços de vários governos, todos falharam em promover uma mudança de fundo e substancial nos problemas sociais brasileiros. Esta questão surge novamente de forma aguda durante a pandemia de coronavírus. Falta de saneamento e de sistema de saúde eficaz, além de educação em suas mais diversas variáveis são elementos que somente agravam o tamanho do problema.

Por certo, por mais que Bolsonaro dedicasse cada dia de sua Presidência, durante quatro anos, na busca de resolver todos estes problemas, ainda não conseguiria. Houve avanços em governos passados, com o início de programas de assistência social de cunho liberal no governo Fernando Henrique até o estabelecimento de uma rede ampla, seguindo a mesma linha de maneira mais profunda nos governos petistas. Entretanto, ambos falharam em mudar o sistema em sua raiz, promovendo movimentação social eficaz e sustentável.

O avanço do poder aquisitivo nos governos petistas não pode se confundir com a reforma necessária no modelo social brasileiro que nunca foi realizado. Esta foi a grande falha do governo Lula. Seu projeto social não incluía avanços de mobilidade social real, que acabaram se perdendo com o desgaste da economia.

Fato é que o Brasil não se preparou para adversidade, quanto mais uma pandemia. Em nosso país 48% da população não possui coleta de esgoto e 35 milhões não tem acesso a água tratada. Por ano, 300 mil brasileiros são internados por diarreia e doenças relativas a falta de saneamento, dos quais, 50% são crianças. Se cruzarmos este dado com escolas, por exemplo, veremos que 59% das instituições de ensino fundamental não possuem rede de esgoto.

O Brasil gasta 6,7% do PIB com educação, valor superior à média de 5,5% dos países integrantes da OCDE. Entretanto, ocupamos somente a 67º posição no PISA, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos. O país possui 11,5 milhões de analfabetos e outros 11,2 milhões de jovens entre 15 e 29 anos que não trabalham, nem estudam ou se qualificam. Além de ter menos pessoas chegando ao ensino médio, a evasão escolar nessa fase chega a assustadores 11,2%.

Diante desta realidade, o Brasil vive um enorme desafio em lidar com a pandemia do coronavírus. Em um país com brutais problemas econômicos, sem poupança, com renda baixa, pouca educação e saneamento precário que pressiona o sistema público de saúde, o problema se torna ainda maior. O isolamento social no Brasil tem atingido apenas 50%, enquanto em nossa vizinha Bolívia alcança 92%.

Esta política de contenção, adotada em todos os países do mundo, tem por objetivo evitar uma pressão no sistema de saúde que inviabilize o tratamento de novos doentes da pandemia, mas também aqueles casos que normalmente também fazem uso dos hospitais.

A crise gerada pelo coronavírus escancara nossas mazelas como nação. Falta de educação, pressão sanitária e econômica. Precisamos estar além de nossas diferenças políticas para nos prepararmos para o futuro. Sem união e ataque direto ao problema real, nosso país seguirá refém de suas misérias pelas próximas gerações. A dívida social segue cobrando sua fatura.

quinta-feira, abril 09, 2020

China: Início do Declínio?

A pandemia de coronavírus pode se tornar um importante ponto de inflexão na geopolítica mundial diante de uma bem cultivada imagem da China que aos poucos se desfaz. Enquanto o mundo enfrenta as consequências da pandemia iniciada em Wuhan, as questões sobre a dependência econômica do país oriental se espalham pelo mundo colocando em xeque o modelo chinês de expansão global.

A mais importante guerra travada pela China neste momento reside no controle da narrativa. O governo trabalha para produzir propaganda efetiva e real que impeça a desconstrução do bem gerido retrato erguido pelo partido comunista nas últimas décadas. Esta questão vai além, pois a gestão da imagem do país se confunde com a legitimidade de Xi Jiping e sua liderança, expressada na capacidade de lidar com uma questão sanitária que se desdobrou em uma crise com brutais reflexos econômicos e de confiança.

Nenhuma nação se aproveitou melhor da expansão da globalização nas últimas décadas que a China. Com uma imagem bem construída e estratégias de expansão cuidadosamente planejadas, soube atrair investimentos, mercados e dependência de diversos países perante sua demanda econômica. Diante das dúvidas levantadas pela expansão do coronavírus, um movimento milimetricamente conduzido por décadas pode sofrer um de seus mais importantes revezes.

O resultado até o momento tem sido que o investimento na China passou a ser repensado por largas corporações que possuem operações no país. Os problemas começam pela ausência de proteção na questão da propriedade intelectual, passam pelos recentes aumentos nos custos de produção e desaguam agora na questão da segurança sanitária para os empregados. Os desdobramentos dos desafios enfrentados por Pequim diante da pandemia são maiores do que se pode imaginar, o que pode gerar enorme reflexo no desenho dos fluxos de comércio internacional.

Outro ponto a ser considerado é o modelo político chinês, baseado em um partido único com liberdades limitadas, um sistema que funciona com bons ventos e correntes comerciais em condições favoráveis. Torna-se, entretanto, arriscado para os negócios na medida que outros fatores entram na equação. Uma crise de confiança, potencializada pela ausência de transparência governamental em diversas frentes, pode ser fatal para a estratégia chinesa no cenário externo, com sérios desdobramentos nas cadeias globais de comércio. Neste cenário, regimes democráticos constitucionais estáveis podem, no médio prazo, reocupar uma posição de maior protagonismo nos negócios internacionais.

O mundo ainda se pergunta se uma ação efetiva do governo chinês diante da pandemia poderia ter impedido a disseminação do vírus. Segundo artigo da Universidade de South Hampton, uma intervenção inicial e combinada teria sido crucial para evitar a propagação viral. Estima-se que esta ação poderia ter reduzido o contágio em 66% na primeira semana, 86% na segunda e 95% na terceira. Se isto tivesse sido feito com antecedência, dizem os pesquisadores, teríamos evitado a situação atual.

Certamente o mundo que irá emergir desta pandemia será diferente. Isto começa e termina pelo papel, imagem e influência da China no xadrez político internacional. Ainda é preciso entender o grau de eficácia da gestão da crise chinesa em suas mais diversas frentes e como isto pode afetar as políticas do partido comunista e a liderança de Xi Jiping. Além disso, o regime fechado levanta suspeitas relativas ao grau de confiança da comunidade internacional diante de surtos pandêmicos que se originam em território chinês e sua efetividade em combatê-los em seu nascedouro. Para recobrar a confiança quebrada, o partido terá que fazer mais do que fornecer ajuda ao mundo para minimizar os efeitos desta pandemia.

Este é o ano do rato na horóscopo chinês, que significa reinvenção e renovação. Um mundo pós-coronavírus reserva certamente um novo cenário e a possibilidade de recomeço. Expõe também o receio de que este seja o início do declínio de um país que até então tecia de forma contínua, lenta e gradual seus planos de expansão global. Mais do que nunca, a China precisa dos auspícios deste ano para repensar sua posição internacional.

terça-feira, janeiro 07, 2020

Efeito Suleimani

Os impactos da ação militar que levou a morte de Qassem Suleimani no Iraque são diversos e dependem ainda de uma avaliação mais atenta sobre as possíveis respostas do governo de Teerã. De qualquer forma, já é possível entender alguns desdobramentos de forma objetiva e clara.

Não há duvida que Suleimani apresentava risco para os Estados Unidos e diversos países do ocidente, uma vez que possuia uma extensa rede de contatos e apoios em governos, serviços de inteligência, milícias e grupos terroristas. Certamente era peça fundamental do xadrez de (in)segurança internacional. Por mais que tenha sido prontamente substituído, sabemos que ninguém conseguirá ocupar seu papel e desempenhar as funções com resultados similares aos do antecessor.

Entretanto, é preciso sempre calcular o risco de ação desta envergadura, algo que pode trazer consequências não somente aos Estados Unidos, mas especialmente aos aliados europeus e outras nações com interesses convergentes com Washington. Não foi por outro motivo que a Europa, onde diversos grupos terroristas tem maior facilidade de penetração, aumentou os níveis de alerta. Nestes locais, para além dos grupos tradicionais, o risco maior decorre de células independentes inspiradas em grandes organizações, que podem se mover agora simplesmente impulsionadas pelo sentimento de vingança.

Na região é preciso também avaliar a situação vulnerável do Iraque. O país, uma ficção geográfica artificial criada pelos britânicos, reuniu em um território, à força, frentes antagônicas - curdos, sunitas e xiitas. No poder, a minoria sunita reprimiu os outros atores e quando a maioria xiita conseguiu chegar ao governo, a penetração política do Irã em Bagdá foi apenas uma questão de tempo. Um movimento que não agradou os sauditas, aliados dos Estados Unidos.

A Casa Branca precisa pensar muito antes de mexer neste tabuleiro, especialmente diante do fato de que o enfraquecimento do ISIS, um movimento desejado tanto por Washington, quanto por Teerã, trouxe ainda mais protagonismo ao governo dos aiatolás na região. A saída de Suleimani deste tabuleiro leva algum alívio para os Estados Unidos, mas também cria possíveis retaliações no médio e longo prazo, uma vez que um contra-ataque pode levar meses, até anos, com o objetivo de atingir de forma precisa seu alvo.

Nesta parte do jogo entra em discussão a sucessão americana. O movimento da Casa Branca foi muito arriscado do ponto de vista político. A economia anda bem, níveis de emprego altos, inflação baixa e país crescendo. O eleitorado republicano tende ao isolacionismo e um ousado movimento externo pode colocar Trump em uma situação delicada. Um movimento que pode ter mais relação com a vaidade do Presidente do que realmente com uma ação política calculada.

Estamos diante de um jogo delicado. Suleimani era alguém extremamente popular em seu país e na região, com forte influência em diversas frentes. Sua eliminação do tabuleiro desta forma foi uma jogada muito arriscada. Talvez além do razoável. O efeito Suleimani pode se tornar um ativo mais pesado do que o esperado.