sábado, setembro 14, 2019

Vácuo Político (02/09/2019)

A polarização da política brasileira tem aberto espaço para o surgimento de novos atores que buscam espaço no cenário eleitoral. Estamos diante de um vácuo criado pela Lava Jato e nossa troca de ciclo político. Assim como na Itália, depois da Operação Mãos Limpas, a classe política foi praticamente dizimada pelas urnas, abrindo-se um espaço que foi ocupado por uma nova direita. As consequências destes movimentos do eleitor deixam marcas profundas no cenário político e podem ser responsáveis por mudar suas estruturas.

Esta mudança que observamos vem marcada especialmente pela polarização, um fenômeno que funciona como combustível para líderes populistas tanto na direita, quanto na esquerda. São posições que se retroalimentam em seu antagonismo e necessitam da existência do outro para manter acesa a chama de seu discurso político. Ao absorver esta narrativa, insere o eleitor em uma dinâmica perigosa que vai além de suas agendas e se firma na simples disputa pelo poder.

Este estado de coisas se impõe geralmente quando surgem vácuos políticos, fenômenos responsáveis por ceifar o establishment. A ascensão dos governos que sucedem estes episódios tem o mesmo condão, renovar a política de fora para dentro, mudando seus atores, práticas e dinâmica.

Entretanto, pode-se tornar um movimento perigoso, uma vez que o afastamento de figuras tradicionais vai além de varrer as velhas práticas, pois também remove as qualidades que fornecem estabilidade institucional, geralmente caracterizadas pela temperança, diálogo, concertação e entendimento, habilidades fundamentais para os atores que se movem na política. O grande risco deste salto em direção ao incerto se caracteriza pelo perigo de esgarçamento das instituições e possibilidade de rompimento das garantias democráticas. Mas como sabemos, a tática da destruição para reconstrução geralmente está presente nestes movimentos.

Ao enfrentar esta dilema na década de 90, a Itália conseguiu se equilibrar, uma vez que o pêndulo político interno estava em contraponto com o externo, o que ajudou a reorganização política e o surgimento de novas forças ao longo dos anos seguintes. No período atual, ao contrário, enxergamos o movimento pendular para um dos lados, para uma nova direita que mostra-se cada vez mais robusta e que dialoga internacionalmente com desenvoltura e naturalidade.

Fato é que diante da polarização e do vácuo político, diversos grupos começam a se organizar, cientes de que podemos estar diante de um ciclo que pode se retroalimentar ao longo dos anos. Movimentos centristas, que buscam aliar políticas de esquerda e direita, sendo liberais na economia e atuantes na frente social começam a tomar forma e tentar se contrapor ao cenário atual. Neste panorama, a dinâmica política ainda está em acomodação e poderia reverter em favor de grupos que desejam rever as velhas práticas, porém mantendo suas virtudes. O vácuo de poder cria oportunidades variadas e o Brasil está exatamente no meio deste processo.

Dilema Liberal (26/08/2019)

O Brasil flerta com diferentes visões de mundo ao longo dos tempos. Já passamos pelo populismo getulista, autoritarismo militar, social-democracia tucana e também pelo sindicalismo petista e trabalhismo janguista. Mais recentemente nossa política transita por um novo conservadorismo, uma linha que aos poucos se molda no poder. Ao largo de todo este processo está o liberalismo, que dificilmente penetra no cardápio político brasileiro, refém de políticas patrimonialistas ao longo de sua história.

Entende-se por liberalismo as políticas de Estado Mínimo, com reduzida ingerência do governo em temas econômicos, sem qualquer interferência nos direitos e liberdades individuais, base da democracia. Os fundamentos destas liberdades e a limitação do papel do governo foram descritos de maneira objetiva pelos Founding Fathers dos Estados Unidos, tanto nos Federalist Papers, como nos textos legais produzidos por Thomas Jefferson e James Madison.

Fato é que os americanos jamais dissociaram estas liberdades, enxergando as individuais, ampliadas em abrangência ao longo da história, como o principal corolário da sociedade. A democracia tornou-se base das instituições e sobre sua existência e seus pilares reside a sociedade norte-americana.

No Brasil, a supressão das liberdades passou por diferentes momentos. As de caráter individual foram diversas vezes suprimidas, enquanto os pilares da sociedade eram construídos em torno do poder dos governos, fortalecendo o papel do Estado como indutor da economia e do desenvolvimento.

Com a redemocratização, ressurgem com enorme força as liberdades individuais, caracterizadas pela imprensa livre, direito de manifestação e associação política, amparadas por uma Constituição que consagrou os direitos individuais. O poder econômico, entretanto, permaneceu nas mãos do poder político, traduzido pela forte intervenção dos governos na economia.

Para mudar este estado de coisas, começaram a surgir os primeiros grupos liberais, que de forma organizada, focaram especialmente no âmbito econômico, uma vez que as liberdades individuais haviam sido reconquistadas, afinal como dizia Margaret Thatcher, não existem liberdades individuais sem liberdade na economia.

Com a ascensão de uma nova direita mundo afora, os liberais encontraram um desafio a ser vencido: como se comportar diante de governos que adotam a agenda de liberdade econômica, porém flertam de forma perigosa com uma nova forma de autoritarismo que pode interferir nas liberdades individuais. Legitimá-los pode significar dar um passo em direção a governos autocráticos. Confrontá-los, retroagir na agenda econômica. Neste ponto reside o dilema real vivido pelos verdadeiros liberais ao redor do mundo.

Avanços Externos (19/06/2019)

A nossa política externa virou tema de debates acalorados, o que não deixa de ser positivo para chamar a atenção do grande público para a importância da estratégia de inserção internacional para o desenvolvimento, o bem-estar e a segurança dos brasileiros. O lado negativo desse debate, porém, é o risco de uma simplificação para ganhar pontos no debate político, impedindo uma análise isenta e objetiva dos resultados concretos. É perceptível a tendência à crítica automática por parte de quem se opõe ao que tem sido alcançado, enquanto os apoiadores tecem loas à política vigente sem apresentar as evidências. Já chegou o momento de nos debruçarmos de forma objetiva sobre o que tem sido realizado.

E, de fato, nesses seis meses já é possível lançar um olhar retrospectivo que nos permite fazer um balanço dos avanços de nossa política exterior sob comando do chanceler Ernesto Araújo com base na evidência empírica. O pressuposto do exercício é muito claro: existe um mandato das urnas para dar novo rumo à política externa, privilegiando parcerias antes negligenciadas e utilizando-as para promover os valores e interesses nacionais. Como essa orientação geral e estratégica tem se traduzido na prática? Alguns exemplos podem ajudar a aferir os resultados alcançados: as relações com Estados Unidos, Israel e China; as negociações Mercosul-União Europeia; e os esforços pela democracia na nossa região, em especial no tocante à Venezuela.

Os Estados Unidos foram o primeiro destino bilateral de viagem internacional, resgatando um lugar de destaque a esse que é um parceiro fundamental, país que ocupa o primeiro lugar como comprador de nossas manufaturas e principal fonte de investimentos estrangeiros no Brasil. A convergência de visões de mundo entre os governos precipitou o avanço em tempo recorde de negociações em andamento e abriu novas avenidas de cooperação.

Entre os exemplos concretos, destacam-se a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, que permitirá o uso comercial do Centro de Lançamentos de Alcântara; o apoio decisivo dos EUA para o ingresso do Brasil na OCDE, espécie de clube de boas práticas que asseguram transparência e eficiência das políticas públicas; a designação do Brasil como aliado preferencial extra-Otan dos EUA, abrindo nossas possibilidades de cooperação, inclusive integração das bases industriais de defesa; e a construção de uma nova Parceria para a Prosperidade, que deve levar à negociação de acordos mais ambiciosos para remoção de barreiras ao comércio e aos investimentos.

Com Israel não foi diferente. Por muito tempo, o Brasil deu as costas a um parceiro fundamental, conhecido como “Start-up Nation”, por seus avanços extraordinários em matéria de ciência, tecnologia e inovação. Não resta dúvida de que, se queremos um país competitivo e conectado às cadeias de valor mais dinâmicas no mundo, é preciso forjar parcerias com quem entende de inovação. Essa conexão com Israel, portanto, tem base em nossos valores judaico-cristãos, que não devem ser desprezados como motor na aproximação bilateral, mas tem também uma dimensão de desenvolvimento econômico e prosperidade que está sendo explorada ao máximo, em benefício da sociedade brasileira.

Os críticos costumam mencionar a aproximação com Israel como um elemento negativo, já que alienaria os parceiros árabes e muçulmanos, importantes compradores de proteína animal. Há aí uma grande dose de simplificação interessada ou franca distorção. Não se fez nada em detrimento das relações com países árabes, que continuam aumentando suas compras do Brasil porque sabem que o nosso país é um fornecedor confiável de alimentos de alta qualidade, respeitando os ritos islâmicos na sua preparação. Não se substitui um fornecedor como o Brasil sem gerar insegurança alimentar. Da perspectiva política, graças aos esforços do Itamaraty, foi possível dissipar inquietações fundadas em leitura equivocada, já que melhorar as relações com Israel apenas ajuda a termos uma política externa mais equilibrada, capaz de contribuir para a paz e a prosperidade no Oriente Médio.

É também motivo de distorções o relacionamento com a China. Nossa política externa nunca questionou a importância daquele país como parceiro do Brasil nem buscou criar animosidades de qualquer natureza. O que mudou não foi o entusiasmo em manter as melhores relações possíveis com a China, mas o fim da passividade ao se procurar, de maneira ativa, buscar benefícios dessa relação que ajudem no desenvolvimento de longo prazo do Brasil. Queremos investimentos, mas os chineses devem responder não apenas a seus interesses comerciais no escoamento de commodities, mas ajudar a melhorar a infraestrutura que alavanque o desenvolvimento de outros setores. Queremos seguir vendendo minério de ferro e soja, mas é fundamental que os chineses abram o mercado para frango e açúcar, bem como ampliem a compra de produtos de maior valor agregado.

No campo das negociações comerciais, estamos começando a romper o isolamento do Brasil e do Mercosul, bloco que não tem nenhum acordo de livre comércio com nenhum parceiro de peso. Graças a uma postura favorável à abertura comercial, entendida como uma das chaves para o aumento da competitividade da nossa economia, as negociações com a UE estão praticamente fechadas, restando apenas um endosso político dos países. Essa negociação é apenas o primeiro passo para fechar outras já em andamento com o EFTA, Canadá, Coreia do Sul e Cingapura. Esta gestão do Itamaraty legará uma integração do Brasil a mercados de grande dinamismo. Venderemos mais e compraremos insumos a preços competitivos, o que tende a estimular o desenvolvimento industrial e agrícola do país.

Aos críticos de nossa política externa, faria bem sacudir os preconceitos ideológicos e enxergar a realidade dos fatos, que demonstra de maneira cabal avanços concretos na esfera internacional para o país. Uma guinada diplomática profunda, que deixará marcas extremamente positivas para o futuro do Brasil.

Parlamentarismo Britânico (29/07/2019)

A chegada de Boris Johnson ao governo britânico é significativa em muitos aspectos. É o avanço de uma ala dos Conservadores que estava de fora das grandes decisões, afastando os tories do centro político e de possíveis iniciativas convergentes, bipartidárias, com os trabalhistas. Ao mesmo tempo, leva toda uma nova geração do partido mais para perto das bases, ocupando um espaço onde grupos nacionalistas e de direita começavam a transitar com desenvoltura. 

Este novo governo britânico pode trilhar dois caminhos. Um deles é o fortalecimento dos Conservadores, enfraquecendo as bases dos novos partidos de direita. O outro é abrir espaço para o avanço destes nacionalistas em eleições futuras. Tudo depende do êxito ou do fracasso de Boris em Downing Street, algo que será decidido pelo erros e acertos no caminho que leva ao Brexit.

Para além do confronto de forças políticas, vemos o parlamentarismo britânico mais uma vez funcionar como elemento eficaz no jogo da estabilidade democrática institucional. Com o desgaste de Theresa May, não havia alternativa senão a troca da liderança do partido com maioria no parlamento e consequentemente mudança do Primeiro-Ministro. O mesmo já havia acontecido com seu antecessor, David Cameron, que depois de vencer os trabalhistas e levar os conservadores novamente do poder, renunciou por ficar do lado derrotado no referendo relativo ao Brexit. 

O poder de reorganização do parlamentarismo proporciona momentos como este. Johnson irá terminar o mandato de May, conquistado nas urnas em 2017. May, por sua vez, quando chegou ao poder, terminaria o mandato de Cameron, reeleito em 2015, mas antecipou o pleito de 2020 para 2017 a fim de obter mais densidade política para negociar o Brexit. Sua aposta foi equivocada e os conservadores perderam a larga margem que tinham obtido sob a liderança de Cameron. Perderam 13 assentos, enquanto os trabalhistas ganharam 30. A queda de May tornou-se uma questão de tempo. 

O Reino Unido é divido é em 650 distritos, que elegem por maioria absoluta 650 deputados com assento na Câmara dos Comuns e que escolhem dentro da coalizão ou partido vencedor, o nome do Primeiro-Ministro. Boris Johnson herda um governo de coalizão formado por May, sem maioria absoluta no parlamento e precisa enfrentar as urnas somente em 2022. Não será uma tarefa fácil. Um nova dissolução do parlamento com o chamamento de novas eleições, antecipando o fim do termo, pode levar os trabalhistas ao poder. 

Fato é que o sistema parlamentarista tem uma capacidade de revisão, renovação e reorganização invejáveis. Sem os trâmites e traumas do impeachment no sistema presidencialista, oferece alternativas rápidas e seguras dentro das regras institucionais. Com modelos políticos como o britânico, que ainda conta com o sistema distrital, um governo mal escolhido nunca se torna uma agonia comprada a prazo. No parlamentarismo, a democracia surge como o elemento essencial, que implementa as correções de rumo necessárias para evitar governos disruptivos e populistas.

Direita Volver (22/07/2019)

O pêndulo da política se move de maneira análoga ao redor do mundo. Governos de esquerda, direita, social democratas ou liberais tendem a se estabelecer ao mesmo tempo em diferentes países. Um movimento coincidente que oscila ao longo dos anos, abrindo espaço para novas ondas.
Na década de 90, no final do século passado, havia um claro movimento pendular em favor da social democracia. Chegavam ao poder nomes como Bill Clinton, Tony Blair, Fernando Henrique, Gerhard Schröder, Romano Prodi e Nelson Mandela. Este foi um período que sucedeu uma onda conservadora, liderada por Ronald Reagan, Margaret Thatcher e Helmut Kohl.

Nos dias de hoje tudo indica que o mundo segue em firme deslocamento para a direita política, entretanto, uma direita diferente do movimento conservador anterior. Esta nova safra de políticos adota política liberais na economia, pautas conservadoras nos costumes, mas ao mesmo tempo cria um vínculo direto com o povo, comunicando-se sem intermediários com seu eleitorado, tentando movimentar a população ao seu favor. 

Ao mesmo tempo vemos o crescimento de governos autocráticos, que sobem um degrau nesta escala, sejam de direita ou esquerda, e usam os poderes do Estado na economia de forma a ajustar sua permanência no poder. Isto gera o surgimento de governos fortes que buscam fortalecer a imagem do mandatário, como ocorre com Recep Erdoğan, Vladimir Putin e também com Xi Jinping. 

O crescimento da nova direita ainda está em curso e deve avançar em outros países, especialmente na Europa, onde já venceram eleições com Sebastian Kurz e Heinz-Christian Strache na Áustria, Matteo Salvini na Itália, Mateusz Morawiecki na Polônia, Viktor Orbán na Hungria e com a ascensão do Partido Popular Suíço (SVP), Partido do Progresso Norueguês (FrP) e o Partido Popular Dinamarquês (DF). Além disso, movimentos independentes e partidos como a Frente Nacional na França e UKIP no Reino Unido tem crescido a cada eleição. 

Estes políticos e partidos não se confundem com os antigos conservadores europeus, como a Democracia Cristã na Alemanha, Populares na Espanha, Republicanos na França ou mesmo os Tories no Reino Unido. A nova direita tem ocupado o espaço que os antigos conservadores não conseguiram preencher e aos poucos assumem o comando de diversos governos. Foram responsáveis pela campanha do Brexit e pela ascensão de Donald Trump dentro do Partido Republicano dos Estados Unidos.

A chegada de Jair Bolsonaro ao poder no Brasil segue o fluxo pendular em favor desta nova direita, que ainda está em franco crescimento em outros países. A tendência é o aumento do domínio desta corrente pelos próximos anos, até que os ventos da política comecem a soprar em outra direção. 

Protagonismo Parlamentar (08/07/2019)

O Congresso Nacional experimenta uma sensação única. Se desde a redemocratização tem participado como coadjuvante das  decisões nacionais, um simples carimbador de decisões do Planalto, a sensação é de que algo mudou. Diante do vácuo de liderança política criado por este governo no relacionamento com os parlamentares, abriu-se uma janela de oportunidade para Câmara e Senado viverem um protagonismo ainda não experimentado em tempos recentes.

O maior exemplo é a Reforma da Previdência, que jamais passaria sem o apoio das presidências das duas casas legislativas federais. Diante de um texto em que a economia chega praticamente a um trilhão em dez anos, algo que satisfaz de forma inquestionável o Ministro Paulo Guedes, o Planalto parece agir em sentido contrário, articulando para que a reforma seja desidrata em função de grupos que apoiaram o Presidente, como os policiais.

Na mesma frente, o maior receio para votação em plenário nesta semana, é a atitude daquele partido que deveria estar liderando este processo, o PSL, mas que em votações importantes para o governo inclusive já entrou em obstrução. Quando a oposição surge nas próprias trincheiras, impulsionado por aqueles que propuseram a reforma, incentivada pelo próprio Planalto, abre-se o vácuo para que a paternidade política do ajuste caia no colo do próprio Congresso Nacional.

Diante disso, Rodrigo Maia já começou a trazer a iniciativa de governar para dentro do parlamento. A proposta de Reforma Tributária, por exemplo, nascerá por iniciativa da Câmara dos Deputados e quando o governo acertar sua proposta, esta será apensada na do legislativo. Desta forma, o Congresso Nacional toma as rédeas do processo político, ocupando um vácuo de poder deixado pelo Planalto, passando a governar de dentro do parlamento. Um protagonismo parlamentar jamais visto na história recente.

Este renascimento do Congresso Nacional, assumindo a frente do debate político, se impõe por dois fatores: um governo que apostou em uma nova forma de liderança que passa pela rejeição a política e líderes políticos que apostam no vazio deixado por este governo para exercer a sua própria liderança. Desta dinâmica surge o protagonismo parlamentar que pode nos encaminhar para uma forma inusitada de parlamentarismo branco, afinal, é impossível implementar uma nova política sem reformas que alterem os alicerces do Presidencialismo de Coalizão.

 A aprovação da Reforma da Previdência, articulada por Maia, será o primeiro capítulo deste processo, que em breve deve adentrar pela Reforma Tributária e outras que venham na agenda dos Presidentes das duas casas. Este movimento leva a iniciativa política para dentro do parlamento, esvaziando as ações presidenciais. Se o Planalto não se posicionar de forma inteligente, perderá as rédeas da condução do debate para o parlamento, afinal, na política, não existe vácuo de poder.

Livre Comércio (01/07/2019)

O acordo entre Mercosul e União Europeia deve ser encarado como um passo importante de nosso país rumo ao livre comércio. O Brasil é um país fechado, que ao contrário de outras nações, não faz uso pleno de seu amplo potencial exportador e importador, o que também interfere na atração de investimentos. Ao fazer a opção pelo protecionismo, nosso país se isolou dos fluxos internacionais de comércio, algo que precisa mudar se deseja alcançar novos patamares de crescimento.

Neste sentido, o acordo com a União Europeia torna-se um facilitador deste entendimento. Hoje, o Brasil, que poderia ser importante player dos fluxos de trocas internacionais, está presente em apenas 1,3% do comércio internacional, um patamar que não condiz com nosso potencial, mas é explicado pelas opções equivocadas que os governos passados tomaram, optando por um caminho ideológico onde faltava pragmatismo e visão de futuro.

Países como Alemanha, Japão, Chile, China, Espanha, Cingapura e Coréia do Sul conseguiram mudar de patamar usando como instrumento impulsionador o livre comércio. Se um país deseja crescer e avançar em termos tecnológicos, é preciso derrubar barreiras e abrir as portas ao comércio internacional. O isolacionismo, caminho contrário, é grande responsável pelo atraso vivenciado por tantas outras nações como o Brasil. Políticas protecionistas e de substituição de importações nunca jogaram uma nação sequer em um ciclo virtuoso e sustentado de crescimento.

Diante dos avanços nas negociações internacionais, o Brasil também precisa olhar para si mesmo e se preparar para entrar nesta nova dinâmica que se apresenta. Refém de políticas que possuem compromisso com o atraso, nosso país precisa apresentar reformas para tornar-se mais competitivo, destravar amarras regulatórias, equilibrar as contas públicas, tornando o governo mais enxuto e ágil, abrindo caminho para que nossas empresas possam entrar no jogo de forma competitiva. A falha em produzir estas reformas agora, forçará que no futuro sejam realizadas por pressão de nossa economia. O Brasil precisa deixar de ser o seu pior inimigo.

Vivemos um momento único, que significa maior abertura e integração, traduzido pelo acordo com os europeus, mas também por conquistas recentes de nossa diplomacia, como os apoios para a entrada na OCDE, acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos e outros que eliminam a bitributação com diversos países, além de cooperação com Israel, Japão e Emirados Árabes. Isto sem contar o campo político, que carrega claros desdobramentos econômicos: colhemos o status de aliado preferencial extra-Otan e impulsionamos a criação do Prosul.

Um horizonte virtuoso está sendo construído, cabendo ao nosso país aproveitá-lo de forma inteligente e objetiva. Os vários desdobramentos destas políticas de abertura comercial podem fazer com que o comércio internacional finalmente torne-se parte da agenda brasileira, gerando resultados tangíveis para nossos exportadores e fortalecendo nossa economia, afinal vivemos um período de reglobalização, onde  a interdependência prevalece sobre o isolamento.

Liberalismo e Democracia (10/06/2019)

O liberalismo passou ao largo da história brasileira, especialmente no tocante aos temas econômicos. Sempre é lembrado, parcialmente, diante da necessidade dos governos encontrarem o equilíbrio perdido das finanças públicas, mas novamente é esquecido assim que a situação apresenta uma leve melhora, mergulhando o país novamente em práticas nada recomendáveis. 

Este movimento cíclico traduzido pelo baixo crescimento do Brasil ao longo dos anos tem reflexos nos níveis de emprego, renda e outros tantos indicadores. Nosso país nunca viveu um ciclo liberal pleno e completo. Nossa economia é resultado de sucessivas políticas de intervenção do governo que acabam por socorrer-se de políticas liberais, como privatizações e concessões, quando a necessidade se impõe.

Entretanto, não somente de liberalismo econômico se faz uma nação. É preciso que o rol de liberdades se estenda para o lado individual, certificando ao cidadão garantias fundamentais de exercício de seus direitos democráticos. No Brasil, fizemos a transição do ciclo militar para o civil em busca das liberdades individuais, entretanto, sem lembrar que também deveríamos ter nos atentado para as liberdades econômicas, negligenciadas pelo regime militar estatista, de cunho antiliberal, que ocupava o poder.

No Chile o exercício foi o oposto. Durante o regime de exceção, o país fez a transição econômica, liberalizando seu mercado, para somente depois reintroduzir as liberdades democráticas. Modelos opostos entregaram países diferentes quando ambos adentraram na democracia. Ao rejeitar o estatismo, os militares chilenos fizeram a opção correta, adotando políticas de um livre mercado, ao contrários dos brasileiros, que agarrados a um modelo fracassado, entregaram um país hipertrofiado pelo excesso de presença do governo na economia que gerou uma década perdida de hiperinflação. 

Assim, a chegada da equipe de Paulo Guedes ao governo representa, de forma objetiva, um sopro de boas notícias para nossa economia, uma vez que depois de muito tempo, existe a possibilidade da adoção de uma reforma liberal profunda nos fundamentos de nosso governo. Entretanto, em uma democracia, nada se faz sem habilidade política. Boas práticas não impõe-se simplesmente por serem as medidas corretas. É preciso enfrentar o terreno da política para que sejam implementadas. 

Se no Chile, as reformas puderam ser impostas pelo governo, uma vez que o país não vivia em uma democracia, no Brasil dos dias de hoje, a situação é bem diferente. É responsabilidade do governo garantir maioria nas casas parlamentares para aprovação de suas medidas. Se liberalismo rima com democracia, a função do governo vai além, confundindo-se no sistema de freios e contrapesos, com a responsabilidade real de defender sua agenda no parlamento. Diante de um time de peso na economia, recomenda-se não rejeitar a política, mas usá-la como instrumento legítimo e democrático para a implementação das reformas liberais que podem mudar a face do nosso país.

Pequenas Vitórias (07/01/2019)

Ponto fundamental para o começo do governo Bolsonaro são as reformas pretendidas pelo Planalto. As frentes são as mais variadas e caminham desde a economia, passando pelas relações exteriores e chegando em áreas como justiça e educação. Este é o maior desafio do governo, entregar resultados tangíveis em áreas estratégicas de forma rápida e eficiente.

Um pacote de medidas proposto pelo Ministro Sérgio Moro deve chegar em breve ao novo Congresso, que toma posse na virada de janeiro para fevereiro. O mesmo deve ocorrer com a área econômica, que precisa enfrentar o perigoso problema do déficit das contas públicas, avançando em um primeiro momento com a Reforma da Previdência, ampliando-se para outras frentes logo mais adiante.

Ponto central neste mecanismo são as pequenas vitórias que diversas áreas do governo podem apresentar, mas que não dependem de macro reformas dentro do parlamento. Neste sentido, a herança deixada pelo Presidente Michel Temer é positiva, pois em algumas frentes asfaltou o caminho para que o governo que chega consiga atingir resultados rápidos, especialmente na economia.

Outra área que mostrará uma virada mais significativa no curto prazo são as relações exteriores, comandadas pelo Embaixador Ernesto Araújo. A direção que segue a diplomacia brasileira é muito clara e representa uma forte guinada na direção de posições sólidas e construção de pontes com nações que convergem com os rumos propostos pelo Presidente Bolsonaro. A aproximação com os Estados Unidos é ponto primordial desta agenda. Uma convergência entre os dois grandes países das Américas representa um peso significativo na dinâmica geopolítica da região.

Na Infraestrutura o caminho também é promissor, pois passa por um pacote de privatizações que devem avançar muito neste primeiro ano. Com a economia equilibrando as contas e as relações internacionais apontando para alianças com países que convergem com os valores democráticos e de liberdade, a atração de investimentos se torna uma tarefa mais fácil. Um movimento que funcionará muito bem para que a infraestrutura brasileira possa se tornar mais moderna e dinâmica, lançando o Brasil em um novo patamar logístico que facilite a ampliação da agenda de negócios.

É importante que as ações do novo governo avancem em sintonia, como uma orquestra, de forma equilibrada e inteligente. Esta harmonia fornece rumos interconexos entre as diversas áreas do governo, movimentos que pode mudar rapidamente a face do país e a vida dos brasileiros. Mais do que se preocupar com o andamento das reformas no parlamento, que são extremamente importantes, precisamos nos atentar para os movimentos laterais, capazes de gerar ganhos reais e tangíveis no curto prazo. Os caminhos estão abertos e já começaram a ser trilhados. As pequenas vitórias, de enorme significado, começarão a chegar em breve.

Política Externa e o Povo (01/01/2019)

“A melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se”, disse o ex-chanceler Azeredo da Silveira em 1975. Desde então, a frase virou um mantra, repetido à exaustão tanto por diplomatas quanto por estudiosos da política externa. A fórmula, em sua elegância sintética, encerra um paradoxo evidente, em que tradição e renovação, termos que normalmente são tidos como opostos, acabaram conjugados num amálgama que seria o apanágio do Itamaraty.

Na verdade, por muito tempo, essa fórmula serviu para resguardar nossa diplomacia de interferências externas, de outros ministérios, da sociedade, do mundo acadêmico e, sobretudo, do cidadão comum. Uma diplomacia autônoma, integrada por profissionais treinados, os únicos capazes de formular e executar uma política externa eficaz. A autorenovação, sendo ela a melhor tradição, estaria assegurada ab initio, posto que a cargo da burocracia especializada, insulada dos reme-reme da política e da realidade mundana.

Essa insularidade, celebrada por diplomatas e parte da mídia como sinal de reconhecimento da competência técnica e da excelência do Itamaraty, está prestes a ser rompida. Ao contrário do que reza o senso comum dominante, a alta qualidade dos quadros desse ministério não justifica nem legitima seu isolamento. O governo da tecnocracia, afastado do povo, é a receita certa para decisões descoladas dos interesses reais da maioria, é a senha para uma democracia de fachada, em que corporações dão as cartas, ideologias insidiosas proliferam e as aspirações populares tornam-se uma vaga lembrança.

A chegada do chanceler Ernesto Araújo ao Itamaraty, embora seja um diplomata de carreira, representa uma ruptura com a ideologia tecnocrática. Significa o início de um processo de utilização da competência técnica como instrumento da vontade popular, em vez de correia de transmissão de interesses corporativos, muitas vezes refletindo uma visão homogeneizante que caracteriza as elites cosmopolitas da qual fazem parte as burocracias diplomáticas que se autonomizam.

Trata-se, portanto, de retomar o controle da burocracia para que ela seja instrumento de defesa dos interesses do povo e dos valores caros à sociedade brasileira. Em vez de termos uma diplomacia que importa acriticamente conceitos forjados alhures, seja em grupos restritos, seja em organizações internacionais de caráter ou pretensão universal, teremos uma política externa que criar espaços para que as aspirações de nosso povo prevaleçam.

Isso vale para a defesa da família e dos valores cristãos. No passado, parece que nossa política externa tinha vergonha de assumir esses valores que nos definem, buscando atestado de bom comportamento com base em padrões nem sempre coincidentes com nossa identidade nacional. Isso precisa mudar.

Isso vale para a defesa da democracia e a condenação de ditaduras sanguinárias na nossa região. No passado, nossa diplomacia alinhou-se despudoradamente com esses regimes tirânicos em nome da solidariedade ideológica, em contradição com a índole do povo brasileiro. Isso também vai mudar.

Isso vale para a busca de uma inserção econômica internacional realmente competitiva. No passado, nossa política externa foi conivente com transações duvidosas e que hoje causam prejuízo ao contribuinte, em vez de dedicar-se à abertura de mercados, à atração de investimentos e à negociação de acordos bilaterais e plurilaterais para inserir-nos das cadeias globais de valor. Esse aspecto também está por mudar.

Enfim, a virada que se espera da política externa reflete a vontade do povo, materializada nas urnas. Uma política externa verdadeiramente democrática precisa de um Itamaraty que seja instrumento da vontade popular e não uma redoma de iluminados, descolados do povo, e interessados em papagaiar uma ideologia globalista que não poderia ser mais incompatível com nossos valores e interesses nacionais.

Não é fácil nadar contra a corrente e confrontar o senso comum disseminado na imprensa, na academia e no próprio Estado. Mas desse esforço depende a consolidação de uma política externa que contribua para um Brasil mais forte, soberano e desenvolvido. E disso também depende a preservação do Itamaraty como instituição relevante, a serviço do povo brasileiro. É preciso romper a tradição tecnocrática para operar a verdadeira renovação.

Resgate Comercial (24/12/2018)

Nas últimas décadas, nosso comércio internacional tornou-se instrumento de implementação de uma agenda que possui um corte profundamente ideológico. Está claro que nossas trocas comerciais precisam, ao contrário, seguir parâmetros objetivos e pragmáticos, interagindo com nações que convergem com nosso país dentro de uma agenda profícua que gere resultados positivos de forma mútua e inteligente.

Nossa natural e histórica parceria com os Estados Unidos sofreu abalos profundos nas últimas décadas, quando nosso comércio tomou contornos mais ideológicos. Ao resgatar esta relação e diversificar os parceiros comerciais, nossa economia tende a tornar-se mais sadia e ampla. Neste sentido muitas frentes podem ser abertas em flancos negligenciados por governos que sempre preferiram inserir a ideologia como elemento essencial de nossas trocas comerciais.

As frentes que podem ser trabalhadas são inúmeras. Entretanto, um caminho promissor neste sentido é intensificar os esforços de facilitação do comércio e de convergência regulatória, o que implica em fazer uma boa interface entre a Embaixada em Washington, os canais de diálogo diplomático e comerciais do governo brasileiro, de modo a identificar as mudanças e o tipo de modernização que necessitamos empreender para que nossos padrões convirjam.

Na área de facilitação, por exemplo, é importante avançar no sentido de que os portais de comércio exterior de ambos os países se comuniquem, de modo a poupar tempo, reduzir burocracia e baixar custos para os operadores do comércio exterior entre os dois países. Medidas que podem destravar canais hoje obstruídos em nossa rota comercial.

O momento também é propício para voltar a discutir um acordo de investimentos que propicie mais segurança jurídica e ajude a atrair novos investimentos dos Estados Unidos para diversos setores, inclusive infraestrutura. Importante fazer coincidir essa proposta com esforço redobrado para explicar, a potenciais investidores, nossos marcos regulatórios mais amigáveis ao empreendedor. Isso pode se dar por meio da realização de série de encontros empresariais e eventos em câmaras de comércio e "think tanks" para divulgar oportunidades de investimento e recolher demandas de empresários no tocante ao tema regulatório.

Aquele investimento que não exige contrapartidas regulatórias e um ambiente de negócios sadio certamente carrega uma agenda política paralela encoberta pelo comércio. O Brasil precisa estar atento a estes movimentos. Ao negociar e atrair investimentos de qualidade, originados de países que dividem conosco o mesmo apreço por regras estáveis e relacionamentos econômicos de longo prazo, nosso país estará se posicionando de maneira correta no cenário internacional. Uma parceria de qualidade com sócios confiáveis e interesses comuns aumentará nossa pauta exportadora, diversificará nossa matriz e incrementará nossa capacidade atual. Um movimento que mexe com interesses pré-estabelecidos, mas que impulsiona o país no longo prazo para um novo patamar no comércio internacional.

Brasil e EUA: Resgate Exterior (17/12/2018)

O reposicionamento de nossa política externa abre um novo leque de oportunidades diante deste novo horizonte que estamos presenciando. De um certo modo, a eleição de Jair Bolsonaro pode representar finalmente o último capítulo de uma divergência temporal e ideológica entre Brasil e Estados Unidos. Neste momento está colocada a oportunidade de convergir compartilhando valores e interesses comuns, um movimento que tende a gerar enormes benefícios para os dois países.

O Brasil passa por um movimento de liberação das amarras ideológicas que impediam as relações bilaterais de serem aprofundadas de forma natural e recíproca. Tudo leva a crer que estamos diante de uma oportunidade única de formar o que o chanceler Ernesto Araújo chamou de “comunidade de sentimentos”, aproveitando nossa matriz ocidental comum, para gerar ganhos mútuos, fortalecer a democracia na nossa região e ampliar comércio e investimentos.

Nossa pauta com os Estados Unidos é ampla, mas também objetiva, passando por aspectos políticos e econômicos. A pauta passa pelo alinhamento da ideia de que devemos evitar a imposição de valores que não correspondem à maioria da população e neste ponto reside evitar excessiva dependência de outras potências, que foi resultado da negligência às relações com os americanos nas últimas décadas.

Além disso, diante de um parceiro que divide a mesma visão de mundo, faz todo sentido que os americanos nos apoiem para ingresso na OCDE, ajudem a viabilizar comercialmente a Base de Alcântara, forneçam acesso a bens sensíveis, impulsionem integração de nossas indústrias de defesa e garantam abertura e remoção de barreiras comerciais de maneira reciproca, inclusive no agronegócio. Todo este movimento pode ser construído neste momento histórico, algo que fortalece os laços entre as nações e aproxima as duas economias.

Estamos diante da oportunidade de destravar as relações Brasil-EUA, para que ganhem dimensão verdadeiramente estratégica, rompendo amarras ideológicas que impediram uma convergência mais profunda, ancorada em valores compartilhados e na coincidência de visões de mundo. A visão estratégica necessária para dar essa virada requer certa ousadia, deixando de lado velhos preconceitos derivados do antiamericanismo que marcou a esquerda e a visão diplomática tradicional.

A comunidade de sentimentos e valores deve se fazer acompanhar de uma comunidade de interesses comuns, cujos laços permitirão solidificar a parceria estratégica bilateral. Recalibrar esta relação passa por uma mudança de estratégia de operação brasileira em Washington e deve eleger algumas prioridades iniciais capazes de gerar resultados no curto prazo, abrindo caminho para novos voos. Isto garantirá que essa convergência se traduza em resultados concretos para benefício da sociedade brasileira. Chegou o momento de destravar uma profícua relação bilateral histórica adormecida pelas amarras ideológicas do passado.

Reformar o Sistema (26/11/2018)

O novo governo possui desenhos muitos peculiares. Desde sua montagem, onde prevalecem quadros técnicos, até uma nova relação com o Congresso Nacional, que visa ser institucional. A prática política que se vislumbra passa ao largo de tudo que já vivemos nas últimas décadas. Esta é uma enorme quebra de paradigma para o Brasil, uma mudança de fundo exigida pelo eleitor, mas que a partir de agora passa pelo jogo parlamentar.

Possuímos uma Constituição parlamentarista dentro de um sistema chamado de presidencialismo, uma situação anacrônica que acaba por gerar uma infinidade de problemas entre os poderes constituídos da República. Este modelo gerou o que chamamos de presidencialismo de coalizão, inaugurado por Sarney, mas que atingiu seu ápice dentro do governo Lula. Aqueles que conseguem navegar neste mar revolto procuram fatiar o poder os entres os aliados, criando uma espécie de presidência parlamentar, como fez o último governo.

Entretanto, a espinha dorsal da administração que chega se baseia na quebra deste paradigma, pois propõe um governo eminentemente presidencialista, que se baseia em políticas claras, buscando o parlamento como parceiro na construção de soluções para o país. Uma tarefa extremamente difícil diante deste sistema, que apenar de renovado, quer continuar operando nas bases de sempre.

Do outro lado da renovação está uma classe política apodrecida, mas que ainda possui peso neste jogo, seja mediante o controle dos partidos e seus recursos ou pelo conhecimento das estruturas de poder. Apesar de já terem escutado o recado dos eleitores nas urnas, esta turma acredita que passado o ímpeto inicial reformista do novo governo, inevitavelmente este terá que se dobrar diante das estruturas tradicionais de poder.

Este é o grande risco, ou seja, a união entre burocracia e velha política como forma de frear as mudanças que os novos ocupantes do Planalto desejam ver implementadas. Ouve-se pelos corredores que mudam os comandantes do jogo, mas nas esferas inferiores, a burocracia continua dando todas as cartas, deixando qualquer governo refém de suas vontades e do corporativismo.

A única forma de enfrentar este estado de coisas é realizar mudanças profundas nas operações de funcionamento do poder mediante reformas que mexam em privilégios e ataquem os pilares onde se sustenta o corporativismo que impede o Brasil de avançar. Ampliar e aprofundar a reforma trabalhista e operar uma previdenciária que ataque seus privilégios é o primeiro movimento, somadas no tempo certo com uma reforma política que altere a forma de escolha dos representantes no parlamento, diminuindo sensivelmente o número de partidos. Somente por este caminho será possível reformar o presidencialismo de coalizão.

O desafio é imenso e batalha está posta. De um lado, uma casta de privilegiados que se beneficiam do sistema. Do outro, a necessidade de reformas que façam do Brasil um país menos desigual. Do vencedor desta disputa depende o futuro de nosso país.