sábado, setembro 14, 2019

Política Externa e o Povo (01/01/2019)

“A melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se”, disse o ex-chanceler Azeredo da Silveira em 1975. Desde então, a frase virou um mantra, repetido à exaustão tanto por diplomatas quanto por estudiosos da política externa. A fórmula, em sua elegância sintética, encerra um paradoxo evidente, em que tradição e renovação, termos que normalmente são tidos como opostos, acabaram conjugados num amálgama que seria o apanágio do Itamaraty.

Na verdade, por muito tempo, essa fórmula serviu para resguardar nossa diplomacia de interferências externas, de outros ministérios, da sociedade, do mundo acadêmico e, sobretudo, do cidadão comum. Uma diplomacia autônoma, integrada por profissionais treinados, os únicos capazes de formular e executar uma política externa eficaz. A autorenovação, sendo ela a melhor tradição, estaria assegurada ab initio, posto que a cargo da burocracia especializada, insulada dos reme-reme da política e da realidade mundana.

Essa insularidade, celebrada por diplomatas e parte da mídia como sinal de reconhecimento da competência técnica e da excelência do Itamaraty, está prestes a ser rompida. Ao contrário do que reza o senso comum dominante, a alta qualidade dos quadros desse ministério não justifica nem legitima seu isolamento. O governo da tecnocracia, afastado do povo, é a receita certa para decisões descoladas dos interesses reais da maioria, é a senha para uma democracia de fachada, em que corporações dão as cartas, ideologias insidiosas proliferam e as aspirações populares tornam-se uma vaga lembrança.

A chegada do chanceler Ernesto Araújo ao Itamaraty, embora seja um diplomata de carreira, representa uma ruptura com a ideologia tecnocrática. Significa o início de um processo de utilização da competência técnica como instrumento da vontade popular, em vez de correia de transmissão de interesses corporativos, muitas vezes refletindo uma visão homogeneizante que caracteriza as elites cosmopolitas da qual fazem parte as burocracias diplomáticas que se autonomizam.

Trata-se, portanto, de retomar o controle da burocracia para que ela seja instrumento de defesa dos interesses do povo e dos valores caros à sociedade brasileira. Em vez de termos uma diplomacia que importa acriticamente conceitos forjados alhures, seja em grupos restritos, seja em organizações internacionais de caráter ou pretensão universal, teremos uma política externa que criar espaços para que as aspirações de nosso povo prevaleçam.

Isso vale para a defesa da família e dos valores cristãos. No passado, parece que nossa política externa tinha vergonha de assumir esses valores que nos definem, buscando atestado de bom comportamento com base em padrões nem sempre coincidentes com nossa identidade nacional. Isso precisa mudar.

Isso vale para a defesa da democracia e a condenação de ditaduras sanguinárias na nossa região. No passado, nossa diplomacia alinhou-se despudoradamente com esses regimes tirânicos em nome da solidariedade ideológica, em contradição com a índole do povo brasileiro. Isso também vai mudar.

Isso vale para a busca de uma inserção econômica internacional realmente competitiva. No passado, nossa política externa foi conivente com transações duvidosas e que hoje causam prejuízo ao contribuinte, em vez de dedicar-se à abertura de mercados, à atração de investimentos e à negociação de acordos bilaterais e plurilaterais para inserir-nos das cadeias globais de valor. Esse aspecto também está por mudar.

Enfim, a virada que se espera da política externa reflete a vontade do povo, materializada nas urnas. Uma política externa verdadeiramente democrática precisa de um Itamaraty que seja instrumento da vontade popular e não uma redoma de iluminados, descolados do povo, e interessados em papagaiar uma ideologia globalista que não poderia ser mais incompatível com nossos valores e interesses nacionais.

Não é fácil nadar contra a corrente e confrontar o senso comum disseminado na imprensa, na academia e no próprio Estado. Mas desse esforço depende a consolidação de uma política externa que contribua para um Brasil mais forte, soberano e desenvolvido. E disso também depende a preservação do Itamaraty como instituição relevante, a serviço do povo brasileiro. É preciso romper a tradição tecnocrática para operar a verdadeira renovação.

Nenhum comentário: